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Rodando o Brasil em busca de apoio para ser o candidato do PSDB à Presidência da República em 2022, o governador de São Paulo, João Doria, aguarda com ansiedade a oportunidade de enfrentar o presidente Jair Bolsonaro e o petista Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o tucano diz acreditar que o PSDB terá um nome forte nas eleições do ano que vem e cita pesquisas que mostram que 52% dos brasileiros são "nem nem" — não votam nem em Bolsonaro e nem em Lula —, ou seja, desejam uma "melhor via" nas eleições do ano que vem.
Doria vai disputar em novembro próximo as prévias internas do partido para escolha do candidato a presidente em 2022. Outros três integrantes do ninho tucano concorrem nessa eleição interna: o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-senador Arthur Virgílio (AM). "Aquele que for eleito sairá fortalecido das prévias", prevê.
Apesar de seu partido ter contestado as urnas eletrônicas em 2014, o governador de São Paulo diz confiar no sistema de votação brasileiro e não vê razão no voto impresso — "um retrocesso", nas palavras dele. Diz que esse debate faz parte de um enredo que Bolsonaro prepara para justificar eventual derrota nas urnas. Doria ainda critica deputados do PSDB que se posicionaram a favor da impressão do voto, caso de Aécio Neves.
Leia abaixo a entrevista completa com o governador João Doria, em que ele fala também sobre o programa de vacinação paulista contra a Covid-19, a recuperação do pós-pandemia e um suposto boicote do Ministério da Saúde na entrega de vacinas ao estado de São Paulo:
O estado de São Paulo lidera entre os demais estados do Brasil a vacinação contra a Covid-19, qual foi o trabalho feito e ao que se deve essa liderança?
João Doria: Desde o início da pandemia, nós obedecemos a ciência e respeitamos a saúde. São Paulo foi o primeiro estado a criar um comitê de contingência no dia 28 de fevereiro de 2020 quando registrou o primeiro caso de Covid no Brasil. Fomos o primeiro estado do país a fazer a quarentena e primeiro estado a tornar por meio de lei o uso obrigatório de máscara.
Além disso, fomo o primeiro estado que defendeu a vacina e foi buscar a vacina também. Em julho, assinamos o contrato para a entrega de 46 milhões de doses; em outubro, nós recebemos 6 milhões de doses autorizadas pela Anvisa e ainda estávamos na fase de testagem. Seguindo a modulação de testagem da Anvisa poderíamos ter começado a vacinar em dezembro, mas o governo federal postergou, dificultou, classificou a vacina Coronavac como "vachina", "vacina do Doria", "vacina do jacaré". Todas as más colocações para impedir que tivéssemos a vacina, mas com o apoio do STF conseguimos que a Anvisa emitisse o seu relatório e a partir do dia 17 de janeiro iniciamos a vacinação.
Começar antes ajudou o processo e melhorou o convencimento também das pessoas de que a vacina era boa. No início quase metade da população não queria ser vacinada, temia a vacina. Hoje esse campo representa menos de 10% da população. Fizemos campanha para conscientizar a população de que era importante se vacinar com qualquer vacina que fosse aprovada pela Anvisa, nunca fizemos campanha para defender a do Instituto Butantan, mas sim para todas as vacinas. Essas são as razões pelas quais conseguimos avançar tanto.
Nos últimos dias o senhor tem acusado o Ministério da Saúde de atrasar a entrega de vacinas para o estado de São Paulo. O senhor acredita que a sua rivalidade política com o governo Bolsonaro esteja afetando os repasses dos imunizantes?
João Doria: O presidente Bolsonaro é um notório negacionista, aliás conhecido internacionalmente como um negacionista e classificado pela mídia internacional e por vários chefes de Estado como alguém que adotou a postura negacionista. Eu lamento que o ministro da Saúde [Marcelo Queiroga], embora com um histórico de bom médico e bom líder na sua categoria tenha recebido o vírus do Bolsonaro. Ao invés de se manter como um bom médico e comprometido com a saúde pública, tenha se deixado dominar por um presidente negacionista.
São Paulo teve subtraídas 228 mil doses da Pfizer sem nenhuma justificativa ou razão plausível nem da ciência, nem da contabilidade, nem da logística. Uma decisão unilateral de tirar 228 mil doses da vacina da Pfizer que ao meu ver afronta o princípio federativo e ofende o direito à vida. São 228 mil pessoas que receberam a primeira dose da Pfizer e precisam receber a segunda dose. Isso é uma atitude criminosa, por se suprimir doses da vacina sem nenhuma justificativa e diante de uma pandemia.
Alguns governadores e prefeitos têm acusado o governo federal de acumular doses de vacinas. Na avaliação do senhor, o que falta para que o Ministério da Saúde consiga distribuir os imunizantes?
João Doria: Eu classificaria isso como incompetência. É um Ministério da Saúde dividido, sob o qual tem um ministro que não comanda. Ele [Queiroga] é um ministro de um ministério que ele não comanda. Não se justifica diante de uma pandemia e o Brasil precisando vacinar, o ministério ter 11 milhões de doses em um depósito e não conseguir fazer a logística. E não é a primeira vez, já é a terceira vez que os governadores denunciam isso. Outras duas vezes eu mesmo alertei os governadores que havia estoques de vacinas, 16 e 10 milhões de vacinas estocadas, enquanto os estados estavam paralisando a vacinação por falta de vacina. Isso é incompetência completa, falta de estruturação e comando.
Outro exemplo: ainda na gestão Pazuelo conseguiram até trocar siglas de estados e mandaram vacinas que eram pro Amazonas para o Amapá. Um ministério que não consegue nem fazer a leitura das siglas que representam os estados brasileiros é notoriamente um ministério incompetente.
Recentemente o senhor afirmou que o presidente Bolsonaro estava copiando o programa social de São Paulo chamado de vale gás. Como o senhor viu a iniciativa do governo federal de tentar distribuir gás por meio da Petrobras?
João Doria: O programa vale gás em São Paulo é um programa social e não empresarial. É um programa que disponibiliza um botijão de gás para famílias carentes a cada dois meses e que alcança 2 milhões de pessoas em São Paulo. Eu não critiquei o Bolsonaro, apenas falei que alguma iniciativa de ordem social ele começava a ter. Nós lançamos o vale gás há mais de 60 dias e só agora que ele anunciou.
Ele achou que pelo fato de a Petrobras distribuir gás, era fácil para a Petrobras financiar botijões de gás. Ele não sabe nem o que ele administra, porque a Petrobras não pode fazer isso. É uma empresa de capital mista, cotada em bolsa, inclusive na Bolsa de Nova Iorque. Ela não pode sair distribuindo botijões de gás e muito menos vale gás, só na cabeça de um incompetente que não sabe sequer o que administra que se pode fazer uma afirmativa dessa natureza.
Além da vacinação e de programas sociais, quais ações estão sendo tomadas em seu governo para retomar a economia no pós-pandemia?
João Doria: São Paulo foi o estado que mais desestatizou ao longo desses dois anos e meio. Fomos, só neste mandato, nove vezes em leilões na bolsa de valores para leiloar ferrovias, linhas e estações de metrô, ferrovias, parques, aeroportos e agora vamos para o transporte fluvial. Os 22 aeroportos regionais de São Paulo já foram concedidos para o setor privado. Isso significa investimento privado de grande porte e mais os investimentos diretos feitos por investidores internacionais.
Só em concessões e PPPs [Parcerias Público-Privadas] foram R$ 45 bilhões ingressando na economia de São Paulo em 2021. Soma-se a isso o investimento direto do estado de São Paulo de R$ 21 bilhões, fruto da reforma administrativa que fizemos no ano passado com aprovação da Assembleia Legislativa. A reforma administrativa é a redução do tamanho do Estado, fechamos cinco estatais, unificamos autarquias para reduzir despesas, reduzindo custo de pessoal e operacional. Isso deu para São Paulo só de investimentos neste ano, entre os programas de desestatização e o programa de fundos para investimentos no estado, R$ 66 bilhões.
A previsão do PIB deste ano feita pela fundação Seade da Universidade de São Paulo é de um crescimento de 7,8% para São Paulo, enquanto no Brasil será de 5,3%. São Paulo vai crescer 50% mais que o Brasil. Se São Paulo cresce, o Brasil cresce.
Vou citar como exemplo a produção industrial do Paraná, a produção do agrobusiness do Paraná, onde o estado de São Paulo é o maior consumidor. Então se a nossa economia cresce gerando mais oportunidades, maior capacidade de consumo, tudo aquilo que o Paraná produz do agronegócio a sua produção comercial tem o seu maior centro de consumo em São Paulo. Consequentemente isso vai ajudar um pouco o Paraná.
Doria aposta nos votos "nem nem" em 2022
O senhor irá disputar as prévias do PSDB com objetivo de se candidatar ao Palácio do Planalto no ano que vem. Como está a busca por apoio dentro do partido, já que a legenda conta com diversas alas?
João Doria: O PSDB tem bons candidatos e essa é uma vantagem. Temos quatro bons candidatos, e modestamente me incluo dentre esses quatro. Faremos uma campanha muito respeitosa em relação ao senador Tasso Jereissati, ao ex-senador Arthur Virgílio e o atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. São todos bons candidatos e nós estarmos cada um apresentado a sua forma de governo e de enxergar o Brasil. A proposta será feita para o Brasil e não para o candidato e nem para o PSDB, mas sim construída para o Brasil. Nada é mais democrático, transparente e impulsionador para a candidatura do PSDB do que as prévias. Aquele que for eleito sairá fortalecido das prévias.
O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) é um dos principais opositores ao senhor dentro do PSDB e tem defendido que o partido não tenha candidatura à Presidência em 2022. Se o senhor for o candidato, haverá ambiente para convergência de todo o partido?
João Doria: Sem dúvida. Aécio Neves vive a síndrome da derrota. Ele entende que pelo fato de ter sido derrotado em 2014 e depois ter demonstrado desapreço pela democracia e pelo respeito à transparência, ele acha que o PSDB é o seu retrato e nós não achamos. O PSDB ao longo de 33 anos sempre teve candidato à Presidência da República e terá candidato em 2022. Por isso estamos realizando as prévias. Eu tenho absoluta segurança de que o candidato que vencer as prévias será um grande candidato para representar a melhor via nas eleições de 2022.
O senhor tem articulado com outros nomes que vão desde o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) até ao ex-ministro Mandetta (DEM) uma alternativa à polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT) na disputa do ano que vem. Neste grupo já existe negociações para composição de chapa com o senhor, por exemplo?
João Doria: Todos esses nomes são bons nomes, mas é cedo ainda para imaginar uma composição. Temos que respeitar as prévias e após essa conclusão, buscar entendimentos no chamado centro democrático. Esse centro é um centro amplo, que vai da centro-esquerda, centro e centro-direita. De acordo com pesquisas Datafolha, a última feita há quatro semanas, 52% da população brasileira está no “nem nem”, nem Lula nem Bolsonaro. Isso poderá convergir com partidos que têm esse sentimento, que não serão Lula e não desejam ser Bolsonaro. Estamos chamando esse grupo de melhor via e isso poderá apresentar uma força para as eleições de 2022. Mas eu acredito que isso começa a se cristalizar a partir de dezembro deste ano.
O senhor chegou a romper politicamente com o presidente do DEM, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, aliado histórico do PSDB nas eleições presidenciais. Se o senhor for o candidato, haverá espeço para recompor com os democratas?
João Doria: Nós sempre tivemos uma aliança histórica e muito boa com o DEM. Aliás temos essa aliança em São Paulo. Temos na prefeitura, onde quando eu fui eleito em 2016 com Bruno Covas firmamos esse entendimento, que foi reafirmado em 2020 com o próprio Bruno, portanto o DEM é base na prefeitura de São Paulo. E fizemos nas eleições para o governo do estado em 2018. O DEM é base, ou seja, é aliado do governo de São Paulo. Então não há razão para não sermos aliados em 2018. Da minha parte tudo farei para que isso aconteça e de forma muito respeitosa com o ex-deputado e ex-prefeito de Salvador ACM Neto. Que eu reconheço que tem uma liderança importante e merece o nosso respeito e certamente chegaremos a um bom entendimento.
O presidente Bolsonaro tem reiterado diversas vezes que não haverá eleições seguras sem o voto impresso no Brasil. O senhor vê algum risco ao pleito por conta dessa polarização sobre a segurança das urnas eletrônicas?
João Doria: As instituições são mais fortes que Bolsonaro e o Brasil é maior que o Bolsonaro, felizmente. O presidente tem afrontado e ameaçado a democracia constantemente, desde o início do seu governo. Ofendendo o Supremo Tribunal Federal, ofendendo o Legislativo no tempo em que Rodrigo Maia era o presidente da Câmara, no tempo também que Davi Alcolumbre era o presidente do Senado. Ele tem sistematicamente ofendido governadores e aqueles que no pacto federativo não lhe apoiam, e apoiar e não apoiar é um princípio democrático, faz parte da democracia. Ele continuará afrontando e flertando com o autoritarismo, mas o Brasil e suas instituições são mais fortes que Bolsonaro.
Dos 32 deputados do PSDB, 14 foram favoráveis à PEC do voto impresso na Câmara e o deputado Aécio Neves, apesar de não ter votado, afirmou que poderia rediscutir o tema em 2022. Como o senhor analisa essa movimentação mesmo com a orientação contrária da executiva do partido na votação da PEC?
João Doria: Houve um grave equívoco do deputado Aécio Neves, primeiro ele está equivocado de estar abraçado com o bolsonarismo e ao Jair Bolsonaro contrariando os princípios do PSDB. Segundo contrariando a executiva do PSDB, que orientou contra o voto impresso. Os sete deputados de São Paulo votaram contra essa PEC do voto impresso. O presidente Bolsonaro foi eleito pela urna eletrônica, todos os presidentes nos últimos 30 anos foram eleitos com a urna eletrônica. O próprio Aécio Neves, que deve estar com problema de memória, talvez pela idade, enfrentou uma eleição em 2014 com a urna eletrônica.
Em 2014 o partido do senhor contestou o resultado das eleições em que Aécio Neves foi derrotado. O senhor confia na segurança do sistema de apuração do Brasil?
João Doria: Ele duvidou e o nosso partido também. O Tribunal Superior Eleitoral permitiu que fosse feita uma auditoria e essa auditagem foi feita, comandada por um grande parlamentar, o deputado Carlos Sampaio. Ele convidou auditores dos Estados Unidos e do Brasil para fazerem todas as verificações nas urnas para checar a possibilidade de adulteração das urnas ou de as urnas serem violadas, depois de muitos meses de trabalho concluiu-se que a urnas eram invioláveis e de que não houve nenhuma manipulação nas eleições de 2014. As urnas são invioláveis e não há nenhuma razão para a busca desse retrocesso que é o voto impresso.
Exceto pelo presidente Jair Bolsonaro, que tenta ameaçar as eleições de 2022, como já fez diversas vezes, não só em palavras e atitudes, como ainda estimulou que ministros do seu governo levassem a informação ao Congresso Nacional de que, se não houvesse voto impresso, nós não teríamos eleições em 2022. Eu afirmo que teremos eleições em 2022 no processo da urna e com toda a confiabilidade garantida.
O senhor já afirmou que Bolsonaro não terá viabilidade política em 2022. Acredita que o mesmo episódio que ocorreu no Capitólio dos Estados Unidos quando Donald Trump foi derrotado pode ocorrer no Brasil?
João Doria: Bolsonaro já prepara o enredo, e o enredo que ele prepara é o mesmo que o seu querido amigo e ídolo Donald Trump lamentavelmente empreendeu nos Estados Unidos. Trump escreveu a parte mais triste da história recente da república dos Estados Unidos quando apoiou os atos de violência no Capitólio, atos que feriram pessoas e colocaram em risco a credibilidade da democracia americana. Como Bolsonaro já sabe que será derrotado, ele poderá tentar fazer isso aqui, mas não terá sucesso.