O presidente Jair Bolsonaro confirmou no início da noite desta segunda-feira (29) a demissão do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e anunciou uma reforma ministerial no governo, com mudanças em seis ministérios. A saída de Araújo ocorre após intensa pressão do Senado e do Centrão. Principal eixo de sustentação do governo no Congresso, o Centrão tratou a demissão do chanceler como algo inegociável. Araújo já havia se reunido pela manhã com Bolsonaro e deixado o cargo à disposição.
Para a vaga de chanceler, Bolsonaro anunciou o nome do embaixador Carlos Alberto Franco França, ex-chefe do cerimonial do Palácio do Planalto. Já o general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, passa a ser o novo ministro da Defesa no lugar de Fernando Azevedo e Silva. Para o lugar de Braga Netto, Bolsonaro confirmou outro general, Luiz Eduardo Ramos, na Casa Civil. A deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) assume a Secretaria de Governo no lugar de Ramos e fica responsável pela articulação política com o Congresso.
Em outra ponta da reforma ministerial, André Mendonça deixa o Ministério da Justiça e Segurança Pública e volta a responder pela Advocacia-Geral da União (AGU) no lugar de José Levi, que deixa o cargo. Para a Justiça, Bolsonaro nomeou o delegado federal Anderson Torres, atual secretário de Segurança do Distrito Federal. Torres é próximo da família do presidente.
As trocas ocorrem no momento mais agudo da pandemia de Covid-19 no país, com recordes diários de mortes pela doença e colapso na rede de saúde de diversas cidades. Politicamente, a reforma ministerial fortalece o Centrão, já que Flávia Arruda é próxima ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), que na semana passada cobrou uma mudança de postura do governo federal no enfrentamento da pandemia.
No mês passado, Bolsonaro já havia acomodado um nome do Centrão no governo, com a nomeação de João Roma (Republicanos-BA) no Ministério da Cidadania.
Permanência de Ernesto Araújo era insustentável
A permanência de Ernesto Araújo, um expoente da chamada ala ideológica do governo, era insustentável politicamente. Se o mantivesse no Itamaraty, Bolsonaro perderia apoio político no Congresso.
Desde a última semana, Araújo passou a ser persona non grata no Senado, e também enfrentava forte rejeição na Câmara. Uma liderança do Centrão até chegou a resumir a situação do chanceler. Com ele, Bolsonaro não teria governabilidade. "O Ernesto tem que sair, senão o Bolsonaro não faz mais nada", afirmou.
Além disso, a ala militar do governo também não gostava do desempenho de Ernesto Araújo – embora fosse contrária à pressão que o Centrão exerceu para demiti-lo.
Como foi o processo de demissão de Ernesto Araújo
A pressão sobre Araújo durou meses, mas ganhou ainda mais força nas últimas semanas por causa do avanço do número de mortes na segunda onda da pandemia de Covid-19. Depois do general Eduardo Pazuello ter sido demitido no Ministério da Saúde, o chanceler teve sua "cabeça" colocada a prêmio pelo Centrão.
O argumento usado por políticos é de que o embaixador não teve desempenho adequado para conduzir negociações internacionais para a aquisição de insumos e vacinas contra a Covid-19. Lideranças do Centrão destacavam que Araújo não tinha interlocução com a China, grande produtora de insumos para os imunizantes, e apresentava dificuldades para um bom relacionamento com o governo de Joe Biden nos Estados Unidos, país do qual o Brasil pretende comprar o estoque excedente de vacinas. O agora ex-ministro chegou a criticar a China e, na eleição americana, demonstrou clara simpatia pela vitória de Donald Trump.
A situação de Ernesto se tornou mais difícil no domingo (28), quando ele sugeriu que, na verdade, a pressão pela sua demissão não ocorreu devido à compra de imunizantes, mas sim por causa de um suposto lobby em favor da China para o leilão da tecnologia do 5G. E o ex-ministro ligou, por meio de postagem no Twitter, a senadora Katia Abreu (PP-TO) a esse suposto lobby. Kátia Abreu é presidente da CRE do Senado e se encontrou no dia 4 com Ernesto Araújo.
Na postagem, o então ministro afirmou que, no encontro, "pouco ou nada" se falou sobre vacinas. E que, ao final, a senadora teria pedido ao ministro um "gesto em relação ao 5G".
Kátia Abreu reagiu. "É uma violência resumir três horas de um encontro institucional a um tuíte que falta com a verdade. Em um encontro institucional, todo o conteúdo é público", afirmou.
Por causa do incidente com Katia Abreu, senadores anunciaram que iam entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de impeachment de Ernesto Araújo por crimes de responsabilidade. Além disso, o Senado ameaçava não votar nenhuma indicação do governo para as embaixadas brasileiras no exterior (os embaixadores escolhidos pelo Itamaraty só podem ocupar o cargo após o aval dos senadores).
O comentário feito por Araújo ganhou rápida repercussão e até mesmo parlamentares da base de Bolsonaro condenaram o que consideraram um ataque ao Senado.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi um dos que se posicionou contra o chanceler. Para ele, a "tentativa do ministro Ernesto Araújo de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado". Na semana passada, Pacheco já havia cobrado publicamente a necessidade de o governo mudar sua política externa – num recado claro de que o Congresso esperava a demissão do ministro.
Ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aliado de Bolsonaro, seguiu a mesma linha. "A insinuação irresponsável por parte de um ministro não é somente um desrespeito ao Senado. É um ato contra todos que constroem a longa e honrosa tradição da diplomacia brasileira", declarou Alcolumbre, também pelo Twitter.
Outro aliado do governo, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), líder do partido no Senado, rechaçou o comentário de Araújo. "O ministro tem passado dos limites, pois vem comprometendo as relações internacionais do Brasil com outros países parceiros. Agora, ultrapassa ainda mais os limites com o Senado. Em meu entendimento, ele é um brincante!", disse.
A oposição ao governo também criticou Araújo. "O Ministério das Relações Exteriores não abriga um ministro, está ocupado por um expoente da estupidez", disse o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "O ministro mostra sua inadequação à carreira que supostamente escolheu: não constrói, destrói. Conseguiu a proeza de ofender até a ala do Senado que ainda o tolerava", disse.
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