O Congresso Nacional promulgou nesta quinta-feira (2), em uma sessão repleta de afagos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera as datas das eleições de 2020. Os presidentes do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respectivamente Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Luís Roberto Barroso, expuseram ao longo do encontro que a aprovação da PEC era fruto de um entendimento entre as casas. "Que bom que conseguimos construir [essa conciliação] juntos. Com independência, mas com harmonia", declarou Alcolumbre.
Em outro momento, o presidente do Senado apontou: "só o diálogo, o entendimento e a conciliação farão do nosso país uma grande nação". O nome do comandante da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi também mencionado. O clima positivo foi uma espécie de continuidade do identificado na Câmara no dia anterior, quando a PEC foi aprovada com larga vantagem, após votação em dois turnos.
A harmonia da sessão desta quinta, porém, não traduz com exatidão as negociações que levaram à aprovação da PEC e, menos ainda, os impactos que a modificação das datas das eleições trará ao cenário político. A obtenção da ampla maioria de votos na Câmara foi o resultado de acordos que ainda terão partes a serem cumpridas.
E a votação para prefeitos e vereadores em 15 e 29 de novembro, ao invés de 4 e 25 de outubro, poderá trazer impactos não apenas para os candidatos na esfera municipal, mas também para os políticos do plano federal, como o presidente Jair Bolsonaro, seus apoiadores e opositores.
Centrão e prefeitos unidos no apoio à nova data das eleições
A proposta para adiamento das eleições se iniciou no Senado, onde também foi aprovada com certa tranquilidade, e iniciou sua tramitação na Câmara sob resistência.
Muitos deputados, especialmente os do Centrão, indicavam que não votariam a favor do projeto. Em linha com os prefeitos de suas bases, alegavam que outras duas alternativas seriam melhores: a manutenção da eleição na data inicialmente prevista ou a suspensão do pleito até o término da pandemia, sem o estabelecimento de uma data. Essa era a linha da Confederação Nacional de Municípios (CNM), que reúne prefeitos de todo o país. Vice-presidente da Câmara e presidente nacional do Republicanos, o deputado Marcos Pereira (SP) estava entre os que contestavam a ideia do adiamento para novembro.
Reuniões nos últimos dias (incluindo o fim de semana) entre Rodrigo Maia e integrantes do Centrão foram necessárias para que opiniões fossem alteradas. O entendimento começou a evoluir quando a Câmara deu mostras que poderia aprovar o adiamento das eleições e, "em troca", também a expansão dos efeitos da Medida Provisória (MP) 938.
A MP 938 foi editada pelo governo federal em 2 de abril e determina a recomposição dos valores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Como a formação dos fundos se dá por meio de impostos que tiveram a arrecadação reduzida em virtude da pandemia, a MP garante que FPE e FPM permaneceriam com os mesmos valores pré-coronavírus.
Por ser uma MP, a norma tem validade imediata, mas precisa ser transformada em lei pelo Congresso para continuar em vigência após o início de agosto. A ideia dos deputados e senadores é fazer com que a recomposição prossiga até, no mínimo, o fim de 2020.
Apesar de a ideia gerar mais custos ao governo federal, o adiamento das eleições não foi contestado de maneira integral pelos bolsonaristas. Deputados como Éder Mauro (PSD-PA), Bibo Nunes (PSL-RS) e Sargento Fahur (PSD-PR) votaram sim. Também aprovaram a proposta quatro dos vice-líderes do governo na Câmara: Guilherme Derrite (PP-SP), Eros Biondini (Pros-MG), Caroline de Toni (PSL-SC) e Evair Vieira de Melo (PP-ES). O adiamento não figurou entre os temas mais abordados pelos governistas nas redes, e nem sequer foi citado, nos últimos dias, pelo presidente da República e pelo seu filho Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal por São Paulo e votou contra a proposta.
Outro projeto que também entrou na balança do acordo político para a aprovação do adiamento é a retomada da propaganda partidária em cadeia de rádio e TV. A iniciativa foi proposta pelo senador Jorginho Mello (PL-SC), e ainda não teve sua tramitação adiantada. Parlamentares esperam que o projeto receba apoio das lideranças do Congresso.
E os impactos políticos?
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), uma das principais lideranças contra a aprovação da PEC na sessão da quarta-feira (1), disse na ocasião que a modificação da data da eleição beneficiaria os candidatos ricos: "as eleições já começaram. Quem é candidato ou pré-candidato já começou a fazer a sua campanha. Ao conceder mais 41 dias de campanha, você vai favorecer os mais ricos, os mais endinheirados, porque vão ter condições de, nesses 41 dias a mais, continuar a fazer campanha. Uma campanha precisa de gasolina para se botar no carro ou na moto, precisa de locomoção, precisa de dinheiro, sem dúvida nenhuma".
As consequências políticos da medida são, porém, incertas. As dificuldades financeiras vividas pelos municípios e os impactos à saúde pública causados pela pandemia de coronavírus podem fazer com que a imagem de prefeitos se desgaste, ampliando as chances de sucesso de candidaturas da oposição.
Para o analista Vinicius Guilherme Rodrigues Vieira, professor da FAAP e da FGV, porém, o quadro pode ser benéfico aos prefeitos que vão disputar a reeleição e aos candidatos que representarão as gestões em atividade. "Essa será uma eleição atípica, por conta da doença. Certamente terá um comparecimento às urnas muito menor. E a ciência política mostra que, historicamente, eleições com menos comparecimento costumam beneficiar quem já está no poder", disse.
Outro componente específico das eleições de 2020 que pode favorecer quem defende o prefeito em exercício é o intervalo menor entre o primeiro turno e o segundo, que na eleição deste ano será de duas semanas, e não das três habituais. "Com menos tempo, há menos espaço para a apresentação de novas propostas e também para viradas", declarou.
Em relação à possibilidade de Bolsonaro influenciar a eleição municipal, Vieira acredita que a essência do processo estará no modo como o governo federal gerenciará os benefícios pagos à população mais pobre. O auxílio emergencial tem contribuído para uma modificação na popularidade do presidente e isso pode se incrementar se o governo efetivar um projeto de renda mínima. "Muito se fala que, com isso, Bolsonaro está criando uma marca para 2022, mas ele também estaria produzindo uma marca já para 2020", afirmou.
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