O primeiro turno das eleições presidenciais da Argentina ocorre no domingo (27) e o favoritismo de Alberto Fernandez, do Partido Justicialista (PJ), é dos mais expressivos. Mesmo adversários do candidato acreditam que ele deva vencer a disputa já na primeira rodada de votação. Ele tem como candidata a vice em sua chapa a ex-presidente Cristina Kirchner.
A provável vitória é malvista pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). O brasileiro mostrou, em diversas ocasiões, apoio público ao principal adversário de Fernandez, o atual presidente argentino, Maurício Macri. Bolsonaro deu uma série de declarações controversas sobre a disputa no país vizinho: falou que a vitória de Fernandez e Kirchner poderia levar a uma migração em massa de argentinos ao Brasil e, na quarta-feira (23), insinuou que a implantação de políticas protecionistas na economia argentina poderia levar a uma expulsão do país do Mercosul. Fernandez chegou a dizer que "comemorava" o fato de ser criticado por Bolsonaro: "É um racista, um misógino, um violento".
Caso Fernandez vença, indicará uma reação da esquerda na América do Sul após uma série de derrotas expressivas vividas pelo segmento no continente nos últimos anos. Os anos 2010 viram a reversão da hegemonia que a esquerda havia conquistado na década anterior, com triunfos como os do PT no Brasil, os de Nestor e Cristina Kirchner na Argentina e os de Nicolas Maduro e Hugo Chávez na Venezuela.
Apesar de Bolsonaro e Fernandez terem trocado farpas públicas e representarem correntes ideológicas distintas, não se pode ter certeza de que eles serão adversários caso o parceiro de Cristina Kirchner realmente vença a disputa. A relação comercial forte que há entre Brasil e Argentina e a necessidade de recuperação econômica que existe nos dois países geram dúvidas se a guerra ideológica não dará lugar ao pragmatismo.
"Os dois lados carecem de ser pragmáticos"
O economista Gabriel Brasil, analista da empresa Control Risks, é da opinião de que as relações entre os dois países tendem a ser ditadas mais pelos interesses comerciais do que por discursos políticos. "Quando Fernandez ganhou as eleições primárias, ele e Bolsonaro trocaram provocações. Mas pouco depois daquilo já se viu um movimento de pragmatismo", disse.
O economista acrescentou que a Argentina, "em crise ou não", é o terceiro maior parceiro comercial brasileiro: "E é um parceiro qualificado, que não compra apenas soja, e sim carros, produtos industrializados. É com quem o Brasil tem relações mais sofisticadas. Tudo isso indica que, a despeito das diferenças ideológicas, a gente deve esperar negociações".
Gabriel ilustra suas expectativas para as relações entre Brasil e Argentina traçando um paralelo entre o caso sul-americano e a visão do presidente Jair Bolsonaro sobre a China.
Ainda no período eleitoral de 2018, o então candidato criticou os chineses ao dizer que "a China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil". Poucos meses depois, no início de 2019, a China voltou a despertar controvérsias no centro do bolsonarismo após membros do PSL viajarem ao país, governado pelo sistema comunista, condenado pelos correligionários do presidente. Mas, apesar das críticas, Bolsonaro visitou a China na semana passada, reforçou a importância do país para os negócios brasileiros e chegou a dizer que a nação é, hoje, capitalista.
Fernandez quer provar que tem ideias próprias
Outro componente que pode suavizar os impactos da provável vitória da esquerda na Argentina é o fato de Fernandez não necessariamente seguir a mesma linha ideológica de sua vice. Ele, inclusive, chegou a romper com Cristina quando ela exercia a presidência, e passou a ser um crítico de sua administração.
O fato de ele, e não ela, ser o cabeça de chapa é uma estratégia eleitoral que atende a dois propósitos. O primeiro é o de evitar que a candidatura carregue a rejeição que boa parte do eleitorado tem ao kirchnerismo – por ser mais moderado, Fernandez aliviaria um pouco o peso.
O outro propósito é o de tentar tirar do foco das discussões eleitorais as acusações de corrupção que pairam sobre Cristina Kirchner. A ex-presidente responde a processos em seu país, a ponto de precisar pedir autorização da Justiça quando faz viagens internacionais.
E o Mercosul?
A declaração de Bolsonaro sobre a possível retirada da Argentina do Mercosul tem como pivô das discussões a Tarifa Externa Comum (TEC). O tributo é aplicado em todos os países do bloco econômico e funciona como uma barreira protecionista à importação de produtos de outros centros econômicos.
Sob orientação liberal, o governo brasileiro tem investido na redução de barreiras tarifárias, e defende a diminuição da TEC. A linha econômica de Fernandez e Kirchner, por outro lado, tende a ser de cunho protecionista – ou seja, mais restritiva à entrada de importações.
O economista Gabriel Brasil vê como pouco provável a hipótese de implosão do Mercosul em virtude dos debates sobre a TEC. Para ele, é novamente o pragmatismo que tende a dar as cartas: "Fernandez tem destacado que a prioridade dele é retomar a atividade econômica por meio das exportações. Então seria improvável ele adotar uma atitude extrema no sentido inverso".
A ideia de desidratação do Mercosul também perde força em virtude de outra provável vitória eleitoral da esquerda, a do Uruguai. Em eleições igualmente agendadas para o domingo (27), o país vizinho de Argentina e Brasil elege seu novo presidente em cenário novamente favorável à esquerda.
Daniel Martinez, da Frente Ampla, lidera as pesquisas e deve ir para o segundo turno com vantagem contra qual for o adversário. Ele é do mesmo partido de Tabaré Vasquez e Pepe Mujica, mas de linha mais moderada do que os veteranos. Em recente entrevista à "Folha de S.Paulo", defendeu a importância do Mercosul: disse que o bloco é importante para a "inserção global" das nações sul-americanas.
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