O Senado vota nesta terça-feira (17) o projeto de lei que muda a legislação eleitoral. A proposta abre brechas que poderão beneficiar candidatos e partidos que cometam irregularidades. O projeto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Se passar sem modificações no Senado, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro. Para que as regras entrem em vigência já nas eleições de 2020, a sanção tem de ocorrer até o início de outubro – um ano antes do pleito do ano que vem.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux classificou o projeto como "retrocesso". Vários analistas criticam pontos do projeto. Confira o que está sendo alvo de críticas:
Risco de estímulo ao caixa 2 eleitoral
Uma das críticas é que a proposta pode estimular a prática de caixa 2 eleitoral. "O projeto permite uma verdadeira ocultação da contabilidade das campanhas", disse Marcelo Issa, representante da Movimento Transparência Partidária, em declaração ao Jornal Nacional, da Rede Globo, na segunda-feira (16).
Isso pode ocorrer porque a proposta permite que os partidos estarão autorizados a usar os recursos do Fundo Partidário para contratar advogados e contadores para as campanhas de candidatos sem que essas despesas entrem na conta do teto de gastos eleitorais. Além disso, as doações eleitorais de pessoas físicas (que ainda são autorizadas) destinadas ao pagamento de gastos eleitorais com advogados e contadores podem ultrapassar o limite de até 10% da renda do doador.
Os analistas temem que os dois dispositivos do projeto sejam usados para aumentar as doações eleitorais para determinados candidatos e que isso possa ser dissimulado porque esses gastos não estarão sujeitos à fiscalização do teto pela Justiça Eleitoral. Oficialmente, o dinheiro seria para pagar os advogados e contadores. Mas o risco está em esses recursos serem redirecionados para outras despesas de campanha.
Risco de estímulo econômico à corrupção
A possibilidade de destinar recursos do Fundo Partidário para o pagamento de advogados também é criticada por abrir brecha para dar um estímulo econômico à corrupção. Isso porque políticos que cometerem crimes eleitorais poderão usar verba pública, e não seu próprio dinheiro, para custear sua defesa jurídica.
Punição eleitoral só quando for provado que a irregularidade foi intencional
Caso o projeto seja aprovado, o candidato ou partido só serão punidos pela Justiça Eleitoral – com multa – em casos de erro ou omissão na prestação de contas se for comprovado dolo, ou seja, caso se comprove a intenção de cometer o ilícito.
Para os críticos do projeto, isso vai estimular irregularidades porque seria difícil comprovar o dolo. Mas há quem defenda a ideia. “Essa regra é uma garantia do direito. A boa-fé se presume e a má-fé [dolo] se prova. Essa racionalidade deve sempre ser aplicada quando houver a possibilidade de sanção”, diz Ana Carolina Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade).
Dificuldade para a Justiça Eleitoral fiscalizar as contas de campanha
O projeto de lei cria dificuldades para a Justiça Eleitoral fiscalizar e avaliar as contas eleitorais. Isso porque, segundo o texto em tramitação no Senado, os partidos não serão mais obrigados a registrar as contas no sistema disponibilizado pela Justiça Eleitoral. As contas podem ser entregues em “qualquer sistema de contabilidade disponível no mercado que realize escrituração e livros contábeis”, diz o projeto.
O que pode dificultar a análise de dados e transparência, já que o sistema dos tribunais eleitorais ofereciam um padrão. “Dificulta a fiscalização pela Justiça Eleitoral, que tem um sistema próprio e já cruza informações que permitem identificar onde está a irregularidade”, diz Luiz Gustavo Andrade, professor de Direito Eleitoral do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).
Essa falta de unificação na apresentação dos dados também é vista como um problema por Ana Carolina Clève, do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade). “É ruim. Se já há certa confusão, se já há muitas irregularidades, que não são por má-fé, [são muitas vezes] por desconhecimento, falta de orientação na questão da prestação de contas. Se não houver uma uniformização, pode causar mais problemas.”
Possibilidade de dificultar representações contra eleitos
O texto em tramitação no Senado aumenta o prazo para que os partidos façam sua prestação de contas anual à Justiça Eleitoral. Passa de 30 de abril para 30 de junho de cada ano. Como verba dos partidos pode ser usada nas eleições, alguns analistas avaliam que as legendas poderiam usar o limite de junho para prestar algumas contas de campanha.
O problema é que, de acordo com resolução do TSE, as legendas e os candidatos tem de prestar contas no máximo um mês após as eleições. E eventuais representações contra candidatos eleitos por irregularidades eleitorais só podem ser feitas 15 dias após a diplomação – que costuma ser feita em dezembro.
Críticos do projeto afirmam que ele pode vir a dificultar essas representações, já que os partidos poderiam argumentar que têm o direito de só prestar contas em junho.
Dificuldade para a imprensa e a sociedade fiscalizarem os candidatos
O projeto de lei prevê que os candidatos poderão corrigir os dados até o dia do julgamento da prestação de contas eleitorais, sem risco de sofrerem qualquer punição.
Esse dispositivo do projeto de lei vem sendo criticado porque abre brecha para estimular a omissão na prestação de contas. Isso dificultaria a fiscalização das contas eleitorais pela imprensa e pela sociedade durante as eleições. Candidatos e partidos poderiam deliberadamente omitir dados no período de campanha para evitar que essas informações venham a público – corrigindo-as apenas para a prestação de contas formal.
Possibilidade de livrar caciques partidários de punições por usar verba destinada a mulheres
Alguns analistas avaliam que o projeto pode estimular os caciques partidários a direcionar o uso de dinheiro públicos destinado obrigatoriamente a campanhas de mulheres para outros candidatos. O texto do projeto autoriza que a administração dessa verba fique sob a responsabilidade de um instituto com personalidade jurídica própria – o que poderia livrar os dirigentes partidários por eventuais repasses ilegais desses recursos.
Pressão por mudanças
Pressionado pelas críticas, o relator do projeto no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA), já admite que o texto pode ser modificado. “São muitas e diversas as alterações que estão sendo propostas pelo Projeto de Lei nº 5.029, de 2019. Todas elas, sem dúvida alguma, buscam aperfeiçoar e reforçar a segurança jurídica do processo”, diz o senador. Na apresentação de seu relatório, ele havia rejeitado todas as emendas propostas. Isso porque, se a proposta for mudada pelos senadores, terá de voltar à Câmara – o que pode dificultar a aprovação da proposta para valer já na eleição de 2020.