Enfrentando déficits primários desde 2014, o governo federal vem apertando o cinto para tentar botar as contas públicas em ordem. Sem dinheiro para investir e com gastos fixos que tomam conta do orçamento, como a Previdência e a folha de pessoal, cada vez é mais complexo fugir do engessamento fiscal. Na hora de escolher onde colocar mais recursos, a gestão de parques nacionais perdeu espaço para outras prioridades. E a concessão dessas áreas ganhou força no governo.
O conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo federal opinou favoravelmente em setembro, e agora espera o aval da presidência, para incluir três parques nacionais no programa de desestatização. Com a autorização, é só publicar os editais de concessão dos parques nacionais do Iguaçu (PR), Jericoacoara (CE) e Lençóis Maranhenses (MA), que passariam a engrossar a lista das unidades que já são administradas pela iniciativa privada.
Sim, porque essa não é exatamente uma novidade. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente e responsável pela gestão dos parques, já vinha estudando a alternativa das concessões há alguns anos. Tanto que em 2018 foi lançada uma publicação que já delineava o escopo de um Programa de Parcerias Ambientais Público-Privadas para a área.
“Os esforços do ICMBio para a implementação da visitação nas UCs [unidades de conservação] federais têm resultado num visível crescimento do número de visitantes nos últimos anos. Entretanto, tendo em vista o pequeno contingente de servidores em relação à enorme extensão dessas áreas protegidas, o objetivo de consolidar as atividades de uso público não tem sido uma tarefa fácil, exigindo inclusive, a priorização de áreas para a implementação dessas ações”, dizia o texto.
Visitas em alta, orçamento em queda
De fato, o número de visitantes está aumentando. Em 2018, foram 12,3 milhões de turistas que passaram por uma das 334 unidades de conservação sob tutela do ICMBio – em 2017, o número foi de 10,7 milhões. De acordo com este documento do ICMBio, em 2017, em 14 unidades que cobram ingresso para entrada foram captados R$ 55 milhões.
O aumento da visitação associado a falta de pessoal e crise fiscal do governo compõem o quadro que explica o porquê esse plano já vem sendo gestado há mais tempo. O próprio ICMBio admite que os recursos públicos não conseguem suprir na totalidade as necessidades de manutenção e fortalecimento na gestão dessas unidades de conservação. Nem mesmo a verba obtida via acordos de cooperação internacional é suficiente.
O orçamento do ICMBio em 2019 prevê até 883,2 milhões, sendo que a autarquia também está sujeita ao contingenciamento de verbas do governo federal. Para 2020, a proposta de lei orçamentária encolhe: estão previstos R$ 715,8 milhões, sendo que R$ 55,3 milhões estão alocados como crédito suplementar, sujeito à aprovação do Congresso.
Analisando as rubricas destinadas apenas como apoio à criação, gestão e implementação das Unidades de Conservação Federais, é possível ver com mais clareza esse encolhimento das verbas. Em 2014, por exemplo, a projeto de lei orçamentária previu recursos de R$ 107,6 milhões para a rubrica, de acordo com dados do Painel do Orçamento, do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP). Esse é o valor nominal que consta para essa despesa, ou seja, não foi corrigido pela inflação. Mesmo nominalmente, ele é superior ao que está previsto para 2020, também na lei orçamentária, que é de R$ 107 milhões.
De 2014 para cá, embora a previsão orçamentária no projeto de lei previsse aumentos regulares nas verbas, a execução orçamentária passou longe de usar todos os recursos inicialmente orçados. Um exemplo é o que ocorreu no orçamento de 2018: a previsão da LOA era de que essa rubrica teria R$ 224 milhões disponíveis, mas o governo só pagou R$ 130,5 milhões – os valores são nominais.
Em 2019, a LOA separou R$ 176,5 milhões para esse tipo de gasto. Até meados de setembro, os pagamentos somavam apenas R$ 71,9 milhões – nominalmente, é o menor valor desde 2014.
“A cobrança de taxas de visitação, por meio de concessões, com o estabelecimento de uma política de crédito, reajustes de ingressos, participação nos lucros e riscos, aporte de serviços complementares pelo concessionário, melhor distribuição das receitas geradas entre as unidades e o sistema pode ser uma importante alternativa para a captação de recursos potenciais”, avalia o instituto.
Potenciais parques para concessão
O documento do ICMBio aponta alguns critérios para a escolha das unidades cuja administração será concedida: existência de plano de manejo, potencial de visitantes, facilidade de acesso e a existência de estudos preliminares de viabilidade econômica. Atualmente, são três os parques que já constam com projetos no PPI, mas essa mesma gestão já falou na possibilidade de conceder mais de 20 unidades, embora não tenha listado quais seriam.
Em 2018, ainda na gestão de Michel Temer, algumas unidades tiveram seus editais de concessão publicados. É o caso da Chapada dos Veadeiros (GO), cujo modelo de concessão foi criticado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “A concessão do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, por exemplo, feita no fim do ano passado, foi péssima. Fizeram uma concessão meia-boca, de alguns serviços, dizendo que 80% tinha de continuar sob o comando do ICMBio. O resultado é uma concessão em que o empreendedor não tem quase nenhuma liberdade de atuação. Vamos inverter a lógica dessas concessões. Vamos estabelecer um mínimo de restrições. De resto, toma que o filho é teu”, declarou o ministro em entrevista registrada pelo Estadão Conteúdo.
Neste ano, outros parques tiveram assinados os contratos de concessão. É o caso dos parques Pau Brasil (BA) e Itatiaia (MG-RJ). Nesta última unidade, a concessão é para 25 anos e prevê investimentos de R$ 17 milhões em melhoria de serviços e infraestrutura para receber os visitantes. O concessionário fica responsável por suporte na gestão da visitação, venda de ingressos, serviços de estacionamento e transporte, espaços e serviços de receptivos, alimentação, comércio, hospedagem e atividades de aventura.
O ICMBio, ainda em 2018, já estava preparando consultas públicas ou estudo preliminares para outras unidades, como os parques nacionais do Caparaó (ES), Serra da Bodoquena (MS), Chapada dos Guimarães (MT), de Aparados da Serra (RS), da Serra Geral (RS e SC), da Serra da Canastra (MG) e para a Floresta Nacional de Canela (RS).
Duas dessas unidades estão sofrendo com as queimadas neste 2019. No Parque do Caparaó – que abriga o Pico da Bandeira, terceiro ponto mais alto do Brasil –, um incêndio de grandes proporções foi notificado na sexta-feira (13). Já o parque da Chapada dos Guimarães foi fechado para os turistas no dia 9 de setembro, devido aos inúmeros focos de incêndio no município, que decretou situação de emergência. Lá, o incêndio começou ainda em meados de agosto e a estimativa é de que o fogo já tenha consumido cinco mil hectares de vegetação. A área total do parque é de 32,6 mil hectares.
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com o ICMBio no dia 12 de setembro para obter informações completas sobre os parques que já estão concedidos à iniciativa privada, prazos de concessão, valores das outorgas e objetivos dos contratos. O pedido de informação foi repassado ao Ministério do Meio Ambiente e não houve retorno até a publicação desta reportagem.
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