O Centrão se dividiu em dois na Câmara dos Deputados, em um movimento político que fortalece os parlamentares, mantém o protagonismo do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e coloca mais pressão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) montar sua base.
O Republicanos e o PSD — legendas do Centrão — formaram um bloco parlamentar com MDB, Podemos e PSC, e, juntos, têm 142 membros. Na quarta-feira (12), outro bloco foi anunciado. Ele é formado pelo União Brasil, PP, PSDB e Cidadania (que estão federados e atuam como um só partido), PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota – juntos, eles têm 173 integrantes.
Os dois novos blocos parlamentares contam com partidos do grupo político que concentra o poder no Congresso — especialmente na Câmara — e dá as cartas na política nacional desde 2014, a exemplo de PP e Republicanos, que apoiaram a candidatura à reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Lira segue como o grande nome do Centrão e o surgimento dos dois blocos não enfraquece seus poderes, nem fortalece o governo. Pelo contrário, gera uma descentralização de forças que eleva o nível de independência assumido pelo Congresso desde 2012, amplia o protagonismo da Câmara e, consequentemente, de seu presidente.
Divisão do Centrão com formação de blocos tem a influência de Lira
Na teoria, o bloco parlamentar composto por MDB, PSD, Republicanos e mais o Podemos e o PSC (que se fundiram) é uma resposta aos superpoderes do presidente da Câmara. A reeleição de Lira e a queda de braço assumida em torno das comissões mistas com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deram sinais de seu crescente empoderamento.
Na prática, porém, a composição entre MDB, PSD e Republicanos é atribuída, em parte, à influência de Lira, segundo dois deputados ouvidos pela reportagem sob condição reservada. De acordo com eles, a composição desse bloco não incomodou Lira e teve a atuação ativa de dois de seus principais aliados: o líder do PSD, Antônio Brito (BA), primeiro-vice-líder do bloco; e o líder do Republicanos, Hugo Motta (PB).
Sem o poder de controle das verbas do orçamento secreto que tinha até a gestão Bolsonaro e com dificuldades para emplacar aliados e apadrinhados em cargos do governo e na administração indireta, o presidente da Câmara tem menos força. Ainda assim, é dito nos corredores da Casa que, por seu perfil agregador e de "cumpridor de acordos", ele mantém o apoio junto a deputados, do baixo ao alto clero — os quais incluem líderes de partidos do Centrão.
O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), vice-líder de seu bloco, desconhece se houve ou não algum nível de influência de Lira na construção do bloco, mas sustenta que a criação não gerou mal estar com o presidente da Casa. "Eu não vejo um anseio [do bloco] para passar a perna no Lira, ou vice-versa", diz. "O que o Lira prega é que tenham menos partidos e eu comungo dos mesmos anseios, porque se não vira sopa de letrinha. Muito mais do que uma conspiração ou algo assim, esses blocos representam mais força para os partidos", acrescenta.
O deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-líder do partido, minimiza a constituição de um novo bloco. "Esses blocos são a ocupação de espaço na Casa, os partidos tentando sobreviver brigando por espaço. Isso é do regimento. Não tem nenhuma assombração esse negócio, apenas aumenta o poder de negociação", destaca.
Já o analista político Pedro Araújo, sócio-diretor da Action Relações Governamentais, entende que o surgimento dos dois blocos parlamentares "é um movimento do próprio Lira". "É tudo uma articulação do Centrão e da Câmara, é um jogo combinado até para fazer um contraponto aos blocos do Senado", destaca.
Por que a divisão do Centrão ajuda a equilibrar forças com o Senado?
A criação dos blocos da Câmara ajudam a equilibrar as forças com o Senado em um momento de retorno das comissões mistas, que são compostas por deputados e senadores. Em cada comissão mista, as vagas são distribuídas entre partidos e blocos parlamentares de forma proporcional ao número de membros de cada legenda.
Assim, quanto mais congressistas houver em um partido, maior é o número de vagas a que a agremiação terá direito nas comissões. Isso tornava comum o cenário em que alguns partidos não conseguiam espaço nas comissões por terem poucos membros. Nesses casos, o regimento comum das duas Casas assegurava uma vaga adicional na comissão a ser preenchida pelos partidos minoritários na forma de rodízio.
Agora, com os blocos, partidos menores têm chances de indicar membros para estas comissões, via acordos.
O analista político Pedro Araújo afirma que a formação dos dois blocos na Câmara é, portanto, uma forma de equilíbrio de forças no Parlamento. "A gente está vendo que o Congresso está empoderado e eles perceberam que isso acarretou, agora, um novo conflito, onde vamos ver o papel de cada Casa e o balanceamento de poderes entre o Senado e a Câmara", destaca.
Enquanto a Câmara criou dois numerosos blocos parlamentares, o Senado é dividido em três blocos: o Democracia, que reúne MDB, União Brasil, Podemos, PDT, PSDB e Rede; o Resistência Democrática, que agrupa PSD, PT e PSB; e o Vanguarda, que reúne PL, PP, Republicanos e Novo.
Diferentemente do Senado, os blocos parlamentares formados na Câmara mostram uma maior independência. "Os blocos da Câmara destoam um pouco do que é construído no Senado e você tem uma mensagem de mostrar que a base de parlamentares é bem relacionada, coerente e consegue fazer dois blocos mais 'independentes' e bem heterogêneos, sem partidos propriamente ditos de governo, embora alguns tenham maior proximidade", analisa Araújo.
Quão independentes os blocos serão em relação ao governo Lula?
A presença de partidos que compõem formalmente a base do governo nos blocos parlamentares, como PSB, PDT, MDB e PSD, não geram dúvidas de que uma parcela das legendas vai atuar a favor de assegurar a base de sustentação ao governo Lula. No entanto, isso não garante uma adesão automática de todos os blocos à base governista.
O líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), afirmou na quarta que o bloco não tem o interesse em criar problemas com o governo, mas manifestou que isso não significa que seu partido passará a integrar a base do governo, apesar de ter avalizado a indicação de três ministros de Lula – Daniela Carneiro, do Turismo; Juscelino Filho, das Comunicações; e Waldez Goés, da Integração Nacional, que apesar de estar no PDT foi indicado pelo União, com a expectativa de mudar de partido.
"Para significar que não há qualquer tipo de interesse de criar, sobretudo com o governo, qualquer tipo de celeuma, nós deputados que estão aqui representados pelos seus líderes, compõem um bloco único aqui na Casa que terá nesse colegiado de líderes um foro de discussão e decisões sempre pensando nos superiores interesses da população brasileira", declarou.
O deputado Maurício Marcon, que é de oposição ao governo Lula, entende que a criação de dois blocos dificulta a possibilidade de construção da base. "O governo estranhamente já começou sem a base e ele vem perdendo mais a cada coisa errada que faz, e eu sinto isso até por parlamentares do meu partido [Podemos]", diz. "Antes, o discurso era de trabalhar junto, agora já estão querendo se afastar do Lula porque virou tóxico e dizem ser independentes", complementa.
Outro ponto que corrobora a perspectiva do governo ter dificuldades para montar a base é de que, diferentemente de uma fusão ou federação partidária, em que partidos atuam como unidade, no bloco parlamentar cada legenda ainda tem seu líder e poder de influência junto à sua bancada. Assim, partidos podem divergir das orientações de uma votação do líder do bloco. Ou seja, a composição de partidos em grupos heterogêneos não dá garantias de governabilidade ao Palácio do Planalto.
"Em um sistema político maduro, normalmente temos um partido de direita, um de esquerda e dois ou três de centro. Hoje, basicamente é o que temos, dois [blocos] de centro, um de direita [PL e Novo] e um de esquerda [federação do PT com PCdoB e PV]. E vamos combinar que quem decide tudo é o centro", analisa Marcon. Por acordo firmado entre os partidos, seu bloco promoverá um rodízio mensal de líderes. O atual é o deputado Fábio Macedo (Podemos-MA), que é aliado da base governista.
Já o líder do bloco parlamentar que reúne PP e União Brasil, Felipe Carreras (PSB), insistiu que os partidos do bloco vão "procurar ajudar o presidente Lula a pavimentar a governabilidade e ter uma base sólida" na Câmara. Ele comandará o bloco por dois meses e será substituído pelo atual líder do PDT, André Figueiredo (CE). O pedetista sustentou que o bloco tem uma "convergência com a pauta democrática" e afirmou que as legendas têm interesse em promover uma "frente ampla que garanta a governabilidade para o governo".
Como governo, oposição e independentes podem tirar proveito dos blocos
Tanto o governo quanto a oposição e os independentes podem tirar proveito da formação dos blocos. O deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA), vice-líder do bloco ao qual seu partido integra, diz que os dois grupos possibilitam maior disputa de relatorias de projetos de lei importantes.
"O intuito da formação do bloco foi inicialmente para fortalecer a ação dos blocos na Câmara, não foi nada contra o presidente Arthur Lira, nem ninguém. Havia movimento de vários partidos formando blocos, como PP e União. Enxergamos nisso tentativa de fortalecer grupos onde o PSC, Republicanos, Podemos, o PSD [e MDB] ficariam de fora. De acordo com os líderes que participaram da conversa, o intuito foi fortalecer os partidos para que pudessem enfrentar os outros blocos que se formavam", destaca.
Mendes rechaça a tese de que seu bloco possa ser enquadrado como "Centrão" e reforça que o intuito foi formar um grupo com poder suficiente para disputar espaços não apenas na Casa, mas também na relatoria de projetos do governo. Até por isso, ele não nega que, embora três dos partidos que compõem o bloco sejam independentes, há a disposição de votar projetos que possam ser importantes para o Brasil. "Fortalece a base de apoio ao governo, que tem interesse em pautar todas as matérias que sejam de interesse do país", destaca.
A mesma lógica se aplica a pautas de interesse da oposição. O deputado Maurício Marcon destaca que o bloco parlamentar proporciona maior facilidade para algumas questões, como pedir votação nominal ou eventualmente a assinatura de emendas e requerimentos de urgência. A assinatura do líder do bloco a um instrumento ou proposta legislativa tem peso equivalente ao de todos os deputados que integram o grupo.
"Eu usei o nosso bloco para conseguir colocar como urgência o projeto que agrava as penas para os crimes de homicídio qualificado [uma das respostas da oposição aos ataques em escolas e creches]", comenta Marcon.
O deputado do Podemos afirma que, em seu bloco, o recado é de que os parlamentares terão "facilidades" e que nada será mudado em relação à liberdade de se impor e fazer oposição, ser independente ou pertencer à base do governo. "Quando tiver uma urgência será assinada, independentemente se gostamos ou não, é assim para todo mundo, e é nominal, e nós também conseguimos mais facilidades de indicações para as comissões", diz. "Tentaram colocar que nosso bloco seria mais governista, e ninguém mudou de opinião", acrescenta.
Ou seja, na prática, as visões sobre a natureza e forma de atuação dos blocos não é homogênea entre os articuladores da ideia e seus liderados. A forma como eles vão funcionar ainda será colocada à prova com a retomada das atividades do Congresso na próxima semana após o retorno da comitiva que viajou à China com o presidente.
Lira mantém poder
Da mesma forma que deputados de oposição, situação e independentes saem favorecidos pelo empoderamento da Câmara com o surgimento dos blocos, o mesmo vale para Lira e o Centrão. Afinal, passa por ele a distribuição de relatorias e a inserção em pauta de requerimentos de urgência e, consequentemente, de projetos que poderão tramitar diretamente em plenário caso esses requerimentos sejam aprovados.
Com dois grandes blocos de centro, o governo ainda vai precisar dialogar com Lira para aprovar projetos de interesse, sobretudo pautas mais difíceis, em negociações não muito diferentes do que foi a aprovação da PEC fura-teto.
O cientista político Enrico Ribeiro, sócio-diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, entende que a formação de dois blocos reequilibra as forças na Câmara, mas reconhece que o encaminhamento direto de pautas ao plenário e a concentração de matérias nas mãos de Lira ajuda a manter os naturais "poderes" de agenda e regimental de um presidente da Casa.
Ao passo em que Lira mantém algum nível de poder mesmo sem o orçamento secreto, Ribeiro entende que, naturalmente, ele também passa a ter influência na disputa pela sucessão da Câmara. "Me parece que esses blocos são uma movimentação visando a próxima troca da mesa, dado que o Lira, em tese, não pode mais ir para a reeleição, mas pode tentar fazer um sucessor. Então, é natural que tenha várias vertentes surgindo até pensando nos próximos passos", diz.
O deputado Maurício Marcon concorda e endossa a análise. "Com PL e PT isolados, acaba que, na próxima eleição da presidência da Casa, automaticamente como ele vai ter o controle, o nome que indicar vai ter mais força para eleição de 2025. Não acho que o Lira vai abrir mão do poder", destaca.
O empoderamento a Lira e à Câmara com o surgimento dos blocos é, também, o do Centrão, sobretudo diante da possibilidade de eleição de um sucessor do atual presidente da Casa. Por isso, mesmo dividido, o Centrão se mantém fortalecido. Contudo, Ribeiro até rechaça a ideia de dois "Centrões".
"É o mesmo Centrão desde a constituinte, só vai mudando as siglas. Daqui a pouco estão todos juntos de novo, acho que é só mais uma questão. Esse ciclo se encerra em 2025, e daqui a pouco começa outro e depois voltam a surgir. Não existem dois Centrões, eles são pragmáticos, se daqui a pouco quiserem se unir se unem de novo", destaca.
O analista Pedro Araújo, sócio da Action Relações Governamentais, concorda com a análise. "Eu não acho que sejam movimentos independentes, é um Centrão só, é tudo uma articulação do Centrão e da Câmara", comenta.
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