Depois que parte dos deputados passou a cogitar o adiamento das eleições municipais de 2020 por causa da crise do novo coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também passou a sugerir a medida. O adiamento, porém, está longe de ser consenso, e ainda encontra resistência nas cúpulas do Congresso e do Judiciário.
A preocupação do ministro é a de que interesses eleitorais atrapalhem a contenção do novo coronavírus. Segundo ele, a manutenção do pleito pode provocar "uma tragédia, porque todo mundo vai querer fazer ação política".
Parte dos líderes partidários concorda com a avaliação do titular da pasta da Saúde, e usa as projeções de Mandetta sobre o novo coronavírus como principal argumento para defender o adiamento. "Se as previsões dele forem corretas, realmente fica inviável ter eleições este ano", afirmou o senador Ciro Nogueira (PP-PI).
Uma das principais preocupações, segundo o deputado Capitão Augusto (PL-SP) – líder da bancada da bala na Câmara –, envolve atividades de campanha que exigem um contato mais próximo com eleitores e que pressupõem aglomerações de pessoas, como as convenções partidárias e os comícios. O próprio dia de votação também desperta apreensão.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, defendeu que a questão seja sim, debatida no Parlamento. "Ainda não sabemos se será necessário, mas é bom admitirmos a discussão porque isto pode ser uma imposição da realidade", disse.
Possíveis soluções para as eleições municipais
A ideia de postergar o pleito de outubro, quando a população escolherá prefeitos e vereadores, já circulava nos bastidores do Congresso. Por isso, antes mesmo da fala de Mandetta, propostas de emenda à Constituição (PECs) para alteração da data já estavam sendo elaboradas por parlamentares.
Entre as alternativas estudadas está o adiamento do pleito por um período entre 60 e 90 dias. Outra opção, que divide ainda mais as opiniões, é a unificação das eleições municipais com o pleito presidencial de 2022, o que implicaria na prorrogação dos mandatos de prefeitos e vereadores.
A última alternativa é defendida pelo deputado Aécio Neves (PSDB), que deve apresentar ainda nesta segunda-feira (23) uma PEC para adiar as eleições para 2022.
De acordo com Diego Campos, advogado da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), uma PEC para postergar as eleições teria que alterar de forma temporária dois trechos da Constituição: o artigo 29, que estabelece a data para realização das eleições (primeiro domingo de outubro); e o artigo 16, que determina que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
“Me parece que o mais correto seria fazer uma PEC para colocar uma regra temporária só para esse pleito”, explica Campos.
Para Maia e Bolsonaro, não é hora de discutir o assunto
Na manhã desta segunda-feira (23), ao deixar o Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro comentou a proposta. "Não entro nessa seara. Ele [Mandetta] defendeu, não sei se foi feita essa pergunta para ele como você fez para mim. Eu poderia falar 'sim' ou 'não', mas está muito longe ainda. Eu acredito que, nas próximas semanas, o Brasil aqui já começará a ter um novo horizonte para esta questão do vírus", disse.
Na mesma linha, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem evitado cogitar o adiamento das eleições. Segundo o deputado, haverá condições para a realização das disputas se as projeções do ministro da Saúde estiverem corretas.
Na última sexta-feira (20), Mandetta previu um aumento do número de infectados em abril, maio e junho, seguido de estabilização em julho e agosto, e decréscimo da curva de contaminação em setembro.
"É hora de focar no enfrentamento da crise. Vamos cuidar do combate ao vírus", disse Maia.
Parte considerável de líderes partidários concorda que ainda não é o momento de discutir o adiamento das eleições municipais. "Não há clima para tratar disso agora. Essa decisão terá que ser tomada mais pra frente. Penso que, em junho, diante dos prognósticos, o assunto terá que ser decidido", disse o prefeito de Salvador, ACM Neto – que não pode disputar a reeleição e preside o DEM nacionalmente.
Mesmo PT e PSDB, que já haviam anunciado o adiamento de convenções partidárias, dizem que o debate não é urgente e que precisa envolver todos os Poderes. "Parece que o ministro tem mais medo de eleição do que de vírus. O país vai discutir isso na hora certa" afirmou a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT.
"Há discussões sobre alternativas, como ajustar o calendário eleitoral neste ano, mas ainda não é hora disso. Congresso, TSE e STF terão serenidade de tratar disso no momento adequado", disse Bruno Araújo, presidente do PSDB.
Entre os partidos de esquerda, há adesão à tese de Mandetta, mas com críticas à intenção de tratar do assunto agora. "Isso vai se impor, as eleições vão acabar sendo adiadas. Mas estamos mais preocupados neste momento em salvar as pessoas", afirmou Fernanda Melchionna (RS), líder do PSOL na Câmara.
Parlamentares contrários ao adiamento das eleições enxergam "oportunismo"
Outro grupo de parlamentares, porém, considera a discussão não só fora de hora como também inadmissível. É o caso de Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo na Câmara. “O Congresso Nacional não pode prorrogar mandatos, não tem essa prerrogativa. Se o Congresso pudesse prorrogar mandatos, o Lula ainda seria presidente”, ironizou Barros.
Segundo o deputado, a Constituição não permite abrir esse precedente. “É uma discussão patrocinada por aliados de gente que quer continuar no poder. Não tem nada a ver com saúde pública, é oportunismo”, afirmou.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) classificou a discussão como “extremamente temerária”. “Sou totalmente contrário [a adiar as eleições]. Não podemos afetar os funcionamento regular institucional no país em nenhuma hipótese. Não se pode afetar a normalidade democrática e institucional”, disse.
E o TSE, como se posiciona?
Por enquanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma que não há intenção de alterar o calendário eleitoral. Em nota, o ministro Luís Roberto Barroso, que presidirá a Corte a partir de maio, ressaltou que é papel do Congresso decidir a respeito.
"Se o adiamento vier a ocorrer, penso que ele deva ser apenas pelo prazo necessário e inevitável para que as eleições sejam realizadas com segurança para a população. A realização de eleições periódicas é um rito vital para a democracia", afirmou o ministro.
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