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A crise do coronavírus não mudou o cronograma dos processos para a ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, segundo o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybáñez. A previsão inicial de que o acordo seria ratificado no segundo semestre de 2020 continua valendo, garante o diplomata.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Ybáñez também comenta a cooperação entre Brasil e UE na pandemia. Segundo ele, o governo brasileiro ainda não procurou a UE para pedir ajuda com equipamentos e experiência, mas a embaixada está disposta a ajudar, especialmente num momento em que a crise parece ter diminuído na UE e se aproximado do pico no Brasil.
No início de maio, o embaixador tinha uma reunião marcada com o general Eduardo Pazuello, atual ministro interino da Saúde, mas o encontro foi cancelado por conta do excesso de compromissos de Pazuello. A reunião ainda não foi remarcada.
O embaixador da UE também fala da atual visão dos líderes europeus sobre a questão ambiental no Brasil, meses depois da crise das queimadas na Amazônia. Ele diz que a imagem brasileira para a UE melhorou depois que o presidente Jair Bolsonaro garantiu a permanência do Brasil no Acordo de Paris e assegura que, em relação à Amazônia, “a vontade do conjunto da comunidade internacional é ajudar o Brasil, não fiscalizar”.
Confira as principais falas do embaixador da UE na entrevista.
Cooperação entre UE e Brasil contra o coronavírus
“Esse vírus tem que se combater com medidas de isolamento individual. Mas os países, por outro lado, não podem se isolar. Tem que ser uma resposta de cooperação dos países.
Não podemos pensar que vai ser uma solução só dos países da Ásia, ou dos países da Europa, ou dos países da América. Temos que sair todos juntos. O componente de cooperação internacional é bem importante. E já estamos, há algum tempo, trabalhando com muitos dos nossos parceiros. E o Brasil é um bom exemplo de um parceiro estratégico da União Europeia.
Estamos tentando ajudar o Brasil, primeiro, tentando transmitir a experiência que nós aprendemos desde a chegada da pandemia nos nossos países, com algumas lições de coisas que não fizemos bem – também é bom aprender dos nossos erros – e, por outro lado, mostrando ao Brasil os elementos que foram bem-sucedidos.
Todas as trocas de experiência que estamos tendo com as autoridades brasileiras são muito boas.
Temos uma vontade de reorientar os nossos programas de cooperação. São programas bem importantes os que temos com o Brasil. Mudamos o foco desses programas para tratar diretamente de Covid. Os programas que têm a ver com saúde e saneamento são aqueles em que a gente está trabalhando mais diretamente."
Tentativas de cooperação com o Ministério da Saúde
"Quando a crise começou a chegar aqui no Brasil, estávamos num momento mais grave da crise dentro da União Europeia, então nossa capacidade de cooperar era mais limitada.
Nós temos uma relação muito boa com o general Pazuello [ministro interino da Saúde], porque ele comandava a Operação Acolhida, que é uma operação importante e muito bem-sucedida dentro do Brasil. A União Europeia tem participado nessa operação através do AGNU [Assembleia Geral das Nações Unidas] e da Organização Internacional de Migrações. Temos quantidade grande de cooperação focada nessa Operação Acolhida, e o general Pazuello é nosso contato, porque chefiava essa operação.
Aproveitando que ele foi nomeado secretário-geral do Ministério da Saúde, desde o início fizemos um contato mais pessoal, porque tínhamos esse conhecimento prévio dele. Então, tivemos a ideia de fazer uma reunião. Ele estava, logicamente, fazendo viagens para os diferentes estados que têm agora uma situação mais preocupante. Estávamos tentando encontrar uma boa data para a reunião, mas não foi possível.
Agora a situação mudou ainda mais dentro do ministério. Agora ele está como responsável interino do ministério, então passamos uma mensagem dizendo que queríamos ter essa reunião. Eu sei que ele tem vontade de se reunir conosco, e acho que vai acontecer proximamente.
Recentemente, tivemos participação do vice-presidente Mourão numa reunião com todos os embaixadores da União Europeia e, logicamente, falamos também da Covid e reiteramos esse oferecimento.
Os programas estão focando muito na resposta que temos que dar à Covid. Em primeiro lugar, logicamente, uma resposta sanitária, sobre como cada um dos países vai confrontar esse surto e como podemos trabalhar conjuntamente no âmbito da busca de uma vacina, do tratamento e dos diagnósticos da doença. O Brasil é um dos únicos países que têm dois acordos de cooperação científica com a União Europeia: tem o acordo geral de cooperação científica e tem o acordo mais dirigido ao âmbito atômico.
A cooperação entre pesquisadores brasileiros e pesquisadores europeus já vem de longa data. Agora, tem uma importância ainda maior. Estamos oferecendo a possibilidade para pesquisadores brasileiros participarem dos programas europeus. Essa participação está aberta para eles, porque agora essa cooperação internacional é ainda mais importante, agora que estamos todos juntos nesse combate para tentar encontrar a vacina, encontrar diagnósticos corretos e enfrentar essa situação."
Como os líderes da UE veem as atitudes de Bolsonaro em relação ao coronavírus
"As respostas de cada um dos países têm sido diferentes, mesmo dentro da União Europeia. Nem todos os países, sobretudo no início, e ainda agora, responderam da mesma forma. Também na Europa tivemos líderes que tinham, vamos dizer, as suas percepções diferentes sobre o surto da pandemia.
E, logicamente, os líderes todos, não só os europeus, mas os de países latino-americanos, têm que conjugar as diferentes preocupações. Então, junto à preocupação sanitária, que eu diria que é universal e que todos os líderes vão estar preocupados com a saúde dos seus cidadãos. Também, logicamente, desde o início, muitos líderes tiveram uma grande preocupação com o efeito econômico dessa crise.
Era uma coisa que não tinha acontecido no passado. Tínhamos tido outras pandemias, outras situações em que tínhamos que confrontar situações de emergência do ponto de vista sanitário. Mas uma situação em que, junto a essa emergência sanitária, tínhamos que interromper a atividade de todos os cidadãos é uma coisa única na nossa história.
É lógico que cada país tenha buscado uma situação adaptada às condições econômicas e sociais diferentes do país. Logicamente, o Brasil tem suas peculiaridades. E eu não gostaria, porque logicamente não é o meu trabalho, de fazer uma avaliação dessas políticas brasileiras. Isso é um trabalho dos próprios políticos brasileiros."
Como a crise afetou o avanço do acordo comercial UE-Mercosul
"O acordo de associação entre União Europeia e Mercosul é um dos elementos que pode ser muito importante na saída da crise. Esse acordo vai criar um âmbito de possibilidade de comércio entre duas áreas importantes. Desse ponto de vista, tenho confiança que o governo brasileiro vai colaborar com a União Europeia. O que a União Europeia deseja é trabalhar com o Brasil, e a percepção que temos é que esse trabalho vai ser bem-sucedido.
No final do ano passado, fizemos grandes avanços. A parte que ficou pendente é a de finalizar os textos. Foi uma negociação complicada, durou 20 anos, e chegamos a uns textos que ficaram muito bons. A parte que faltava era a parte mais técnica, que é bem complicada, de verificar todas as partes do acordo para saber que todos realmente concordam com o que foi negociado.
Isso já avançou muito durante o tempo da presidência do Brasil no Mercosul. Agora estamos no tempo da presidência do Paraguai, que também está fazendo um bom trabalho. Com a Covid, há algumas limitações importantes. Já não podemos fazer as viagens que eram lógicas e normais para a finalização desses textos. Mas eu diria que os negociadores têm, de todas as partes, a convicção de que o acordo é bem importante para os dois blocos. Vai ser, sem dúvida, o acordo comercial com maior volume que a União Europeia já teve na sua história. Também para os países do Mercosul é um acordo histórico.
Nossa vontade, das duas partes, era finalizar, no mês de abril, essas revisões técnicas dos textos. Não conseguimos. Mas acho que no mês de maio vamos finalizar essa parte, para poder começar o processo de ratificação, que vai ser na segunda parte do ano. O calendário continua a ser o mesmo que era antes, com esse pequeno atraso de algumas semanas. A vontade é ainda de conseguir finalizar essa parte do texto e poder, durante a segunda parte do ano, assinar esse texto, para dizer que já é um texto final, e que o processo de ratificação pode começar.
Essa é a prioridade do governo brasileiro, essa é a prioridade das instituições europeias. Entre os países do Mercosul, algumas dúvidas que tínhamos do lado argentino já foram resolvidas, e a vontade das duas partes é seguir adiante. As coisas vão por um bom caminho."
Como os europeus estão vendo a situação ambiental no Brasil
"O tema ambiental é uma das grandes preocupações dos líderes internacionais. Até o final da negociação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, um dos pontos que estavam abertos e que fechou ao término da negociação era, precisamente, a participação do Brasil no Acordo de Paris [sobre mudanças climáticas]. Para nós, os líderes europeus, isso era bem importante. E conseguimos essa confirmação. O presidente Bolsonaro e a equipe negociadora insistiram que o Brasil vai ficar dentro do acordo e vai respeitar os compromissos que o Acordo de Paris tem. E isso, sem dúvida, é um elemento muito importante.
E vai ser importante nos processos de ratificação. Os processos de ratificação são políticos. Os parlamentos vão ter que dar seu apoio político ao acordo comercial, e a preocupação legítima das partes é que os compromissos que estão dentro desse acordo – e dentro dele está a participação de todos os membros do Mercosul e da União Europeia no Acordo de Paris – vão ser respeitados.
E há uma preocupação lógica pelas informações que têm sido recebidas a respeito do desmatamento, dos focos de incêndio na Amazônia… Foi uma excelente oportunidade falar com o vice-presidente do Brasil [Hamilton Mourão], tendo em conta, além do mais, que ele foi nomeado presidente do Conselho da Amazônia Legal.
A reunião [com Mourão] foi muito positiva. Ele apresentou o trabalho que o Conselho tem feito e insistiu que o Conselho tem essa vontade de melhorar a situação. Reconheceu que as estatísticas que temos recebido sobre a situação na Amazônia são preocupantes e que tem que se fazer um esforço do ponto de vista do governo. E ele está à frente desse esforço do governo. É uma coisa muito positiva, porque o vice-presidente é uma pessoa que particularmente conhece bem a situação da Amazônia. Parte da sua carreira como militar se desenvolveu lá, então é uma pessoa que conhece bem a situação.
O patrimônio da Amazônia é um patrimônio brasileiro, mas é um patrimônio que tem uma importância dentro do combate contra a mudança climática. A comunidade internacional pode ajudar o Brasil a preservar esse patrimônio – que é um patrimônio brasileiro. Mas, sem dúvida, podemos ajudar. A vontade do conjunto da comunidade internacional é ajudar o Brasil, não fiscalizar."
Cooperação nas repatriações durante a crise do coronavírus
"Fizemos uma declaração dos embaixadores da União Europeia, dos seus estados-membros e de outros países que se associaram para agradecer ao governo brasileiro pela abertura que teve, sobretudo no início da crise, para manter aberto o espaço aéreo brasileiro e permitir a saída dos europeus que estavam aqui por diferentes razões – alguns por turismo, outros por negócio – para poderem voltar à Europa.
Isso foi, realmente, um exemplo dentro do conjunto, porque muitos países da América Latina, países que também têm uma boa relação com a União Europeia, tomaram medidas mais restritivas do ponto de vista dos voos, e limitaram a saída.
Foram quase 600 mil europeus que puderam voltar à Europa graças à ajuda. É lógico que se estabeleceram regras para limitar a chegada dos europeus ao Brasil, porque, logicamente, o Brasil tinha que se proteger. Mas, por outro lado, a saída dos europeus para a Europa foi muito bem-sucedida, e a União Europeia tem que dizer muito obrigado ao governo brasileiro."
Como o governo brasileiro tem recorrido à ajuda da UE contra o coronavírus
"No que diz respeito aos pedidos concretos, como eu ainda não tive a reunião com o ministro da Saúde, não conheço ainda quais podem ser os pedidos [do Brasil].
É verdade que, no início da crise, a União Europeia tinha tanta necessidade de equipamentos que não tinha muita capacidade de ajudar outros países. Agora, por sorte, a situação está mudando. Pode ser um bom momento para ver se há alguma área, em concreto, em que o Brasil vai precisar de ajuda da União Europeia. Nós ficamos à completa disposição do governo brasileiro para saber em que área podemos ajudar, tanto com os equipamentos como para compartilhar experiências.
Ainda não recebemos uma demanda concreta, mas, se recebermos, vamos analisar com grande interesse."