O governo do presidente Jair Bolsonaro inovou na prática de trocar verbas por votos no Congresso. Enquanto seus antecessores direcionavam esforços para cooptar o chamado baixo clero, o atual governo privilegiou "caciques" na Câmara e no Senado, dando ainda mais poder a esses políticos.
Planilha obtida pelo jornal O Estado de São Paulo mostra que o governo repassou R$ 3 bilhões que estavam destinados ao Ministério do Desenvolvimento Regional a 285 congressistas. Trata-se de um recurso além da verba de emenda parlamentar.
Eles poderão destinar os recursos extras para obras em seus redutos eleitorais. Em troca, terão de votar no candidato governista ao comando da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e no senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao comando do Senado. A eleição é na próxima segunda-feira (1º).
A divisão da bolada tem sido negociada pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. A planilha, informal e sem timbre, inclui repasses de recursos do Orçamento que não são rastreáveis por mecanismos públicos de transparência. A "caixinha" paralela das obras soma R$ 3 bilhões e, de acordo com a planilha, embora atenda a indicações de 285 parlamentares, há uma concentração de R$ 1,77 bilhão apenas entre dez senadores e 15 deputados.
Ramos negou que as planilhas reveladas pelo Estadão sejam da Secretaria de Governo. "Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas", disse ele.
Para quem foi a maior parte do dinheiro
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é quem recebeu a maior fatia do dinheiro "extra". Ele pode indicar a utilização de R$ 329 milhões a 44 obras de seu interesse. Numa comparação, o montante supera, com folga, os R$ 289 milhões que o governo reservou para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos em 2021.
No comando da Congresso, Alcolumbre se tornou um fiel escudeiro do presidente e evitou que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) fosse alvo do Conselho de Ética após ser acusado de comandar um esquema de rachadinha quando era deputado estadual no Rio.
Na condição de líder do Progressistas, Arthur Lira (AL), candidato de Bolsonaro na Câmara, aparece como tendo indicado R$ 109,6 milhões para obras em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. É o segundo parlamentar que mais teve acesso aos recursos extras.
Até mesmo quem não tem mandato, como o presidente do PSD, Gilberto Kassab, pôde indicar valores para obras. Ele pôde direcionar R$ 25 milhões para três obras. Uma parte desse valor (R$ 10 milhões) aparece na lista como tendo sido indicada por ele em conjunto com o deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento no ano passado.
Um dos nomes fortes do Centrão, Kassab se tornou um conselheiro de Bolsonaro, mesmo tendo sido secretário da Casa Civil - pasta da qual permaneceu praticamente todo o tempo licenciado - do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), arqui-inimigo do presidente da República. Ao todo, Kassab e parlamentares do PSD ficaram responsáveis por R$ 608 milhões dos R$ 3 bilhões.
Até a oposição que apoia Pacheco ao Senado recebeu dinheiro
Até parlamentares que não têm proximidade com o governo foram beneficiados após encontrarem um "fiador". O esquema funcionou assim: os deputados e senadores não ligados ao governo procuraram alguns dos caciques que mais receberam dinheiro e pediram para colocar os seus nomes como coautores da transferência de recursos.
Com isso, muitas vezes na planilha aparece o nome de dois parlamentares. Por exemplo, das 44 indicações feitas por Alcolumbre, 36 foram feitas individualmente pelo presidente do Senado e oito em dupla. As transferências em dupla somam R$ 51,6 milhões e são assinadas até por nomes de oposição a Bolsonaro, como parlamentares do PT e do PDT. Mesmo na oposição a Bolsonaro, as duas siglas anunciaram apoio a Rodrigo Pacheco (DEM-MG) na disputa no Senado. Pacheco é o candidato governista.
Outro lado
Em nota, Kassab declarou que "as bancadas do partido têm autonomia para a discussão junto ao governo". Ele não respondeu sobre o dinheiro atrelado a seu nome.
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