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Com o avanço dos efeitos da reforma eleitoral aprovada em 2017, o pleito de 2022 deixou na berlinda 16 partidos que não atingiram percentual mínimo de votos e outros abrigados em federações partidárias. Seus deputados eleitos ficaram sem acesso a recursos e estrutura legislativa ou dependem de outras legendas para conseguir algum apoio do Tesouro.
As negociações em curso para as eleições municipais de 2024 reforçam as pressões sobre seus líderes geradas pela tal cláusula de barreira, com ameaças de cooptação e de debandada de filiados. Embora não envolva a disputa por vagas na Câmara, essencial à sobrevivência desses partidos fragilizados, a corrida para prefeituras e câmaras de vereadores serve como prévia para a decisiva eleição de 2026.
Para a próxima eleição geral, a cláusula imposta vai exigir que os partidos elejam pelo menos 13 deputados federais em pelo menos um terço dos estados. Já para as eleições de 2023, esse patamar passará para 15 deputados federais.
O tradicional PSC tratou de se fundir ao Podemos, com vantagem para ambos, e o Novo, ideologicamente contrário ao uso de recursos públicos, teve de ser pragmático e passou a acessar os rendimentos de suas cotas no fundo partidário. Mas a principal prova do elevado grau de tensões gerado por esse cenário emergiu há uma semana com o vazamento do vídeo com um bate-boca que tomou uma reunião online da cúpula do Cidadania. O partido associado ao PSDB avaliava a continuidade dessa federação e quase rachou ao meio da discussão, marginalizando seu líder histórico, Roberto Freire.
A reunião acalorada da Executiva Nacional do outrora PCB e PPS teve, entre outros motivos, a possiblidade de o partido fazer parte da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um novo comando será eleito no próximo 9 de setembro e a tendência passou a ser de adesão ao Planalto. Os cinco deputados da legenda – Alex Manente (SP), Arnaldo Jardim (SP), Any Ortiz (RS), Amon Mandel (AM) e Carmen Zanotto (SC) – reafirmaram, juntamente com Freire, a sua independência.
Manente, próximo ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mostrou-se preocupado com os efeitos dessas brigas no desempenho do partido nas urnas de 2024, levando à perda definitiva do controle sobre o fundo partidário. Para complicar a dissidência interna do Cidadania, o PSDB se posicionou como oposição a Lula, assistiu à saída de três senadores desde março de 2022 e ainda corre risco de perder outros nomes importantes.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) confirmou à Gazeta do Povo que a evolução do quadro eleitoral a partir dos resultados das urnas em 2022 forçou a direção do partido a refletir sobre as suas condições objetivas na nova realidade partidária sem abdicar de suas bandeiras próprias, marcadas pela crítica à dependência de partidos de bilionárias verbas públicas. “O mais importante é encarar os fatos sem recuar naquilo que defendemos como justo e correto para o país e que nos faz diferentes. Temos de resistir e continuar levando nossa mensagem adiante”, disse.
Somente 12 dos 28 partidos e federações que disputaram votos em 2022 conseguiram alcançar a cláusula de barreira ou desempenho, conforme prevê a Emenda Constitucional 97/2017. Até 2026, este grupo formado pelas federações PT/PCdoB/PV, PSDB/Cidadania e Psol/Rede, além de MDB, PDT, PL, Podemos, PP, PSB, PSD, Republicanos e União poderá acessar o fundo partidário e dispor de propaganda gratuita de rádio e televisão.
Dos 16 partidos que não alcançaram o patamar de votos, sete elegeram deputados, mas em número insuficiente para atender a lei, de ao menos 11 eleitos ou 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara em nove unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. São eles Avante, PSC, Solidariedade, Patriota, PTB, Novo e Pros. Os outros — Agir, DC, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU e UP — foram excluídos do Parlamento, confirmando o enxugamento partidário buscado pela Emenda 97.
MDB e PSDB: menos governadores e menos prefeitos
Apesar de unidos em federação com outros partidos, MDB e PSDB perderam o maior número de prefeituras na comparação do 1º turno de 2016 e de 2020. O PSDB foi de 785 para 512 prefeitos eleitos – ou seja, 273 a menos. O MDB perdeu 261 prefeituras, saindo de 1.035 para 774 prefeituras. Mas o que explica essa queda?
Ao lado do PT, as siglas figuraram como os principais partidos no processo de redemocratização após a ditadura militar. No entanto, perderam espaço para o crescimento da direita, arregimentada por Bolsonaro, e pelo fortalecimento de partidos do Centrão no âmbito municipal. O PP, por exemplo, passou de 495 para 681 prefeituras. Já o PSD saiu de 539 para 650.
É importante ressaltar que os números mencionados não consideram as eventuais trocas partidárias ocorridas nos últimos anos, mas sim o número efetivo de prefeitos eleitos por cada legenda.
A mudança no cenário estadual também pode explicar parte dessa queda. Em 2010, o partido fundado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso despontava com oito governadores e detinha grande força eleitoral entre os municípios. Passados 12 anos, a sigla conta somente com Eduardo Leite, no Rio Grande do Sul; Raquel Lyra, em Pernambuco; e Eduardo Riedel, no Mato Grosso do Sul.
O partido do ex-presidente Michel Temer patina no mesmo caminho. A legenda já chegou a ter 9 dos 27 governadores do país, em 1994. Passados quase 30 anos, o MDB conta apenas com três gestores estaduais: Ibaneis Rocha (DF), Helder Barbalho (PA) e Paulo Dantas (AL).
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), explica que o cenário político brasileiro mudou e que o descrédito dos partidos contribuiu para a derrocada de grandes legendas.
"O cenário político brasileiro passou por mudanças bastante significativas nos últimos anos. Houve o descredito das grandes organizações partidária. De todos os partidos que foram afetados pelos escândalos de corrupção, o único que conseguiu se recuperar eleitoralmente a nível nacional foi o PT. Os outros partidos que tiveram arrolados em escândalos de corrupção sofreram muito, que é o caso do MDB e do PSDB. No caso do MDB, ele entendeu que ele é muito competitivo para eleições Proporcionais, para postos legislativos nas assembleias estaduais e na Câmara Federal. Ele perdeu esse espaço no Executivo Municipal e Estadual, mas continua tendo uma presença bastante significativa do ponto de vista legislativo", afirmou o cientista.
Comentando a situação do PSDB, ele acrescenta explicando que os conflitos internos do partido também contribuíram para o baixo desempenho da legenda nas últimas eleições.
“Os motivos para a perda de prefeituras e governos de Estado por parte do PSDB pode ser explicada pela briga interna que existiu dentro do partido, como a que houve entre Doria e Alckmin. Olha no que deu: Alckmin é o vice do Lula. Depois teve a disputa entre Doria e Eduardo Leite. O partido vem passando por um processo de reestruturação que pode ser visto como uma necessidade de promover aquilo que a gente chama de especialização interna do partido".
Para o cientista político Antônio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o enfraquecimento do MDB obteve destaque já no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o partido virou foco das atenções durante o processo de impeachment.
“A gente teve ao longo dos anos um processo de modificação de características do próprio eleitorado, que eu vejo como elemento importante. Principalmente as transformações dos anos 2000, que o MDB, ao longo do tempo foi perdendo muitos vareadores. Essa perda foi enfraquecendo o MDB no quadro nacional. Já havia um interesse de enfraquecimento do MDB durante o governo de Dilma Rousseff, quando houve um movimento de migração para o PSD de Kassab”, afirmou o professor.
Sobre o PSDB, Lucena argumenta que as disputas internas também enfraqueceram o partido ao longo dos anos. “No caso do PSDB, ele cometeu autofagia. Principalmente por causa das disputas fraticidas internas que aconteceram e vieram acompanhando ao longo do tempo, com destaque para a disputa entre Eduardo Leite e João Doria à Presidência. Eles perderam o bonde da história e, consequentemente, a grande quantidade de vereadores, de prefeitos, de governadores estaduais e perdendo relevância no plano nacional”, disse.
PSDB entre a crise a refundação
O evento de lançamento de novas diretrizes do PSDB, ocorrido na quinta-feira (24), mostra que o partido deseja voltar a ter relevância política no cenário nacional. O convite feito por Eduardo Leite, presidente legenda, ao deputado federal Aécio Neves mostra que sigla busca por lideranças remanescentes para se cacifar para os próximos pleitos.
Aécio se distanciou do comando do partido após ter seu nome envolvido nos escândalos da Operação Lava Jato. Ele foi inocentado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) da acusação de ter recebido propina de R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista, da J&F, em 2017.
Apesar da intenção de Leite, o movimento de refundação encontra obstáculos nas movimentações de outros partidos que desejam abocanhar nomes relevantes do PSDB. É o caso de Raquel Lyra.
Buscando apoio político, a governadora pernambucana estreitou laços com o partido de Kassab e empossou Cacau de Paula (PSD) como secretária de Cultura de Pernambuco. A ex-secretária de Turismo do Recife é filha do ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, presidente estadual do PSD.
A falta de representatividade do PSDB na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) também é ventilada como outro motivo para uma possível mudança de partido por parte de Raquel. Com apenas três deputados estaduais, a chefe do Executivo municipal se encontra em um xadrez político para manter a governabilidade no estado.
Além disso, a oposição declarada do PSDB ao governo Lula também pode dar um empurrão na mudança. Com o PSD, Raquel evitaria conflito com o Planalto e garantiria que os recursos continuassem escoando para o estado, que atualmente figura no topo da lista do desemprego.