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Estadão Comandante Ferraz

Como a estação brasileira na Antártida pode “descongelar” pesquisas e mudar a geopolítica

nova estação brasileira na Antártida
A nova estação brasileira na Antártida tem 17 laboratórios para pesquisa científica. (Foto: Divulgação / Marinha do Brasil)

O governo federal reinaugura nesta quarta-feira (15), com transmissão ao vivo pelo Facebook, a estação Comandante Ferraz na Antártida. A reforma da estação brasileira na Antártida moderniza e amplia as suas estruturas com um objetivo principal: favorecer pesquisas científicas nacionais.

Em longo prazo, o estabelecimento de uma estação no continente também é importante do ponto de vista diplomático para garantir presença estratégica num território do mundo que, por enquanto, não tem dono.

A reinauguração da estação Comandante Ferraz ocorre quase oito anos depois de um incêndio que destruiu as antigas instalações, em fevereiro de 2012, matando dois militares brasileiros. Na época, o governo Dilma anunciou poucos dias depois o plano de reerguer o espaço.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a presença brasileira apoiará os estudos do clima, do ambiente marinho e também pode contribuir com a biotecnologia, com impacto na formulação de novos medicamentos e no desenvolvimento de pesticidas e herbicidas para a agricultura - um dos motores da economia brasileira.

A reinauguração estava marcada para a terça-feira (14), mas foi adiada para o dia seguinte devido ao mau tempo.

Reconstrução da estação brasileira na Antártida

Orçada em quase US$ 100 milhões, a reconstrução da estação brasileira na Antártida foi liderada por uma empresa chinesa, a China National Electronic Imports and Exports Corporation (Ceiec), que ganhou uma licitação em 2015, depois do fracasso de se encontrar uma empresa brasileira interessada no projeto. As obras começaram em 2016.

A nova instalação aumenta consideravelmente a capacidade para pesquisas científicas: tem 17 laboratórios, 13 a mais do que os quatro da antiga estação.

A inauguração contará com a participação do presidente Jair Bolsonaro, que estará em Brasília, por videoconferência. O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, estarão presentes na Antártida para o evento.

Potencial científico é a principal razão do interesse na Antártida

Pesquisadores de áreas como meteorologia, química, microbiologia e biologia molecular serão especialmente beneficiados pela nova estação.

Depois do incêndio de 2012, as pesquisas brasileiras se mantiveram, mas eram feitas em módulos provisórios instalados na Antártida para esse fim.

A nova estação, com 14 laboratórios internos e três externos, tem uma estrutura mais moderna que a antiga e deve agilizar o trabalho de cientistas, permitindo que grande parte das análises do material coletado na Antártida seja feita no próprio continente, sem que o pesquisador precise voltar ao Brasil.

As pesquisas integram o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), de promoção da pesquisa na Antártida, e que o governo federal mantém desde 1982. Entre os temas mais estudados, destacam-se questões ambientais e climáticas.

Os últimos projetos aprovados abordam, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), questões como clima, absorção do gás carbônico atmosférico, efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas marinhos antárticos e o potencial biotecnológico de microrganismos do ambiente marinho.

Os estudos realizados na estação brasileira na Antártida também contribuem para aprimorar previsões de tempo e de clima no Brasil, já que, segundo o MCTIC, “a América do Sul tem seu clima fortemente influenciado por mudanças ocorridas na Antártica”. Os estudos, segundo o ministério, são essenciais “para elaborar os possíveis cenários futuros de mudança climática no Brasil”, além de manter estudos que podem colaborar com a produção de defensivos agrícolas para a agricultura brasileira.

Militares protegem cientistas e estação brasileira na Antártida

Os pesquisadores contam com o apoio da Marinha brasileira para realizar suas atividades. Atualmente, há 16 militares na estação.

“O objetivo principal da Marinha é apoiar da melhor forma possível os pesquisadores, zelando pela segurança deles, de forma que eles consigam realizar objetivos deles sem acidentes”, diz o chefe da estação Comandante Ferraz, o capitão de fragata Luciano de Assis.

Os militares se dividem em dois grupos. Parte deles acompanha os pesquisadores em atividades de exploração científica do continente, enquanto outros se dedicam especialmente à manutenção da estação brasileira na Antártida.

As grandes variações meteorológicas e outros perigos naturais exigem que alguns militares acompanhem os pesquisadores em atividades fora da estação. “Há riscos, por exemplo, para quem faz uma caminhada, com a vida selvagem, ou até mesmo em deslocamentos e pesquisas no mar, com os botes”, afirma Assis.

Presença na Antártida também tem importância diplomática

Desde a descoberta da Antártida, no século XIX, alguns países já reivindicaram posse sobre partes de seu território lançando mão de diferentes argumentos. Para evitar confusão, em 1959, doze países com interesses na região assinaram o Tratado da Antártida, que posteriormente foi firmado por outras nações, inclusive o Brasil (em 1975).

O acordo foi renovado em 1998 e estabeleceu que, nos 50 anos seguintes, até 2048, a Antártida seria um território sem dono e não poderia ter suas riquezas exploradas comercialmente. Todos os países têm liberdade para estabelecer centros de pesquisa científica no continente, desde que com fins pacíficos.

Manter um espaço de pesquisas científicas é importante para que um país tenha poder de voto e veto nas reuniões anuais feitas entre signatários do Tratado da Antártida em questões relacionadas ao continente. Essas reuniões definem aspectos pontuais das relações entre os países na Antártida, como as criações de áreas de proteção ambiental. A deste ano será no mês de maio, em Helsinque, na Finlândia.

A próxima revisão do tratado, em que se decidirá sobre a sua continuidade, está prevista para 2048. Como não é possível prever se o território continuará sendo usado somente para fins científicos, manter uma presença forte no continente pode ser relevante em longo prazo. “Se, no futuro, evoluir o Tratado da Antártida para que haja explorações aqui, nós poderemos opinar em relação a isso e poderemos ter participação, também”, diz o capitão Assis.

A Antártida faz parte do entorno estratégico do Brasil, sendo vista pelo Itamaraty como uma terceira margem do país, na direção do Atlântico sul. O governo considera que a presença na Antártida é estratégica para ajudar a garantir que esse entorno seja pacífico.

Num futuro distante, os recursos minerais da Antártida podem se tornar um elemento importante de disputa entre países. Alguns pesquisadores consideram, por exemplo, que o continente tem a maior reserva de água doce da Terra. Outras riquezas minerais, como petróleo, gás natural, ouro, prata e cobre, também poderão ser exploradas daqui a décadas.

O futuro da Antártida preocupa especialmente pelo que já ocorre no outro extremo do planeta, no Ártico, onde já se faz exploração comercial e se enxerga um potencial de conflito entre as nações. O governo brasileiro considera que a presença no continente é importante para que o país tenha força diplomática em um eventual contexto de tensão na região.

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