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Inquérito do golpe

Engenheiro que fiscalizou urna eletrônica se defende na PGR após ser indiciado por golpe

Carlos Rocha (à esq.) e Alexandre de Moraes, durante visita do PL ao TSE em 2022
Carlos Rocha (à esq.) e Alexandre de Moraes, durante visita do PL ao TSE em 2022 (Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE)

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Indiciado pela Polícia Federal em novembro por suposta colaboração com a tentativa de golpe em 2022, o engenheiro Carlos Rocha apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma extensa defesa, na tentativa de evitar sua inclusão numa eventual denúncia que poderá ser apresentada no caso nos próximos meses.

No documento, ele tenta demonstrar que a fiscalização que o Instituto Voto Legal (IVL), do qual é sócio, realizou na votação eletrônica ao longo daquele ano foi técnica, baseada em dados e normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), bem como em auditorias e procedimentos do Tribunal de Contas da União (TCU), que também já analisou o sistema.

Assim como aos outros 39 indiciados no inquérito, a PF imputa a Carlos Rocha os crimes de tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático de Direito, cujas penas, somadas, podem chegar a 30 anos de prisão.

O relatório final da investigação diz que ele teria agido junto com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, “para disseminar teses de indícios de fraudes nas urnas eletrônicas que circulavam pelas redes sociais, sem qualquer método científico”.

As suspeitas da PF contra Carlos Rocha

Segundo a PF, o relatório técnico do IVL que serviu de base para o PL apontar uma suposta falha nas urnas eletrônicas continha afirmações que ele, supostamente, sabia serem falsas. O intuito seria alimentar o discurso de fraude na eleição para justificar uma revisão do resultado.

Em 22 de novembro de 2022, após o segundo turno, o PL pediu uma “verificação extraordinária” no sistema de votação, um tipo de fiscalização previsto pelo TSE para analisar os dados da votação após o pleito. O pedido foi feito a partir da constatação, pelo instituto de Carlos Rocha, de que 279.336 urnas eletrônicas (quase 60% do total) teriam emitido logs (arquivos que contêm o histórico de funcionamento do equipamento) com um mesmo número de identificação, que deveria ser único para cada máquina.

Isso, segundo o PL, tornaria “impossível correlacionar, univocamente, os dados ali registrados com os eventos realmente ocorridos no mundo fático, sejam eles votos (BU/RDV) ou intervenções humanas (LOG)”. A hipótese era de que, como o log teria registrado de forma equivocada a identificação de milhares de urnas, havia risco de que os votos nelas computados também estivessem errados.

“Não há como realizar uma associação fiel do arquivo LOG com uma urna específica e, para além disso, também não há como relacionar tal arquivo com os demais elementos de auditoria de votos (BU e RDV) supostamente emitidos pelo mesmo equipamento”, dizia a representação.

O PL pedia não apenas uma verificação extraordinária, que seria realizada por uma comissão independente de técnicos, para confirmar a falha, mas também a invalidação das urnas que emitiram logs com a identificação única (equipamentos produzidos entre 2009 e 2015). O partido queria que fossem considerados válidos, para a eleição, somente os votos computados nas urnas mais novas (de 2020), que correspondiam a 40% do total, e nas quais Bolsonaro vencia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por 51,05% a 48,95%.

No dia seguinte ao pedido, o ministro Alexandre de Moraes – então presidente do TSE e hoje relator do inquérito – negou todos os pedidos e ainda multou o PL em R$ 22,9 milhões. Na decisão, ele reproduziu explicações dadas por técnicos do tribunal de que os logs continham outras informações que possibilitavam identificar cada uma das urnas com os respectivos boletins e votos computados nelas. Em outras palavras, a falha apontada pelo PL, com base no relatório do IVL de Carlos Rocha, não impossibilitava a verificação dos votos em cada urna, segundo os técnicos do TSE.

Moraes acusou o partido de litigância de má-fé e disse que o pedido de verificação e invalidação dos votos era “esdrúxulo”, “ilícito”, “ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito” e feito para “incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos”.

Na investigação sobre o caso, a PF diz, com base em mensagens de celular, que Carlos Rocha sabia da possibilidade de identificar cada urna com base no log, mas que, na versão final do relatório do IVL que embasou o pedido do PL, decidiu documentar que isso seria “impossível”. As provas seriam conversas que ele manteve com Éder Balbino, dono da empresa que forneceu a IVL um programa para examinar em detalhes os dados contidos nos logs.

Cinco dias antes do PL apresentar o pedido ao TSE, Balbino sugeriu a Rocha ajustar trechos do relatório do IVL. Em vez de afirmar que seria “impossível” relacionar cada log a um boletim de urna, recomendava escrever que seria “possível devido ao nome do arquivo do log gerado pela urna”, que seguia um padrão, contendo código município, números da zona e da seção da urna.

“Com bastante esforço computacional, é possível dado que a identificação presente no nome do arquivo de log pode ser usada juntamente com o Boletim de urna pra identificação do número da urna”, escreveu Balbino, como sugestão para o relatório.

Como Carlos Rocha se defende

Em dezembro, Carlos Rocha enviou ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, uma defesa prévia, contestando as conclusões da PF na investigação e mostrando que, como técnico – formou-se em engenharia eletrônica em 1977 no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) –, sempre buscou colaborar para o aperfeiçoamento da sistema eletrônico de votação no país.

No documento, relatou que, entre 1995 e 1998, “liderou o desenvolvimento e a fabricação de urnas eletrônicas fornecidas ao TSE” – ele chegou a disputar a patente do equipamento com a União na Justiça. Em 2016, narra o documento, Rocha foi chamado ao TSE pelo ministro Gilmar Mendes “para apresentar uma estratégia que permitisse ao TSE desenvolver uma nova urna eletrônica com a impressão do comprovante do voto”. Um protótipo do equipamento chegou a ser produzido, mas não foi adotado na eleição por resistência de técnicos do tribunal.

Na maior parte da defesa, Carlos Rocha descreve o trabalho de fiscalização realizado no TSE em 2022, que foi além da verificação dos logs – um trabalho adicional realizado a pedido do PL. Antes, o IVL analisou documentos e normas do TSE para avaliar procedimentos e tecnologias empregadas no sistema eletrônico de votação. Parte da análise se baseou em auditorias do TCU, que apontavam “desconformidades” com as melhores práticas de segurança.

“A metodologia escolhida buscou, sempre, a colaboração construtiva com a alta direção do TSE, porque quem audita sempre constrói valor para a organização auditada”, diz a defesa de Rocha. Ele relatou que, em agosto de 2022, reuniu-se com então secretária-geral do TSE, Christine Peter da Silva, que era braço direito do então presidente do tribunal, Edson Fachin. No encontro, apresentou o plano de trabalho da fiscalização que seria feita pelo PL.

O IVL diz que, em setembro daquele ano, quando Alexandre de Moraes já presidia o TSE, apresentou ao sucessor de Christine, José Levi Mello do Amaral Júnior, um resumo da auditoria até então realizada, que apontava “riscos elevados de quebra de segurança nos sistemas eleitorais” – o documento se baseava na análise da “governança de TI e de gestão de segurança da informação e no sistema eletrônico de votação do TSE”. Os riscos, dizia o IVL, mereceriam “atenção urgente e medidas preventivas, como precaução contra uma potencial invasão externa ou interna, com graves consequências para as eleições deste ano”.

Carlos Rocha diz que, nos relatórios do IVL, nunca se falou em “fraude” no sistema eleitoral, mas em “mau funcionamento”, cujas causas deveriam ser averiguadas na verificação extraordinária pedida pelo PL ao TSE. “Pode ser invasão de segurança externa, interna, pode ser erro de programação. Podem ser múltiplas causas, pelas fragilidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União”, disse o engenheiro à Gazeta do Povo.

Na defesa apresentada à PGR, ele anexou mais de 6 mil páginas de documentos referentes à auditoria realizada pelo IVL no TSE. “Os documentos técnicos elaborados pelo IVL nunca mencionaram a palavra ‘fraude’ ou sustentaram teorias conspiratórias. Todos os achados técnicos foram orientados à melhoria do sistema eleitoral, e os documentos entregues destacaram explicitamente o caráter técnico e colaborativo da fiscalização”, diz.

Quanto às imputações da PF, Rocha diz que, embora fosse possível vincular o log emitido com a urna corresponde, o arquivo continha erro na identificação da máquina, o que justificava a verificação pedida pelo PL. Ele lamenta a interpretação da PF de que o objetivo do relatório seria político.

“Gostaríamos que a PF, em vez de criminalizar nosso trabalho, fizesse algo construtivo. A última etapa do nosso trabalho, que seria em dezembro, e acabou deslocada para janeiro, tem uma proposta de um novo sistema eleitoral, para superar as desconformidades que foram apresentadas”, diz o engenheiro.

Seus advogados ainda argumentam, junto à PGR, que o conteúdo das mensagens trocadas com Éder Balbino “reflete discussões técnicas relacionadas ao trabalho de fiscalização” do PL. As conversas, além disso, teriam sido captadas de forma abusiva, numa “pescaria probatória” (jargão jurídico para devassas feitas com a prévia intenção de criminalizar alguém).

Fora isso, os advogados ainda argumentam que, por não ter foro privilegiado, a investigação contra Carlos Rocha deveria ter tramitado na primeira instância da Justiça, onde poderia ser reiniciada levando-se em conta todo o trabalho técnico de auditoria realizado pelo IVL.

O que diz o TSE

Durante todo o mandato de Bolsonaro, o TSE contestou as suspeitas e dúvidas levantadas por ele e seu grupo contra as urnas eletrônicas. O tribunal sempre apontou as várias etapas de auditoria no sistema, antes, durante e após as eleições, abertas para partidos, técnicos e instituições credenciadas.

Em 2022, a convite do ex-presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, as Forças Armadas também inspecionaram o sistema e, no relatório final, disseram não ser possível apontar fraudes na apuração dos votos. A investigação da PF aponta que, mesmo assim, o ex-presidente e seus auxiliares tentaram apontar desvios para justificar um golpe, por meio de um decreto que impusesse um estado de defesa sobre o TSE que revisaria o resultado do pleito.

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