A pandemia do novo coronavírus tornou o ambiente de investimentos mais incerto em todo o mundo. Dúvidas sobre quando a sociedade poderá voltar ao "normal", com a reabertura plena das atividades econômicas sem riscos à saúde, ainda rondam até países que, aparentemente, já passaram pela pior fase da Covid-19.
No Brasil, porém, o risco não se limita aos efeitos do coronavírus. Por aqui, a crise política também assusta investidores, e não é de hoje: em setembro do ano passado, o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC), já afirmava que a queda na confiança, por conta da incerteza política, vinha minando investimentos privados no país.
De lá para cá, a situação se agravou. Um dos principais nomes do governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro, deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública acusando o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF). O episódio deu origem a um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que segue em curso.
O STF também conduz uma apuração a respeito da disseminação de fake news contra a Corte e seus ministros. Aliados e apoiadores do presidente já foram atingidos pelo inquérito, pela suspeita de disseminarem ou financiarem a rede de notícias falsas contra o STF.
Na semana passada, uma nova fase das investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente, se iniciou: a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, ocorrida na casa do advogado de Flávio e do presidente, Frederick Wassef. Em relatório divulgado no domingo (21), o banco norte-americano JP Morgan classificou o episódio como "um novo capítulo da saga política" no país, já que aproxima a crise do Palácio do Planalto.
A animosidade entre os Poderes também cresceu nos últimos meses, com ataques públicos de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, do STF; e a troca de farpas com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
E, como se não bastassem as rusgas institucionais, o governo passou a ter de lidar, ainda, com a reprovação da conduta do presidente na pandemia do coronavírus e a realização de manifestações contra o governo.
Investidores mais conservadores tendem a fugir do Brasil
Tudo isso parece alheio à economia mas, na prática, esses fatores entram no cálculo feito pelos investidores na hora de decidir onde vão (ou não) aplicar seu dinheiro.
Roberta Muramatsu, professora da Universidade Mackenzie e pesquisadora do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, explica que os mais conservadores tendem a preferir ganhos certos, mesmo que menores. Esse grupo, segundo ela, tende a tirar seus investimentos do país. "Por outro lado, alguns investidores mais alavancados vão precificar as perdas e tentar lidar com elas", afirma.
Na visão da professora, é este segundo perfil que vem fazendo com que a Bolsa de Valores de São Paulo apresente resultados positivos nos últimos dias – mesmo que, aparentemente, não tenham ocorrido melhoras significativas no cenário.
"Alguns analistas avaliam que houve uma diminuição no temor dos investidores, mas eu não compartilho dessa visão. O ambiente político continua conturbado. A alta, na minha opinião, tem a ver com os investidores (tanto domésticos quanto estrangeiros) que estão cientes do risco e, dadas as suas preferências, escolhem encarar essas incertezas e manter suas carteiras no Brasil", avalia.
Ana Paula Cherobim, professora de Finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), por outro lado, acredita que a percepção dos investidores melhorou significativamente nos últimos dias. Segundo ela, há uma "conotação política muito grande na realidade econômica do país".
"Há uma turma torcendo para que a coisa melhore, para que a atividade econômica se recupere rapidamente. Mas tem do outro lado a turma do 'quanto pior, melhor'. É público que, em situações de fragilidade econômica, as pessoas tendem a não votar no atual governo. No fim, o que era um problema de saúde, se transformou em um problema econômico que está sendo agravado por questões políticas", avalia.
Investimentos de longo prazo também são afetados
De qualquer modo, é consenso que a instabilidade política afeta o humor dos investidores e pode, inclusive, contaminar as expectativas do mercado para o futuro. Raphael Cordeiro, consultor de investimentos e sócio da Inva Capital, afirma que os setores que dependem de uma maior regulamentação do governo, como o bancário e o de energia elétrica, podem sofrer mais pela deterioração das perspectivas.
"A crise está fazendo a arrecadação cair drasticamente, e há o temor de que o governo decida aumentar as alíquotas de impostos para compensar parte das perdas", explica.
Cordeiro aponta, ainda, que a expectativa sofre a influência do grau de endividamento público: quanto maior a dívida, maior a preocupação sobre a solvência e a capacidade de pagamento do governo. No caso do Brasil, o governo deve ter uma avalanche de números negativos em 2020, com retração do Produto Interno Bruto (PIB) aliada ao aumento do endividamento e do déficit das contas públicas.
Para Roberta Muramatsu, da Universidade Mackenzie, os efeitos da deterioração dos indicadores das contas públicas sobre o humor dos investidores podem ser minimizados se houver algumas sinalizações claras do governo. Entre elas está o compromisso com as reformas e o ajuste fiscal quando a pandemia passar.
"A gente vai poder caminhar em um terreno um pouco menos pantanoso se o governo criar estratégias de compromisso críveis. Se mostrar para as pessoas que, por um lado, esses gastos são extraordinários e provisórios; e, por outro, que não estão servindo para satisfazer interesses comezinhos", afirma.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF