A Gazeta do Povo lançou o e-book Dossiê 2022, para que os nossos leitores tenham à mão todas as informações necessárias para acompanhar o xadrez político das próximas eleições presidenciais. A partir de perguntas formuladas por jornalistas, especialistas das mais diversas áreas dizem quais são fatores que vão influenciar o voto do brasileiro e como eles acreditam que serão as eleições. Este conteúdo é uma parte do e-book, que você pode baixar gratuitamente, na íntegra, ao fim do texto.
Além da retomada da economia e da vacinação da população, quais serão os maiores desafios para que Bolsonaro tenha margem para se reeleger em 2022?
GUILHERME DE CARVALHO, teólogo público e cientista da religião, com foco na articulação entre cristianismo e cultura contemporânea. É Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Foi diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Governo Federal.
Penso que, depois da lua de mel com o centrão e os novos presidentes do Senado e da Câmara, até o fim do presente ano, o maior desafio será manter o apoio das casas quando elas começarem a impôr exigências maiores no último ano de governo. As eleições municipais sugerem aumento de força dos partidos de centro e centro direita, e nesse sentido a presidência fez bem em costurar o melhor possível com as casas; mas isso também significa maior independência, e um escorregão importante de Bolsonaro diante da opinião pública poderia levar a um "motim" generalizado e de sucesso. Bolsonaro não enfrentará as casas enfraquecidas, como foi o caso em 2018, e o discurso contra a "velha política" não vai colar mais.
Um problema potencial, que chamou a atenção de muitos, é a possibilidade de vermos oportunidades de maior integração com a economia internacional diminuídas por conta da agenda ambiental e da linha de ação que Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, adotará em relação ao Brasil.
No começo de fevereiro o comitê da OCDE deu indícios de que vai bloquear a entrada do Brasil, em resposta à carta da Human Rights Watch (tudo combinado, evidentemente; a carta foi só a carimbada que faltava). Biden, Emmanuel Macron, presidente da França, e Angela Merkel, chanceler da Alemanha, vão apertar o Brasil até Bolsonaro demitir Salles e mudar a política. Posteriormente, é possível que essa pressão se estenda até outros temas de direitos humanos, como a questão indígena.
Meu amigo Sérgio Queiroz escreveu sobre isso na Gazeta em fevereiro do ano passado, quando ainda Secretário Nacional na SNPG, no Ministério dos Direitos Humanos: a pauta de direitos humanos é condicional para a entrada na OCDE. Infelizmente, no entanto, o núcleo da presidência ainda não agiu de forma consistente para tornar direitos humanos e conservação ambiental em sérias políticas de Estado. Se não virmos uma recuperação econômica em 2022, é possível que o impacto do atraso nessas agendas na economia finalmente cobre o seu preço.
THIAGO RAFAEL VIEIRA, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, cronista da Gazeta do Povo, colunista em diversos sites e blogs evangélicos, advogado especializado em Direito Religioso, atendendo mais de 3 mil igrejas no Brasil. Membro da Igreja Batista Filadélfia em Canoas. Membro do sub-comitê da rede de apoio das entidades temáticas em Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa da ALESP. Em 2019, foi um dos delegados do Brasil na Universidade de Brigham Young (Utah/EUA) no 26º Simpósio Anual de Direito Internacional e Religião, evento com mais de 60 países representados.
Segundo indicadores, Bolsonaro já possui margem para a reeleição, oscilando entre 35% e 36% no primeiro turno[1], e vencendo qualquer candidato em um eventual segundo turno. Mesmo assim, evidentemente, que existem muitos desafios, inclusive mais antigos que a Pandemia do COVID-19, como uma aplicação de articulações para destinação de recursos em pesquisa em saúde e no agronegócio, equilíbrio para restaurar elos diplomáticos com o intuito de não obstruir canais de mercado, e um contínuo processo de desburocratização, especialmente voltado aos pequenos e médios empreendedores, além, claro, da tão esperada reforma tributária.
[1] Bolsonaro lidera com folga no 1º turno de 2022 e ganharia de todos no 2º turno. Disponível em: < https://www.poder360.com.br/poderdata/bolsonaro-lidera-com-folga-1o-turno-de-2022-e-ganharia-de-todos-no-2o-turno/ >
CASSIO FAEDO, advogado e professor, Cassio Faeddo é Mestre em Direito e MBA em Relações Internacionais. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Público internacional e Relações internacionais.
Se Bolsonaro houvesse se distanciado das práticas de Trump, especialmente aquelas ligadas ao tratamento precoce da Covid, e por volta de julho ou agosto de 2020 tivesse negociado com laboratórios que possuíam os processos de vacinas mais avançados, eu diria que isso teria propiciado um crescimento econômico mais cedo, mesmo sem outras reformas. Mimetizar a política dos EUA no trato da pandemia prejudicará a reeleição de Bolsonaro. Por outro lado, eu não tenho a menor dúvida de que crescimento na economia, ainda que modesto, vacinação ampla e auxílio financeiro aos necessitados podem reeleger Bolsonaro. Não coloco a oposição hoje fragmentada como desafio nesse momento.
Para se reeleger, Bolsonaro precisará agir rapidamente na área da saúde e contar com um melhor staff para agilizar as poucas vacinas disponíveis no mercado internacional. Precisará de muita diplomacia. Me parece que tratar melhor a China e aproximar-se da (vacina) russa Sputnik possam dar respostas mais eficazes no combate à doença. Bolsonaro poderia contar, além do SUS, com a ajuda do Exército para alcançar mais rapidamente êxito na vacinação. Isso já ocorreu na história e causaria grande impacto no quadro eleitoral. Bolsonaro precisa interiorizar, e já deveria ter feito isso há meses, que se a vacinação salva-vidas, também o salva nas urnas.
NATALIE UNTERSTELL, mestre em Administração Pública, ativista pela causa ambiental. Trabalhou pela Presidência da República do Brasil na construção do Acordo de Paris entre 2016 e 2018. Foi uma das fundadoras do movimento Agora! e se candidatou a deputada federal pelo Paraná nas eleições de 2018.
Acredito que margem para reeleição em 2022 está hoje bastante ligada à fragmentação política e à polarização, que são assuntos que, obviamente, são caros para o atual presidente, mas que também dependem muito da configuração das demais forças. No entanto, em termos de desafios, eu reitero que vacinação é, obviamente, o tema. É o que vem sangrando o presidente. E a retomada da economia. É a chave para a retomada e a retomada em si.
Mas tem três temas que eu destacaria como grandes desafios para os quais me parece que Bolsonaro não tem dado atenção. Um deles é o pacto federativo, que inclusive estava pautado no legislativo. A gente vê aí um cenário que já vem se desenrolando de muito conflito nos estados, que pode interferir realmente na margem de apoios, bases nos estados para 2022. E duas questões mais temáticas, mas que influenciarão bastante a reeleição no ano que vem. Uma delas é a educação, e a outra é o meio ambiente. São dois temas onde o atual governo não demonstrou qualquer competência. Pelo contrário: instabilizou as agendas, criou muitos ruídos, continua criando. E que podem realmente influenciar a população.
Tanto a população de baixa renda, mais interessada na educação, quanto a população de classe média e alta renda, que pode se ver prejudicada, principalmente nessas relações externas, exteriores que parece que estão se evaporando com o que muitos têm chamado de projeto pária.
DENNYS GARCIA XAVIER, autor e tradutor de dezenas de livros, artigos e capítulos científicos, é professor de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor do Programa de Pós-graduação em Direito (UFU) e diretor acadêmico da Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil (IMB). Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - Bolsista FAPESP). Pós- graduado em Administração Pública pela Universidade UNICESUMAR, tem doutorado em "Storia della Filosofia" pela "Università degli Studi di Macerata", pós-doutorado pela Universidade de Coimbra (Portugal) e pela PUC-SP.
O maior adversário de Bolsonaro é ele mesmo, suas declarações impulsivas e seus movimentos erráticos que buscam minimizar os efeitos políticos (que podem se tornar devastadores) de casos polêmicos envolvendo membros da sua família. Um “caso Queiroz” levado às últimas consequências, por exemplo, poderia destruir capital político ancorado na imagem de homem honesto, ainda que limitado.
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