A intenção da equipe econômica era reduzir substancialmente, já no primeiro ano do governo Bolsonaro, o dinheiro aportado em estatais que não dependem do Tesouro Nacional – as chamadas "não dependentes", em que as receitas são suficientes para bancar as despesas, para as quais o governo não é obrigado a repassar dinheiro. Mas, aos 45 minutos do segundo tempo, o governo mudou de ideia e injetou R$ 10,1 bilhões em estatais não dependentes. Foi o maior valor desde 2016.
Desses R$ 10,1 bilhões, a maior parte – R$ 9,6 bilhões – foi transferida em dezembro do ano passado, o que não estava programado. De janeiro a novembro, o governo tinha repassado para as estatais independentes apenas R$ 461,5 milhões. Era o menor valor desde o início do governo Temer. Só que, com a capitalização recorde realizada em dezembro, 2019 encerrou como o ano de maior repasse dos últimos três anos.
Em 2016, o governo capitalizou as estatais em R$ 6,5 bilhões (valor da época, R$ 7,4 bilhões no valor corrigido pelo IPCA de dezembro de 2019). Em 2017, os aportes caíram pela metade: R$ 3,3 bilhões em valor nominal e R$ 3,6 bilhões corrigidos. Em 2018, a capitalização foi de R$ 4,8 bilhões, sendo R$ 5 bilhões no valor atualizado pelo IPCA. O Tesouro não disponibilizou dados sobre o período anterior a 2016.
Emgepron, Infraero e Telebras lideraram aportes em estatais independentes
O aumento da capitalização de estatais foi puxado por três empresas: Emgepron, Infraero e Telebras. Sozinha, a Emgepron teve seu capital aumentado em R$ 7,6 bilhões em 2019. Em segundo lugar, aparece a Infraero, com R$ 1,5 bilhão. Depois, está a Telebras (R$ 1 bilhão). Os valores foram arredondados.
Há, ainda, algumas estatais independentes, em especial as companhias de docas (que administram portos), que receberam alguns milhões de reais em 2019.
Por que a Emgepron recebeu tanto dinheiro?
Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, a Emgepron recebeu R$ 7,6 bilhões para construir corvetas, um tipo de navio usado pela Marinha. A estatal pertence ao Ministério da Defesa e tem como função gerenciar projetos aprovados pelo Comando da Marinha e manter atualizados os materiais militares navais.
Almeida explicou que, como havia espaço fiscal para a despesa, o governo decidiu capitalizar a Emgerpon tudo de uma só vez, para que ela possa atualizar a frota de navios da Marinha. A atualização da frota foi aprovada no governo Temer, pois foi avaliado que os navios estavam “sucateados”. A intenção era que a capitalização ocorresse de forma parcelada, dentro de um prazo de três a quatro anos. Mas, por decisão política, o dinheiro foi injetado de uma só vez, em 2019.
“Houve um consenso [no governo Temer] de que os navios da Marinha estavam sucateados e precisava de uma renovação de frota. A ideia inicial era você fazer a capitalização durante três, quatro anos. Mas já que teve um espaço fiscal [em 2019], teve a decisão política de fazer agora a capitalização de uma só vez”, explicou o secretário do Tesouro.
“A Emgepron não vai precisar mais de capitalização alguma [pelos próximos anos]. Ela já tem caixa para contratar corvetas pelos próximos oito anos”, completou.
E a Infraero e a Telebras?
A Infraero, explicou Mansueto, precisa receber sucessivos aportes da União porque os contratos antigos de concessão de aeroportos a obrigam a acompanhar investimentos feitos pelos concessionários privados.
“Todo investimento que o concessionário privado faz [nesses contratos antigos], a Infraero precisa acompanhar. Precisa questionar por que esses contratos foram feitos desse jeito”, disse o secretário do Tesouro. Ele se refere às concessões de aeroportos assinadas durante o governo Dilma. A Infraero ficou com 49% dos aeroportos de Guarulhos (SP), Confins (MG), Galeão (RJ) e Brasília (DF).
"O montante de R$ 1,5 bilhão recebido da União, no decorrer do exercício de 2019, teve como finalidade a aplicação em investimentos em infraestrutura nos aeroportos administrados pela Infraero", disse a estatal, em nota.
A Telebras, por sua vez, vem precisando há anos do dinheiro da União para pagar despesas básicas, como folha de pagamento. Tanto que, a partir deste ano, ela passa a ser uma estatal dependente do Tesouro, ou seja, aquela que precisa receber subvenção todo ano da União, pois não gera receita capaz de bancar suas despesas.
Decisão política deixou o déficit do governo maior que o esperado
Ainda segundo o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, a decisão de capitalizar as estatais foi “política”. Havia exatamente R$ 10,1 bilhões reservados no Orçamento para isso. O Orçamento de 2019 foi aprovado no governo Temer.
Só que a intenção da equipe econômica do governo Bolsonaro era não utilizar o dinheiro – no máximo aportar cerca de R$ 1 bilhão, e usar o recurso que ia sobrar para melhorar o resultado primário da União.
“Eu pensava que não íamos fazer capitalização, achava que o dinheiro ia sobrar. (...) Pode-se criticar o uso de recursos para isso, se era prioritário, mas trata-se de uma decisão política. No Tesouro, nós não discutimos a alocação orçamentária. O Orçamento é aprovado pelo Congresso Nacional e foi executado [na íntegra, no caso da capitalização]”, afirmou Almeida.
O aumento de capital de estatais é uma despesa discricionária, ou seja, o governo tem liberdade para manejar o recurso. Pode, inclusive, decidir por não executar a despesa naquele ano, o que não aconteceu em 2019.
Se os R$ 10,1 bilhões não tivessem ido para as estatais, as contas públicas do governo federal teriam fechado no vermelho em R$ 85 bilhões, um resultado mais próximo do esperado pela equipe econômica.
2020 praticamente sem capitalização de estatais
Para 2020, a capitalização de estatais não dependentes deve, enfim, ter um freio. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê apenas cerca de R$ 400 milhões para aumento de capital. A equipe econômica, no projeto orçamentário encaminhado ao Congresso em agosto, queria ainda menos: R$ 148,9 milhões. Mas o valor foi aumentando pelos parlamentares.
“Daqui para frente não tem nenhuma capitalização programada, só R$ 400 milhões. Vai haver demanda [por capitalização]? Claro, mas aí a gente vai para o debate político. Mas o Orçamento montado não deixou espaço para capitalização”, conclui Almeida.
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