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Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) culpou o governo chinês pela pandemia do coronavírus no mundo.
Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) culpou o governo chinês pela pandemia do coronavírus no mundo.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

Na quarta-feira (18), o deputado federal Eduardo Bolsonaro endossou em seu perfil no Twitter uma postagem que responsabiliza o Partido Comunista Chinês pela pandemia do coronavírus. "A culpa é da China, e liberdade seria a solução", escreveu.

A atitude do filho do presidente criou um incidente diplomático entre os dois países, que já envolve o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A postagem de Eduardo foi rebatida no mesmo dia pela Embaixada da China no Brasil, também via Twitter. "As suas palavras são extremamente irresponsáveis”, escreveu o autor dos tuítes. "Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos", acrescentou.

Em sua conta pessoal, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, fez críticas fortes a Eduardo. Além disso, pediu o apoio de Alcolumbre – que afirmou que “o Congresso Nacional repudia qualquer acusação irresponsável ao povo chinês” – e de Maia – para quem “a atitude de Eduardo “não condiz com a importância da parceria estratégica Brasil-China e com os ritos da diplomacia”.

O chanceler Ernesto Araújo não colocou panos quentes na discussão e disse em nota que a reação de Wanming foi “desproporcional e feriu a boa prática diplomática”. “Já comuniquei ao embaixador da China a insatisfação do governo brasileiro com seu comportamento”, acrescentou.

Um agravante para a polêmica, além do sobrenome, é que Eduardo Bolsonaro é o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados. Vice-presidente da mesma comissão, o deputado federal José Rocha (PL-BA) disse à Gazeta do Povo que Eduardo “não tem responsabilidade pelo país”. “Coincidentemente, ele é filho do presidente, mas é uma ligação que não vem ao caso”, afirmou.

Segundo Rocha, a relação com a China “é boa e precisa melhorar mais”. “Devemos ampliar cada vez mais as negociações com os chineses, e não podemos criar nenhum empecilho nessa relação.”

Incidente deve afetar pouco a relação bilateral entre os dois países

O incidente diplomático causado pelo filho do presidente ocorre num momento em que a relação bilateral entre os dois países é boa, com a parceria comercial em ascensão. Especialistas em relações internacionais acreditam que o incidente, mesmo que revelante, dificilmente vai afetar muito a relação.

“Acho pouco provável que tenha algum impacto direto na relação comercial. Se não houver uma solução rápida, o que pode acontecer é algo parecido com o que vimos depois da eleição do Bolsonaro”, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Na época, segundo Stuenkel, investidores chineses ficaram reticentes com o Brasil por conta das declarações negativas de Jair Bolsonaro em relação à China.

“Quando há uma percepção no empresariado chinês de que certo país não tem uma boa relação diplomática com o governo chinês, um grande investimento naquele país não ajuda a empresa chinesa a se aproximar do governo (chinês)”, explica.

Nesse sentido, segundo Stuenkel, a única preocupação é com o nível de investimentos. O comércio bilateral, para ele, “dificilmente vai ser afetado porque é uma relação importante, e a China está com a peste suína”, que torna o país dependente de carne estrangeira. O Brasil é o maior produtor de carne suína do mundo.

Discussão sobre falta de abertura da China é legítima, mas Eduardo errou na forma, dizem especialistas

Heni Ozi Cukier, deputado estadual (Novo-SP) e especialista em relações internacionais, diz que parte da discussão sobre a forma como a China conduz o problema “é legítima, até porque a crise não terminou, e a origem desse vírus foi ali”.

“É muito importante que nós tenhamos total transparência e garantia de que as informações sobre o que está acontecendo na China sejam verídicas. Senão a cura e as estratégias adotadas por todos não fazem sentido algum”, diz. Mas, segundo ele, é preciso ponderar “qual é o momento de entrar nessa discussão e como ela deve ser feita”.

Para Stuenkel, a forma como o governo chinês reagiu pode ser debatida, mas o momento escolhido para o tipo de declaração feito por Eduardo Bolsonaro foi inadequado. “A busca de um culpado, neste momento, pouco agrega à articulação de respostas sobre essa crise”, diz ele. “Trazer esse aspecto agora pode, inclusive, complicar a cooperação internacional”, acrescenta.

Para Cukier, a forma como a embaixada chinesa reagiu ao incidente também foi pouco diplomática. “A resposta chinesa foi muito descompassada. O Eduardo, está certo que ele é o filho do presidente, mas ele é um deputado. Ele tem menos tato diplomático do que alguém do corpo diplomático. A responsabilidade de um diplomata é ter esse tato”, diz.

Há respaldo científico para a teoria endossada por Eduardo Bolsonaro?

Especialistas em infectologia e epidemiologia ouvidas pela Gazeta do Povo criticam a forma como Eduardo Bolsonaro levantou a discussão sobre os problemas sanitários na China. Embora o surto tenha se iniciado em um mercado de animais silvestres em Wuhan, há locais com condições similares em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.

“O início da epidemia aconteceu neste mercado. Existem suspeitas de que esse vírus possa ter vindo de diferentes animais silvestres e que tenha tido uma mutação e possa ter infectado pessoas. Exatamente como isso se deu não está muito claro. Agora, isso não é culpa do povo chinês. Não sei se eles têm más condições sanitárias, mas nós também não temos um país exatamente com boas condições sanitárias. Temos um país em que grande parte dos domicílios não tem nenhuma infraestrutura sanitária. Quem somos nós para criticar a China nesse sentido?”, diz a infectologista Maria Beatriz Dias, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

A epidemiologista e infectologista Marta Fragoso, da Unimed Curitiba, compara a situação no mercado de Wuhan com o mercado público Ver-o-Peso, em Belém (PA). “No Ver-o-Peso é a mesma coisa. Tem gato, cachorro, pato, comida exposta… É a mesma coisa”, diz.

Ela explica que “se nós consumimos animais que são colonizados por vírus, bactérias e fungos, se a gente consumir isso por muito tempo, o vírus, que é muito versátil, que tem grande capacidade de mutação genética, vai se adaptando ao ser humano”. Segundo Marta, “foi exatamente o que aconteceu com o HIV na década de 70 ou 80. Isso acontece na humanidade há milhares de anos”.

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