O bloqueio de verbas do Ministério da Educação levou multidões às ruas do país na quarta-feira (15). O governo se esforçou para esclarecer que não se trata de “corte” de dinheiro, e sim de “contingenciamento”.
O próprio presidente Jair Bolsonaro não se preocupava em fazer essa distinção quando deputado, e na quinta-feira (16) misturou os termos antes de se irritar com uma jornalista sobre o uso deles. Além disso, semanas atrás, o ministro Abraham Weintraub falou em “redução” – e não em mera suspensão – de recursos ao anunciar retaliação a universidades que promoviam “balbúrdia”.
Formalmente, há sim diferença entre contingenciamento e corte de dinheiro. Mas é muito comum que o contingenciamento, que é uma suspensão temporária de parte dos gastos, mais adiante se torne um corte efetivo, especialmente em condições como a atual, em que a atividade econômica – e, portanto, a arrecadação de tributos – se mostra bem mais fraca que a prevista no Orçamento.
A questão, no entanto, vai muito além da diferença formal entre corte e contingenciamento. E não se limita ao Ministério da Educação. Confira 14 perguntas e respostas sobre o bloqueio de verbas:
1. Qual a diferença entre contingenciamento e corte?
Contingenciamento é uma espécie de bloqueio feito nos recursos programados para determinada área. Também pode ser chamado de suspensão ou congelamento temporário de verbas, entre outros sinônimos. Quando ocorre o contingenciamento, a programação de despesa continua existindo, mas o órgão público – um ministério, por exemplo – fica temporariamente impedido de fazer aquele gasto.
O contingenciamento é previsto tanto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) quanto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de cada ano. Ele serve para adequar a despesa pública – que foi programada no ano anterior – a resultados de arrecadação piores que os projetados, de forma a garantir o cumprimento das metas fiscais. Para este ano, por exemplo, o objetivo do governo federal é fechar suas contas com um déficit primário (antes do pagamento de juros da dívida) de R$ 139 bilhões.
O corte de gastos, por sua vez, é o cancelamento de despesas programadas no Orçamento. Em geral, só é confirmado no fim do ano. É muito comum que ao menos parte do contingenciamento se torne um corte definitivo porque, como as despesas ficam represadas por vários meses, o tempo para executá-las dentro daquele ano fica cada vez menor. E também porque o desbloqueio em geral depende de um desempenho da arrecadação forte o suficiente para compensar as frustrações dos primeiros meses do ano, o que nem sempre ocorre.
2. Contingenciar recursos é raro?
Não. Ao contrário, é prática antiga e rotineira. Quase todo o ano o governo publica um decreto de contingenciamento em que define limites máximos de gasto, inferiores aos previstos no Orçamento.
Em 2008, o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse à Gazeta do Povo que contingenciamento é como carnaval: tem todo ano.
3. Por que o governo bloqueou recursos?
“O corte de verbas, você tem que entender, não é maldade de ninguém. Não tem dinheiro”, resumiu o presidente Bolsonaro na quinta (16), pouco antes de corrigir o termo para “contingenciamento”.
E realmente não há dinheiro. Tanto que o governo roga por autorização do Congresso para que possa se endividar a fim de pagar despesas correntes, do dia a dia, com aposentadorias e benefícios sociais.
O governo bloqueou verbas porque o Orçamento de 2019 foi elaborado com base na expectativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) – isto é, a economia brasileira – cresceria 2,5%, com reflexo na arrecadação de receitas do governo. Mas os dados disponíveis indicam que um avanço desse tamanho é improvável. E o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou que a nova projeção oficial para o crescimento do PIB deve recuar para algo próximo de 1,5%.
As despesas públicas federais têm diminuído: em termos reais, recuaram 1,2% no primeiro trimestre, em relação a igual período de 2018. Porém, as receitas decepcionaram. Descontadas as transferências para estados e municípios, subiram apenas 0,1% acima da inflação.
Essa combinação acendeu no governo o alerta de que seria difícil cumprir a meta fiscal, que já é de um saldo negativo nas contas (déficit de R$ 139 bilhões), muito embora na campanha eleitoral e até pouco tempo atrás Guedes tenha reiterado que zeraria o rombo fiscal ainda neste ano.
4. Qual o tamanho do contingenciamento de 2019?
Ao todo, o decreto 9.741, de 29 de março, suspendeu R$ 35 bilhões em gastos em 19 órgãos federais – 15 ministérios mais Presidência, Vice-Presidência, Advocacia-Geral da União e Controladoria-Geral da União – e também no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nas emendas parlamentares individuais e de bancada.
O governo prefere divulgar o montante de pouco menos de R$ 30 bilhões contingenciados porque o mesmo documento dá margem para que a diferença entre esses dois valores, de pouco mais de R$ 5 bilhões, seja desbloqueada sem necessidade de um novo decreto.
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Dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) coletados pela organização Contas Abertas mostram que, na quinta (16), o valor efetivamente bloqueado já era de R$ 31,1 bilhões.
O quadro ao fim deste texto mostra o tamanho do bloqueio em cada um dos órgãos afetados, tendo como base o valor da suspensão total definida no decreto 9.741 (R$ 35 bilhões) e também o remanejamento de recursos entre ministérios feito em 2 de maio pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, por meio da portaria 144.
5. Que tipo de gasto foi congelado?
O bloqueio determinado pelo decreto 9.741 se dá apenas sobre as despesas discricionárias, de livre escolha, nas quais se enquadram gastos de custeio (como o pagamento de água e luz) e investimentos (ampliação de instalações e equipamentos).
Não são afetadas as despesas obrigatórias, formadas principalmente pela folha de salários, justamente porque o governo não pode deixar de pagá-las.
6. Educação foi o único ministério afetado?
Não. Embora o congelamento de recursos dessa Pasta tenha motivado os protestos Brasil afora, outros 18 órgãos federais tiveram recursos bloqueados.
Proporcionalmente, o ministério mais afetado foi o de Minas e Energia, que está impedido de gastar R$ 3,8 bilhões, mais de 80% de seu orçamento de despesas discricionárias (R$ 4,7 bilhões).
Na sequência, aparecem a Defesa, que perdeu 52%, e a Infraestrutura, com 46% a menos – segundo a organização Contas Abertas, 40 obras do ministério tiveram orçamento reduzido a zero.
Nesse critério, Educação aparece com o sétimo maior bloqueio, de 30% do que estava programado.
Em valores absolutos, a maior suspensão de verbas foi mesmo na Educação, que não pode gastar R$ 7,4 bilhões do total de R$ 24,6 bilhões em despesas de livre escolha programados no Orçamento. Inicialmente, o decreto 9.741 contingenciava R$ 5,8 bilhões em recursos, mas remanejamento feito no início de maio (portaria 144) tirou mais R$ 1,6 bilhão desse ministério.
7. O ensino básico escapou do contingenciamento?
Não. Embora o ministro Abraham Weintraub tenha afirmado que tiraria recursos do ensino superior para aplicar mais na educação básica, o bloqueio não se deu exclusivamente sobre as universidades.
Segundo o Ministério da Educação, dos R$ 5,8 bilhões contingenciados inicialmente, R$ 1,7 bilhões eram recursos de universidades, e o restante de outras instituições e programas. Entre os afetados está o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que não pode gastar R$ 819 milhões de um total de R$ 4,1 bilhões programados no Orçamento.
Ainda não se sabe de que instituições e programas será retirado o R$ 1,6 bilhão “extra” que a Pasta perdeu no remanejamento feito no início de maio.
8. Quem define quais ministérios perdem mais ou menos dinheiro?
O bloqueio afetou quase todos os ministérios. Uns perderam muito, como o Ministério de Minas e Energia (82%). Outros perderam relativamente pouco, como a Saúde (3%). A definição de quem perde mais ou menos depende das prioridades do governo e das habilidades e do interesse de cada ministro em defender sua Pasta.
Na terça (14), em audiência na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicou a deputados e senadores como é feita a partilha dos recursos.
Embora seja o responsável formal pelo Orçamento – o antigo Ministério do Planejamento, que fazia isso, está agora sob o guarda-chuva da Economia –, Guedes negou ser responsável pelos bloqueios: “Existem 22 ministros. Tem um que tem um jeito mais 'sabido' de pedir e leva mais. Por mim, seriam só dez ministérios, bem pequenininhos. [Muitos dos ministérios] têm muita verba para o meu gosto”.
9. O bloqueio do governo Bolsonaro é o maior da história?
Não. Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff anunciou o bloqueio de R$ 70 bilhões, no que foi considerado o maior contingenciamento da história.
O propósito anunciado era o de cumprir a meta fiscal, de superávit primário de R$ 66 bilhões, à época calculado em 1,2% do PIB. No fim daquele ano, o que ocorreu nas contas federais foi um déficit primário de R$ 116 bilhões, ou 1,9% do PIB.
10. O congelamento de 2019 é o maior da história da Educação?
Em valores absolutos, não. Em 2015, no governo Dilma, foram suspensos R$ 9,4 bilhões da Pasta, quase 20% de um total de R$ 48,8 bilhões programados.
Proporcionalmente, no entanto, o congelamento deste ano – de 30% da despesa discricionária prevista no Orçamento – não tem paralelos, pelo menos na história recente desse ministério.
11. Por que estudantes e professores foram às ruas?
Os cortes afetaram parte importante do orçamento das universidades federais, cujos alunos e professores têm capacidade relativamente grande de organização e mobilização. Mas declarações desastrosas do ministro Abraham Weintraub e do presidente Bolsonaro foram decisivas para inflamar o movimento, que foi engrossado por sindicados, movimentos sociais e partidos de esquerda.
No fim de abril, o ministro afirmou que reduziria em 30% a verba de três universidades – UnB, UFF e UFBA – porque teriam promovido “balbúrdia” ao permitir, segundo o ministro, eventos políticos, manifestações partidárias e “festas inadequadas”. Além de essas instituições terem melhorado seu desempenho acadêmico recentemente e figurarem em rankings internacionais de qualidade, logo ficou claro que o bloqueio de 30% não se limitava a elas e atingia toda a rede federal.
Dias antes, o presidente havia anunciado estudos para tirar recursos de Ciências Humanas – Filosofia e Sociologia entre elas – e deslocá-los para cursos que supostamente dão mais retorno a curto prazo – Veterinária, Medicina e Engenharia, segundo ele.
Na última quarta, em meio aos protestos, Bolsonaro disse que os manifestantes eram “idiotas úteis, uns imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais do Brasil”.
12. Quando os gastos serão descongelados?
Não há, por enquanto, previsão de quando esses gastos serão descongelados – se é que serão.
O desempenho da economia e das receitas do governo em 2019 é tão frustrante que o bloqueio já anunciado tende a aumentar na próxima semana, conforme antecipou o secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Ou seja, a tendência é de que os ministérios tenham ainda menos dinheiro à disposição.
13. Qual será o tamanho do novo bloqueio?
Relatos de bastidores dão conta de um contingenciamento adicional de algo ente R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões. Não se sabe, ainda, se parte desse valor viria da margem de manobra de aproximadamente R$ 5 bilhões já autorizada pelo decreto 9.741.
14. A Educação pode receber recursos adicionais?
Sim, segundo Bolsonaro. Em transmissão ao vivo pelas redes sociais na quinta (16), o presidente anunciou que pretende destinar ao ministério R$ 2,5 bilhões pagos pela Petrobras como multa em acordo firmado com autoridades norte-americanas para compensar perdas de acionistas minoritários com o escândalo de corrupção na estatal. Esse dinheiro é o mesmo que quase virou o “Fundo da Lava Jato”, barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).