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Spacesail

Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink

Lula Xi Jinping Ucrânia
Presidente da China, Xi Jinping, e o presidente Lula (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Em uma série de acordos fechados com a China, o Brasil também concluiu um tratado de cooperação com a empresa chinesa Spacesail, que fornece internet via satélite. A iniciativa foi vista como mais uma forma do governo brasileiro ampliar a oferta de conexão por satélite no país, setor que atualmente é dominado pela Starlink, do empresário Elon Musk, futuro integrante da gestão de Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos.

O acordo tem duração inicial de 15 anos e a expectativa é de que a companhia inicie suas operações no Brasil em pouco mais de um ano. As negociações foram fechadas durante a visita do governo da China ao Brasil nesta semana. A empresa asiática vai estudar a demanda por internet via satélite em locais onde a infraestrutura de fibra óptica não está disponível e já se comprometeu a realizar todos os trâmites legais para dar início ao seu funcionamento em território brasileiro.

"A Spacesail propõe investir na operação de um sistema de satélites LEO (sigla em inglês para órbita baixa da Terra) para fornecer serviços que expandam a oferta de conectividade espacial do Brasil e contribuam para a redução da divisão digital, especialmente em regiões isoladas e territórios rurais menos favorecidos, com previsão de início de operações em 2026", diz o Memorando de Entendimento assinado entre o governo brasileiro e a companhia chinesa.

Apesar de ser apontada como uma concorrente da empresa de Elon Musk, que se tornou um desafeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por causa dos posicionamentos do bilionário a favor da liberdade de expressão, a companhia chinesa ainda está longe de superar o alcance da internet via satélite da Starlink. Na avaliação do professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Elton Gomes, a empresa chinesa não tem capacidade de substituir a Starlink de Elon Musk.

A empresa de Musk possui sede nos Estados Unidos e lidera o fornecimento de internet via satélite no Brasil, com 42,5% desse mercado em território brasileiro. "Até outubro de 2023, a Starlink, operada pela SpaceX, já lançou mais de 4.500 satélites de baixa órbita. Não se pode comparar [com a Spacesail]. Os dados desse ano ainda serão divulgados, mas deve se aproximar de cinco mil satélites", projeta Gomes.

A empresa asiática, por outro lado, foi fundada em 2023 e, há pouco mais de três meses, um lote com 18 satélites da companhia foi lançado para o espaço. Um novo lançamento foi realizado em outubro, com mais 18 satélites, totalizando os 36 que a Spacesail atualmente possui em órbita. A expectativa é que, até 2030, a empresa tenha cerca de 10 mil satélites em órbita.

Brasil busca alternativas à Starlink para internet via satélite

Para analistas, o domínio de Elon Musk sobre esse mercado brasileiro não tem agradado ao atual governo. O bilionário se tornou um desafeto do presidente Lula desde que passou a antagonizar pautas defendidas pelo petista, como a taxação de super-ricos e a regulamentação das redes sociais.

O embate com o mandatário brasileiro ganhou ainda mais força já que, depois de ter adquirido a rede social X, Musk passou a usar a plataforma para denunciar supostos abusos por parte do Judiciário brasileiro, em especial de ministros do Supremo Tribunal Federal, tais como Alexandre de Moraes, aliado da atual gestão.

Em meio a isso, Lula e Musk passaram a trocar farpas. Neste ano, durante discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) o petista criticou o bilionário indiretamente e às vésperas do G20, foi a vez da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, proferir xingamentos contra o empresário.

Musk rebateu a declaração ofensiva de Janja e disse que “eles vão perder a próxima eleição”. O comentário foi feito como resposta a um vídeo com o registro da fala da socióloga no X.

Em meio aos embates com o Elon Musk, o governo brasileiro tem buscado alternativas para a internet via satélite no Brasil.

Em setembro, a Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) autorizou que a empresa francesa E-Space pudesse operar no Brasil. A decisão publicada pela agência indicava ainda que a companhia de internet via satélite havia ganhado autorização para operar com um sistema de 8.640 satélites por um prazo de cinco anos – número maior que o concedido à empresa de Musk.

Na avaliação do consultor de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados Vito Villar, além da motivação política, pode haver uma estratégia do governo em buscar diversificar esse mercado. "Não me parece interessante que o governo brasileiro fique refém apenas de uma empresa para abastecimento de internet vai satélite, nem do Elon Musk e nem da China", avalia.

"Ter a capacidade de poder equilibrar e ter até, por exemplo, licitações abertas para ampla concorrência para oferecimento de internet, é positivo para o governo brasileiro. Não só de um ponto de vista regulatório, mas também do ponto de vista de interesse nacional", pontua Villar. Ele ressalta que esses serviços são amplamente utilizados pelo Exército brasileiro em localidades mais remotas, como a Amazônia.

Aproximação com a China mostra alinhamento de Lula ao Sul Global

O acordo para internet via satélite com a empresa chinesa foi firmado às vésperas da visita de Xi Jinping a Brasília. O presidente chinês desembarcou na capital brasileira para uma visita de Estado e foi recepcionado por Lula no Palácio da Alvorada. Durante o encontro com o autocrata chinês, o governo brasileiro fechou 39 acordos e memorandos com o governo da China.

Entre os acordos, os países buscaram encontrar um "meio termo" de cooperação do governo chinês com o Novo PAC, programa do governo federal que destina investimento para áreas de desenvolvimento; e do governo brasileiro com o Belt and Road (Cinturão e Rota, em tradução literal), mais conhecido como Nova Rota da Seda, projeto de soft power chinês que financia obras de infraestrutura em outros países.

"[Brasil e China] se comprometem, por este instrumento, a estabelecer sinergias entre, pelo lado brasileiro, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica e o Programa Rotas da Integração Sul-americana; e, pelo lado chinês, a Iniciativa Cinturão e Rota", diz o acordo assinado entre os dois governos na última quarta-feira (20).

A ideia, de acordo com analistas, é que haja conexão entre o PAC brasileiro e o projeto de infraestrutura de Xi Jinping, sem trazer grandes riscos ao Brasil. Na avaliação de Elton Gomes, essa foi a forma encontrada pela diplomacia brasileira de acenar à China, em prol do relacionamento econômico entre os dois países, sem abrir mão de sua soberania – que poderia ser colocada em xeque com a possível adesão integral do Brasil à Rota da Seda.

A solução encontrada, contudo, não retira possíveis prejuízos ao Brasil em razão da dependência em relação à China. "Esse acordo representa o aprofundamento desse grande enquadramento do Brasil com a economia chinesa. Ele não representa a adesão do Brasil em absoluto ao modelo de hegemonia chinês, mas ainda torna o Brasil mais vulnerável e mais dependente [da China], apesar das vantagens que vai trazer para setores específicos da economia", avalia o especialista.

Na concepção de Gomes, esse arranjo cada vez próximo da economia chinesa é considerado preocupante. "A economia chinesa tem dado sinais de retração e declínio. Além disso, existem motivos para acreditar que os números divulgados pelo regime autoritário de Xi Jinping não são confiáveis e a cadeia logística originada na China pode ser afetada de alguma maneira, o que teria consequências para o mercado brasileiro, que é cada vez mais integrado ao mercado chinês", pontua.

A Rota da Seda tem sido a grande aposta da China para expandir sua influência política e econômica. Com foco em países em desenvolvimento, o projeto realiza obras de infraestrutura, por meio da construção de portos, rodovias e aeroportos, com a intenção de facilitar e expandir o comércio chinês com esses países. Países da África e América Latina estão no alvo de Pequim, que já investiu cerca de US$ 100 bilhões apenas em nações latino americanas através do projeto.

Xi Jinping tem buscado costurar a adesão do Brasil ao plano há anos, mas o país tem sido resistente. Nos últimos meses, o regime chinês apostou no relacionamento próximo com Lula para destravar esse acordo. Desde o último ano, comitivas brasileiras e chinesas realizaram viagens entre Brasil e China negociando termos para aproximar o relacionamento econômico entre os dois países. O autocrata chinês, por outro lado, buscava uma maneira de atrair o Brasil para seu megaprojeto, mas ainda não alcançou seu objetivo.

China não deve desistir de incluir Brasil na Rota da Seda

Apesar de o governo Lula ter encontrado uma saída para as investidas chinesas, Vito Villar afirma que o regime chinês não deve ficar satisfeito com o acordo fechado nesta semana. Na avaliação do especialista, a adesão do Brasil à Rota da Seda deve aparecer em negociações futuras com os chineses.

O país tem sido resistente em aderir ao projeto devido ao "pacote" negativo que vem junto com ele – como a dependência comercial e econômica, além da "aliança" política a Pequim como um dos termos da adesão.

O tema, contudo, gera divisões no governo. Por um lado, há uma ala mais cautelosa que justifica que aderir à Nova Rota da Seda não seja necessário para estreitar as relações com o gigante asiático. Isso porque o país já é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Há ainda o receio de que a adesão ao projeto possa passar uma mensagem negativa às nações do Ocidente, sobretudo os Estados Unidos.

Na avaliação de Villar, os desafios geopolíticos atuais pesam para a decisão brasileira. "Com a eleição de Trump para 2025, tem-se um receio sobre o futuro das relações do Brasil com os Estados Unidos. Há uma visão do Itamaraty de que a adesão nesse momento, com o Trump de volta, poderia queimar as fichas de uma relação estável com os Estados Unidos e isso é algo que o Brasil não quer nesse momento", pontua.

Por outro lado, há no governo os que defendem que a adesão ao projeto apenas reforçaria a parceria com a China, sem trazer prejuízos. Esse é o caso do ex-chanceler e assessor para assuntos especiais da presidência, Celso Amorim.

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