O movimento da oposição em favor da aprovação pelo Congresso de um projeto de lei para anistiar condenados do vandalismo do 8 de Janeiro tem seu maior foco de resistência nos partidos de esquerda e no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Curiosamente, a pacificação buscada por meio desse instrumento previsto pelo código penal – e que foi um dos principais temas do discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no evento político da Avenida Paulista domingo passado (25) – beneficiou ao longo da história sobretudo o campo progressista ligado à esquerda.
A Lei da Anistia de 1979 permitiu que milhares de brasileiros retomassem suas atividades públicas com ficha limpa. Além daqueles que haviam apenas criticado o regime militar, também foram beneficiados 700 condenados por participarem da luta armada, com assaltos, terrorismo, sequestros e assassinatos. A medida aprovada pelo Congresso durante o governo de João Figueiredo, o último do período militar, abriu caminho para a redemocratização, consagrada na Constituição de 1988.
Indivíduos anistiados como José Dirceu, Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes e Leonel Brizola ocuparam cargos relevantes, seja por nomeação ou eleição, incluindo a Presidência da República, caso de Dilma Rousseff (PT), egressa da luta armada.
Os beneficiados do "outro lado" pertenciam por sua vez às Forças Armadas e não tiveram protagonismo na abertura política. Os agentes dos órgãos de repressão que foram identificados, parte deles responsáveis por torturas e assassinatos, somam 337, segundo relatórios de comissões do Executivo e do Legislativo.
Em 1979, após muita pressão da sociedade, o governo resolveu enviar em junho uma proposta ao Congresso que criava a anistia aos presos e exilados políticos pelo regime militar. À época, o Brasil ainda vivia sob o bipartidarismo, de um lado a Arena (partido do governo) e do outro o MDB (partido de oposição). O projeto foi aprovado pelo Congresso em 22 de agosto de 1979. A sanção presidencial da Lei da Anistia, em 28 de agosto, resultou na libertação imediata de 17 presos políticos. Outros 35 permaneceram à espera de julgamentos pelo Supremo Tribunal Militar (STM).
Especialistas e políticos consultados pela Gazeta do Povo apontam que a recusa da esquerda em apoiar a anistia para rivais de direita deve-se à conveniência política. Sua resistência visaria enfraquecer bases de apoio, silenciar vozes da oposição e tirar candidatos competitivos das urnas.
Nesse sentido, o principal alvo é Bolsonaro e uma prova disso está em palavras de ordem contra o perdão judicial, exigindo punições severas e imediatas a investigados pelos chamados “atos antidemocráticos”, antes mesmo do fim dos julgamentos e da apresentação de projetos de anistia.
Oposição avalia estratégias para viabilizar o projeto de anistia
No ato na Paulista, Bolsonaro ressaltou que quem praticou vandalismo na Praça dos Três Poderes deve pagar de alguma forma, mas pediu à Justiça “o mínimo de razoabilidade”. “Já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora, pedimos a todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto para que seja feita justiça no Brasil”, disse.
Até agora o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 101 réus do 8 de Janeiro, com penas que variam de 3 a 17 anos de reclusão. As penas incluem ainda pagamento de indenização de R$ 30 milhões, a ser quitado de forma solidária (em conjunto) por todos.
Tramitam no Congresso ao menos seis projetos de anistia para o 8 de Janeiro. O PL, maior partido da oposição, está elaborando estratégias para levar adiante a campanha lançada por Bolsonaro. A primeira proposta foi apresentada em outubro pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Em entrevista ao Diário do Poder, ele reclamou do “poder desmesurado” de Moraes, acobertado pelo silêncio dos demais integrantes da Corte, e lembrou que os réus do 8 de Janeiro não tiveram o devido processo legal ao não passar por um juiz natural de primeira instância. “Ao serem julgados diretamente no STF eles vão recorrer a quem? A Deus? Isso não está correto”, disse.
A adesão de centenas de milhares de pessoas ao ato político convocado pelo ex-presidente, além da presença de 117 deputados, 20 senadores e quatro governadores, impulsionou o debate sobre a anistia, em paralelo ao avanço de condenações e do cerco judicial contra ele e aliados. Para passar o projeto são necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores. E mesmo aprovado, o texto ainda deverá enfrentar provável veto de Lula e a judicialização quando a decisão for levada ao STF. Em maio de 2023, o plenário da Corte anulou indulto presidencial que extinguiu pena imposta ao ex-deputado Daniel Silveira (RJ).
Apelo de Bolsonaro por anistia é endereçado até ao governo Lula
O senador Eduardo Gomes (PL-TO), que foi líder de Bolsonaro no Congresso, pondera que o ideal seria aguardar o resultado das eleições municipais, quando o ex-presidente deverá colher dividendos, para fazer avançar a aprovação da anistia.
Hoje, a iniciativa alcançaria os condenados pelo 8 de Janeiro e precisaria prever o perdão posterior aos que ainda estão sendo investigados e serão julgados, incluindo políticos, militares e empresários. Esse foi o argumento em contrário dado até por Lula nesta terça-feira (27) à Rede TV!. “O cidadão lá está pedindo anistia antecipada. Quero que tenha a presunção de inocência que não tive”, disse.
“O Parlamento é que decide essa questão (anistia), mas se a proposta partir do Executivo seria bem-vinda”, comentou Bolsonaro à revista Oeste, embora ache “muito difícil” isso ocorrer.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), também considera a anistia a oportunidade de “apaziguar” o Brasil, destacando os 40 processos de perdão político ocorridos na história da República, que permitiram a cidadãos exercerem mandatos após serem anistiados. Marinho enfatiza a existência de uma cultura brasileira de buscar a conciliação, evitando que aqueles que cometeram crimes sejam perseguidos politicamente, mas sim processados conforme a lei.
O senador ainda esclareceu que o apoio da oposição a uma proposta de anistia não isentaria de punição responsáveis por danos materiais comprovados, mas lembra que o popular slogan “ampla, geral e irrestrita” da lei de 1979 foi entoado no passado por Lula e seus seguidores, que agora pensam o contrário. “Ao aderir à reconciliação nacional, Lula deixaria uma marca de magnanimidade em sua história política”, disse Marinho.
O cientista político e consultor Paulo Kramer classifica a anistia como algo fundamental para reequilibrar as disputas político-partidárias, destacando que a esquerda hoje se beneficia das decisões dos tribunais superiores e das investigações da PF, colocando os rivais liberais e conservadores na defensiva.
“Ao contrário da anistia de 1979, que perdoou até crimes de sangue de terroristas, a anistia buscada pela direita visa fazer justiça a manifestantes pacíficos contra a corrupção e apoiadores do direito à livre manifestação pacífica”, opinou.
Kramer acredita que Lula só anistiará a direita mediante amplo movimento cívico e político nacional, considerando essa perspectiva improvável por enquanto, tendo em vista que uma anistia ampla traria de volta Bolsonaro ao palco eleitoral de 2026.
Juristas apontam complexidades trazidas no Código Penal
Cláudio Caivano, advogado que representa presos do 8 de Janeiro, ressalta que a anistia tem no contexto atual papel crucial como instrumento jurídico para garantir a liberdade dos condenados. Ele defende a aprovação do PL 5793/2023, proposto pelo deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), por abordar também itens da Lei 14.197/2021, que incluiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito no Código Penal.
O advogado vê "abusos" de Alexandre de Moraes relacionados à interpretação destes crimes, imputados a diferentes réus. Embora o texto tenha recebido elogios de juristas, ele pondera que sua aprovação depende do engajamento de diversos setores da sociedade.
Para André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão, o debate em torno da anistia aos presos do 8 de Janeiro é válido e legítimo, pois “estamos inegavelmente diante de condenações agravadas por fatores políticos e irregularidades jurídicas não sanadas, advindas da questionável competência do STF e suspeição do relator para exame do caso”.
Mas ele ressaltou que o projeto dificilmente avançará, pois “seria uma provocação à Corte que o Legislativo já mostrou não estar disposto a fazer”. Ele lembrou que a anistia sempre foi usada no país sob o interesse do momento, como um instituto mais político que jurídico e com pouco rigor técnico.
Vera Chemin, advogada especialista em direito constitucional, considerou o tema da anistia no atual contexto político ainda mais complexo e polêmico que o de outros momentos. Ela destacou que a extinção da punibilidade pela anistia exige uma lei para dispor sobre os crimes de 8 de Janeiro, paralela à Lei de 1.979, sobretudo após a revogação da Lei de Segurança Nacional em 2021, juntamente com a inclusão de crimes contra o Estado Democrático de Direito no código penal.
A professora enfatizou ser preciso avaliar a classificação dos crimes do vandalismo em Brasília como políticos, comuns ou conexos e lembrou da competência do STF para fazer o controle judicial da eventual lei, em caso de ilegalidades. “Diante da polarização ideológica do país, é bem possível a judicialização”, concluiu.
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