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O recente anúncio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, do aporte de US$ 50 milhões em doações para o Fundo Amazônia não traz em si a garantia de que o recurso chegará. O repasse ainda precisa ser submetido à aprovação do Congresso dos EUA, que terá maioria republicana a partir de 2025.
Com a vitória do republicano Donald Trump nas eleições, as chances de as doações serem interrompidas são grandes. Isso porque, Trump, que assume a presidência em 20 de janeiro, já prometeu retirar os EUA novamente do Acordo Climático de Paris, como fez na sua gestão passada, e reverter as políticas ambientais de Biden.
Na semana passada, quando oficializou o anúncio da doação ao Fundo, Biden se tornou o primeiro presidente em exercício dos EUA a visitar a Amazônia, no entanto, além da incerteza sobre o efetivo envio do recurso anunciado, o valor não chegará a 20% do que foi prometido anteriormente pelo governo americano.
Isso porque Biden disse, em abril de 2023, que os EUA enviariam US$ 500 milhões ao Fundo Amazônia ao longo de 5 anos. Desde então, US$ 53,4 milhões já foram repassados e, somados aos outros US$ 50 anunciados recentemente pelo presidente americano, totalizariam US$ 103,4 milhões ou cerca de 20% do valor total.
“Estou saindo da presidência em janeiro e vou deixar ao meu sucessor uma base muito forte, se eles decidirem seguir esse caminho. Alguns podem negar ou atrasar a revolução de energia limpa que vem acontecendo nos EUA, mas ninguém pode revertê-la”, acrescentou Biden.
Atualmente, o site oficial do Fundo mostra três doações vindas dos EUA. A primeira, de US$ 3 milhões, foi feita em dezembro de 2023. As duas seguintes, de US$ 47 milhões e US$ 3,4 milhões, foram feitas em agosto e outubro de 2024. Contudo, sem o aval do Congresso para os US$ 50 anunciados na semana passada, o valor efetivamente doado não deve chegar aos US$ 100 milhões.
Para analistas, a chance de o valor anunciado não ser aprovado é concreta, o que pode afetar a política ambiental do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no entanto, chegou a afirmar que as expectativas se mantêm, mas ponderou que as doações são voluntárias.
Já o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), admitiu a frustração com os valores destinados pelos EUA ao Fundo Amazônia.
Valor abaixo do prometido para o Fundo Amazônia frustra ambientalistas
Apesar do anúncio de Biden, não há informação sobre quando as doações estarão disponíveis, já que o valor precisa ser aprovado pelos congressistas americanos. Os aportes recebidos pelo Fundo Amazônia são administradas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Questionada sobre o recebimento dos aportes, a assessoria de imprensa do BNDES informou que a contratação e a internalização de recursos referentes a doações anunciadas por diferentes países acontecem segundo os trâmites, fluxos orçamentários e aprovações de cada país doador.
“Assim, os prazos dependem dos procedimentos de transferência de recursos específicos de cada país. Após a finalização de todas as etapas, o recurso ingressa no Fundo”, disse o BNDES à Gazeta do Povo.
Por faltar mais de 80% do valor prometido pelo presidente Joe Biden, ambientalistas demonstraram preocupação com o comprometimento real dos Estados Unidos com a agenda ambiental global.
O deputado Nilto Tatto não escondeu a frustração diante do anúncio do presidente Biden sobre a doação ao Fundo Amazônia. “Sem dúvida nenhuma é frustrante. Também demonstra o quanto é difícil os países ricos e os maiores responsáveis pela crise climática assumirem maiores responsabilidades”, disse à Gazeta do Povo.
Ao ser questionada sobre a possibilidade do compromisso dos EUA não ser cumprido, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ressaltou que as doações para o Fundo Amazônia são voluntárias. No entanto, a ministra afirmou que a expectativa se mantém.
“Os EUA tinham se comprometido com os US$ 50 milhões e o Brasil está na expectativa da internalização desses recursos, afinal de contas é um compromisso de Estado que não pode mudar porque mudou o governo”, afirmou Marina Silva em entrevista para o portal Poder 360.
Na avaliação do advogado especialista em direito ambiental e comércio internacional, Guilherme Doval, além da frustração, as perspectivas são de que o valor não seja efetivamente doado com a mudança no governo dos EUA.
“A equipe do ex-presidente reeleito Trump tem defendido como prioridade a redução de gastos externos com recursos dos contribuintes americanos. Então, mesmo que a nova gestão deseje cumprir o compromisso assumido pelo seu antecessor, a aprovação da doação pode enfrentar barreiras significativas em um Congresso de maioria republicana”, pontuou Doval.
O vice-líder do governo, deputado Rogério Correia (PT-MG), porém, comemorou os anúncios. “Depois do anúncio de Biden de US$ 50 mi em investimentos no Fundo Amazônia, foi a vez da Noruega anunciar o aporte de mais 60 milhões. Quero os países ricos competindo pra ver quem doa mais! Faz o L!”, disse o deputado em publicação na sua conta no X.
Já para a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP), o valor anunciado não chegará ao Fundo Amazônia. "Óbvio que nós jamais veremos esse dinheiro. É tudo factóide. É tudo uma forma de fazer com que vários brasileiros achem que está sendo feita alguma coisa, mas, pelo contrário, a Amazônia está aí esquecida, o povo faminto desesperado com sede de desenvolvimento. Isso tudo é uma forma de paralisar o Brasil", disse a parlamentar.
Analistas avaliam que cenário aponta desequilíbrio na política ambiental de Lula
O governo Lula 3 assumiu a presidência com o compromisso de retomar o Fundo Amazônia após a interrupção das doações durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos paralisado, a retomada das doações rendeu mais de R$ 700 milhões somente em 2023.
O valor total recebido em 2024 ainda não foi contabilizado, mas a diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, destacou que o Fundo Amazônia atingiu a marca de R$ 882 milhões em aprovações de projetos este ano. No ano passado, foram aprovados R$ 553 milhões.
Dentre as propostas aprovadas entre 2023 e 2024 estão as de apoio aos Corpos de Bombeiros de sete estados da Amazônia Legal. Juntos, Rondônia, Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e Maranhão receberam R$ 280 milhões para projetos de prevenção e combate a incêndios florestais e queimadas.
A maior parte das aprovações, totalizando R$ 225 milhões, ocorreu no segundo semestre de 2024, em meio à maior crise de queimadas em 14 anos. Pouco antes, o governo Lula e o BNDES foram alvo de críticas pela demora na aprovação dos projetos do Fundo Amazônia. A lentidão foi exposta pelos governos estaduais em reuniões no Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, a alocação de recursos federais para o combate às queimadas sofreu cortes em 2024, apesar das perspectivas de secas e da solicitação de um volume maior de recursos pelo Ibama. O orçamento previu apenas R$ 50 milhões para a prevenção e o combate às queimadas.
Para analistas, o Fundo Amazônia deixou de ter papel complementar na política ambiental do Brasil, o que coloca em risco a gestão de Lula e de Marina Silva.
“Em tese, o Fundo Amazônia deveria ter um papel complementar na política ambiental, uma vez que depende de recursos externos incertos, como é o caso de doações estrangeiras. As ações consideradas essenciais pelo governo brasileiro deveriam ser financiadas prioritariamente por recursos alocados no orçamento federal”, afirmou o advogado especialista em direito ambiental e comércio internacional, Guilherme Doval.
Na avaliação do gerente de comércio internacional da BMJ Consultores Associados, Leandro Barcelos, se o recurso anunciado por Biden não chegar, poderá haver impactos no governo Lula.
“Isso pode impactar a política ambiental do governo Lula ao limitar os recursos disponíveis para implementação de projetos ambientais na Amazônia, afetando direta e negativamente os esforços de combate ao desmatamento e promoção de práticas sustentáveis. Não obstante, poderá influenciar a percepção internacional sobre o comprometimento do Brasil com a proteção da Amazônia em plena preparação para COP30 que será realizada em Belém em exatos 12 meses”, disse Barcelos.