Auditoria realizada nas contas da seguradora Líder, gestora do DPVAT (o seguro obrigatório dos veículos automotores), identificou procedimentos questionáveis da empresa e que potencialmente violam a lei anticorrupção. Dentre as práticas questionadas pelos auditores da consultoria KPMG, responsável pelo documento, está o envolvimento da Líder com pessoas próximas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pagamentos a empresas cujos sócios têm (ou tiveram) ligações com os magistrados da Corte.
O relatório, que se refere às contas de 2008 a 2017 da Líder, foi obtido pelo jornal Folha de S.Paulo, que publicou neste domingo (12) reportagem sobre o assunto. Segundo o jornal, a auditoria foi encomendada pela atual direção da Líder.
Uma das conexões entre a Líder e pessoas ligadas a autoridades questionada pela auditoria é a relação da seguradora com o advogado Mauro Hauschild, que atuou como assessor do ministro do STF Dias Toffoli – hoje presidente do Supremo.
A relação profissional de Hauschild com Toffoli, segundo a reportagem, vinha de antes de o ministro assumir o cargo no STF, o que ocorreu em 2009. Mas se manteve mesmo depois, quando o advogado assessorou-o no Supremo. Desde 2014, contudo, Hauschild atua como advogado.
A auditoria da KPMG informa que a Líder pagou a Hauschild R$ 3 milhões de 2012 a 2016 – período em que ele já não mais assessorava Toffoli.
Outra conexão da Líder questionada pelos auditores é com o escritório de advocacia Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados. Segundo a Folha de S.Paulo, o advogado Rafael Barroso Fontelles, um dos sócios, é sobrinho do ministro do STF Luís Roberto Barroso. Além disso, o ministro era sócio do escritório até 2013, quando foi indicado para o Supremo. O atual escritório mudou de nome e sucedeu a banca do hoje ministro.
Segundo a reportagem, os sócios do escritório atuaram na defesa da Líder em duas ações no STF que buscavam alterar regras do DPVAT. O contrato previa o pagamento de R$ 400 mil, pela seguradora, caso a causa fosse vitoriosa no Supremo. Barroso não participou dos julgamentos por se considerar impedido. Mas, segundo a reportagem da Folha, em pelo menos um dos casos a decisão favoreceu a seguradora.
Outro ponto questionado pela auditoria é o apoio financeiro feito pela Líder para um seminário sobre seguros promovido em São Paulo pela Associação dos Magistrados Brasileiros e Escola Nacional de Seguros no ano de 2011. Os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski participaram do seminário.
DPVAT é motivo de briga de poderes e vaivém judicial
O DPVAT – que serve para indenizar vítimas de acidentes de trânsito – está no centro de uma briga entre poderes. Em novembro, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória (MP) que extinguia o seguro obrigatório – pago anualmente por todos os motoristas e motociclistas do país. Argumentou que isso evitaria fraudes.
Mas em dezembro os ministros do STF suspenderam o fim do DPVAT. Edson Fachin afirmou que o fim do seguro obrigatório não poderia ser determinado por MP, mas sim por lei complementar. Foi acompanhado por Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Luiz Fux foi contra por argumentar que o fim do DPVAT sobrecarregaria o SUS. Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski foram contra a suspensão da MP. Cármen Lúcia não participou do julgamento. E Luís Roberto Barroso se declarou impedido.
Após essa decisão do STF, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) então editou uma resolução para baixar em até 68% o valor do DPVAT a ser pago em 2020. Mas o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu em 31 de dezembro a resolução. Numa nova reviravolta, Toffoli decidiu dias depois restabelecer o pagamento mais barato do DPVAT.
Outro lado: o que dizem os citados
A atual direção da seguradora Líder confirmou à Folha de S.Paulo que encomendou a auditoria e que, após receber o relatório, adotou medidas para seguir as recomendações da KPMG.
Dias Toffoli informou, por meio de nota à Folha, que seu ex-assessor Mauro Hauschild já não atuava no gabinete do ministro no período citado. “Entendo que, por isso, não há o que comentar.”
A assessoria do ministro Luís Roberto Barroso informou que ele “se desligou inteiramente do seu antigo escritório ao tomar posse no STF, em junho de 2013, com ele não mais mantendo qualquer relação. Após a sua saída, o escritório, inclusive, mudou de nome. O ministro não atuou em nenhum dos casos do DPVAT, tendo se dado por impedido”.
Ricardo Lewandowski, por meio de sua assessoria, informou que ele não tem nenhuma relação com a Líder.
O advogado Mauro Hauschild disse que foi consultor/advogado Líder, prestando serviços jurídicos para a seguradora. Ele também disse que não ocupar cargos em governo desde julho de 2013 e que seus contratos de consultoria e advocacia são posteriores a isso.
O ministro Luiz Fux foi procurado pela Folha, mas não se manifestou.