Com o apoio imediato dos Estados Unidos ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - o chamado dos países ricos -, anunciado na terça (13) e formalizado na quarta (14), o país começa um processo que envolve habilidade diplomática para convencer outros países membros e competência técnica para cumprir os requisitos da organização.
A duração do processo é pouco previsível, mas a entrada do Brasil na OCDE deve levar pelo menos alguns anos. Na quarta (15), o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do ministério da Economia, Marcos Troyjo, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a adesão do Brasil à OCDE deve ser concluída ainda no primeiro mandato do governo Jair Bolsonaro.
Segundo o analista político Carlo Barbieri, a indicação dos Estados Unidos é essencial para agilizar o processo. “Os Estados Unidos têm não só uma grande importância na indicação como têm poder de veto. Os americanos eram fundamentais para isso”, afirma.
O pleito pela entrada do Brasil na OCDE é antigo, mas o pedido de ingresso foi oficializado em 2017, no governo Michel Temer. Entre as vantagens de ser membro da OCDE, estão o barateamento do custo de operações financeiras internacionais e a facilitação de acordos comerciais junto a grandes potências econômicas.
Atualmente há seis candidatos ao ingresso na OCDE, e os EUA haviam prometido no começo de 2019 que apoiariam o ingresso do Brasil na organização. Mas, em outubro do ano passado, o governo americano sinalizou que Argentina e Romênia estariam à frente do Brasil, por terem pleiteado antes a vaga. Agora, os EUA mudaram de posição e priorizaram a candidatura brasileira em relação à argentina.
De acordo com Barbieri, a mudança tem a ver com dois fatores. Primeiro, o Brasil demonstrou que poderá cumprir certos critérios técnicos necessários para o ingresso (veja abaixo). Além disso, o governo brasileiro demonstra compromisso crescente com os valores liberais em sua economia.
Compromisso com a democracia e o livre mercado são requisitos básicos
Em junho de 2017, num encontro de nível ministerial em Paris, a OCDE publicou um documento com uma seção chamada “Quadro de Referência para a Consideração de Potenciais Membros”, em que detalha os requisitos para que um país se torne membro da organização.
Os países que querem entrar na OCDE precisam, antes de tudo, ter uma economia aberta, de livre mercado, com sistema financeiro “estável e transparente”; ter um papel regional ou global importante para a economia mundial; e demonstrar compromisso com as visões fundamentais da OCDE.
Entre essas visões, a OCDE destaca o comprometimento “com os valores da democracia com base no estado de direito e nos direitos humanos, e a adesão a princípios abertos e transparentes de economia de mercado”.
Em relação às políticas de abertura de mercado, segundo o analista político Carlo Barbieri, a comunidade internacional enxerga o Brasil muito à frente da Argentina.
“A Argentina está caminhando para um processo mais intervencionista – mais keynesiano, em termos técnicos –, e o Brasil está partindo para uma linha mais de liberdade de iniciativa. Essa liberdade conceitual pesa muito para uma entrada na instituição. Quanto mais liberal do ponto de vista econômico é o país, mais atende às regras e tem credenciais.”
Ele lembra que, além de estar numa ascendente de liberalização da economia, o Brasil ainda tem “mais credenciais em termos de volumes de negócios, de população e de PIB”, o que também é relevante para o pleito à OCDE.
Obrigações para a entrada do Brasil na OCDE: medidas anticorrupção e leis liberalizantes
O mesmo quadro de referência também detalha alguns instrumentos legais que devem ser firmados pelos países que pleiteiam uma vaga na OCDE. Entre eles, estão uma declaração de abertura ao investimento internacional e ao contato com empresas multinacionais, uma convenção de combate à propina internacional, um compromisso de liberalização da economia e a adoção de princípios de governança corporativa e de políticas para o uso democrático da internet no país.
O país que assina a convenção de combate à propina se compromete a cooperar com mecanismos internacionais criados pelo órgão e a se submeter a um processo de revisão feito por um grupo de trabalho da OCDE. Além disso, fica sujeito a sanções internacionais relacionadas à prática de propina.
O compromisso de liberalização da economia pode demandar a mudança de algumas leis para a entrada do Brasil na OCDE. Segundo explicação do próprio órgão, “o processo de adesão aos códigos [do organismo] normalmente requerem alterações na legislação de um país para abrir mercados a investidores de membros da OCDE”. As mudanças legislativas “podem envolver setores politicamente sensíveis”, diz o documento, citando como exemplo a “abertura do setor de telecomunicações”.
Para Carlo Barbieri, o mal-entendido do ano passado sobre a retirada do apoio norte-americano ao Brasil para priorizar a candidatura da Argentina se deu justamente porque os EUA estavam aguardando que o Brasil mostrasse capacidade de cumprir esses critérios técnicos para entrar na OCDE.
“O governo Trump se comprometeu publicamente, mas nosso país não tinha preenchido uma série de pré-requisitos para que isso fosse consolidado. Saiu na imprensa que ele tinha deixado de apoiar o Brasil, mas, na verdade, ele deu um tempo para a preparação. Agora, o país preencheu certas condições técnicas e políticas. Com isso, Trump validou o que tinha dito antes”, explica.
Processo burocrático para a entrada do Brasil na OCDE
O Brasil já começou o processo de adesão à OCDE, desde que, em 2017, o governo Michel Temer enviou um pedido de ingresso por escrito ao secretário-geral do organismo, José Ángel Gurría. Mas, desde então, o processo avançou pouco.
Depois do pedido, um conselho composto por autoridades de países membros da OCDE avaliam se o país preenche os requisitos mencionados acima. A partir dessa análise, o conselho pode abrir ou não o processo de adesão.
A aceitação pode ser total ou condicionada. A OCDE pode, por exemplo, exigir que os países promovam certas mudanças em suas políticas públicas até determinado prazo.
Carlo Barbieri afirma que a duração desse processo é pouco previsível e pode levar entre seis meses e alguns anos e “pode ficar no processo muito tempo e não sair”.
“Vai depender, em primeiro lugar, da habilidade do serviço diplomático brasileiro de conseguir os apoios, e de o apoio americano ser suficientemente forte para colocar em pauta isso, uma vez cumprida as exigências. Não adianta o país querer entrar e não ter preparado a lição de casa”, conclui o especialista.
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