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"Novo normal"

Voto pelo celular, fim do corpo a corpo: o futuro das eleições no pós-pandemia

Presidente do TSE pediu que se acelerem estudos para implantar sistema que permita voto pelo celular nas eleições do futuro.
Presidente do TSE pediu que se acelerem estudos para implantar sistema que permita voto pelo celular nas eleições do futuro. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Por conta da pandemia do novo coronavírus, o Congresso decidiu adiar as eleições municipais para novembro. Mas não é apenas na data que o pleito de 2020 será diferente. A crise da Covid-19 já implicou em mudanças no processo eleitoral brasileiro, que tendem a se intensificar ainda mais nos próximos meses e vão afetar desde a logística dos tribunais eleitorais até o comportamento do eleitor nas urnas.

O distanciamento social é, até agora, a medida comprovadamente mais eficaz contra a disseminação do coronavírus. Mas como mantê-la em um processo eleitoral, do qual fazem parte grandes eventos para definição de candidaturas, campanhas com intensa mobilização popular e, principalmente, o dia da votação, quando milhões de pessoas são obrigadas a sair de casa e se concentrar em locais públicos? A resposta, pelo menos a uma parte desses questionamentos, está na tecnologia.

É o que aponta um estudo realizado pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) sobre os efeitos do novo coronavírus nas eleições deste ano. No documento, a entidade elaborou um conjunto de sugestões, que foram entregues ao Congresso Nacional e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre as sugestões estão a realização de convenções partidárias por videoconferência (já autorizada pelo TSE), o treinamento de mesários a distância, o mapeamento de focos da Covid-19 para definir locais de votação e a possibilidade de agendamento do voto.

Em uma live promovida pela Abradep, o advogado Rafael Morgental Soares, coordenador do grupo de trabalho que tratou do uso da tecnologia para mitigar os efeitos da Covid-19, disse enxergar no atual momento a “oportunidade de um novo salto tecnológico” relacionado às eleições. “É um passo tímido, mas decisivo em direção ao futuro. Temos a oportunidade de agregar tecnologia para dentro do nosso sistema de votação: não uma mudança do voto em si, mas a revisão de algumas rotinas”, afirmou.

Uma nova agenda online

O primeiro passo foi dado em abril, quando a Justiça Eleitoral suspendeu o atendimento presencial em suas unidades, justamente na reta final do período para cadastramento, transferência e regularização de títulos para quem deverá votar neste ano. Todos os serviços passaram a ser disponibilizados pela internet e, segundo o TSE, mais de um milhão de eleitores foram atendidos até 6 de maio, quando o cadastro eleitoral foi encerrado.

“Havia um dogma, que era a necessidade de presença física para fazer todos os procedimentos. Isso teve que ser revisto e percebeu-se que era possível atender os eleitores de forma remota. Essa rápida adaptação da Justiça Eleitoral já mostrou que podemos construir algumas pontes para o futuro”, diz Morgental.

Outro passo foi dado no início de junho, quando o TSE autorizou a realização de convenções partidárias por meio virtual. Dessa maneira, as siglas não precisarão realizar encontros presenciais para oficializar as candidaturas, conforme já havia sido sugerido pela Abradep. “Talvez isso avance no sentido de democratizar as convenções. Quando colocamos todos os filiados em situação horizontal, ocupando um espaço na tela com tempo de fala e fluxo de debate, podemos colocar um pouco mais de democracia interna nos partidos”, avalia Morgental.

Conforme o Calendário Eleitoral, atualizado a partir da Emenda à Constituição que atrasou as eleições para novembro, as convenções estão marcadas para o período entre 31 de agosto e 16 de setembro. Um grupo de trabalho foi instituído pelo tribunal para definir as diretrizes do novo formato online.

Em entrevista coletiva no fim de maio, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, indicou, ainda, a possibilidade de realizar o treinamento de mesários a distância, outra sugestão apresentada pela Abradep.

Completam a relação de propostas elaboradas pela entidade a transmissão online da preparação das urnas eletrônicas; o uso de ferramentas para mapear os focos de coronavírus e assim escolher locais de votação mais seguros; e o agendamento do horário para votação, segmentando grupos de risco e evitando aglomerações em horários de pico. Sobre essas últimas possibilidades, ainda não houve nenhuma manifestação por parte do TSE.

Campanha focada no digital

Independentemente do adiamento das eleições, a pandemia deve surtir efeito na campanha eleitoral. No “novo normal”, a tendência é que grandes eventos e o chamado corpo a corpo percam espaço, enquanto a propaganda na internet ganhe ainda mais força. Assim prevê Diogo Rais, consultor jurídico em Direito Eleitoral e Tecnologia, e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Em 2018 tivemos uma campanha extremamente conectada. É um fenômeno que já vinha crescendo e a pandemia fez acelerar ainda mais”, afirma.

Para ele, é difícil imaginar neste ano uma campanha eleitoral nos moldes tradicionais, em meio a uma pandemia que vem obrigando cidades a restringir atividades que estimulem o contato físico. Isso torna ainda mais imperativo o papel da internet, especialmente das redes sociais, para os candidatos.

Algo positivo na avaliação de Rais, principalmente por se tratar de uma eleição municipal. “Mais de 90% dos municípios brasileiros não têm propaganda eleitoral própria na televisão, a população vê os candidatos de outros centros maiores. A internet rompe essa barreira, abrindo um novo canal entre candidatos e eleitores.”

Por outro lado, Rais reconhece que é preciso cuidado na regulamentação e fiscalização sobre o uso de canais digitais, para evitar problemas como a proliferação de notícias falsas e ataques a adversários. “Temos alguns desafios, visto que a propaganda eleitoral no Brasil tem muitas restrições. Quando se leva isso para a internet, estabelecendo regras em demasia, pode ser mais difícil conseguir bons resultados. Acredito que com uma legislação clara a propaganda eleitoral digital possibilita que a democracia se fortaleça”, observa.

Tendências para as futuras eleições

Se as próximas eleições já vão representar um salto no uso da tecnologia, o que esperar para as seguintes? Será possível, por exemplo, votar usando o celular? O presidente do TSE já anunciou que pretende conduzir estudos nesse sentido. “Vamos investir tempo e energia em mecanismos de utilização de ferramentas que as pessoas já possuem, como celular, tablet ou computador pessoal. Alguns países do mundo já adotam esse modelo a distância. E nós vamos aprender o que tem sido feito pelo mundo afora e desenvolver nossas próprias tecnologias”, disse Barroso.

Entre os países que já utilizam o voto a distância está a Estônia, no leste europeu. Com 1,2 milhão de habitantes, o país implantou a votação pela internet em 2005 e, nas eleições legislativas do ano passado, 44% dos eleitores usaram esse sistema. Nos Estados Unidos, a primeira votação pelo celular aconteceu em 2018, no estado de West Virginia. Uma pequena parcela da população, principalmente militares em missões fora do país, pôde escolher seus congressistas através de um aplicativo.

Para Diogo Rais, o Brasil tem condições técnicas para implantar o voto a distância, por meio de celular ou computador. O maior obstáculo, na opinião do jurista, não é tecnológico, mas cultural. “O voto no Brasil é um processo cultural e há uma certa dificuldade em fazer algumas transições. Um exemplo é o voto em branco. Ele tem o mesmo valor do voto nulo, do ponto de vista jurídico não há nenhum sentido em mantê-lo. Mas, por uma questão cultural, optou-se por colocar um botão na urna eletrônica somente para isso”, diz.

Assegurar confiabilidade ao voto a distância é outro desafio que precisa ser superado. Basta lembrar que, mesmo após décadas de uso, a segurança da urna eletrônica ainda é colocada em dúvida a cada eleição. “Em um país onde a compra de votos ainda é uma realidade, manter o sigilo do eleitor também é um desafio muito grande”, acrescenta Rais.

Rafael Morgental, da Abradep, acredita que é possível desenvolver soluções no sentido de “transformar o celular em um instrumento de participação política”. Uma delas seria um aplicativo com token (dispositivo eletrônico gerador de senhas) para que a votação fosse feita não em casa, mas em pontos públicos com sinal de wifi. “A tecnologia tem muito a oferecer ao processo eleitoral. Mas temos que fazer movimentos com responsabilidade, pois qualquer mudança simples pode determinar resultados impactantes ou desastrosos. Queremos que a tecnologia seja aliada da democracia.”

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