Criada durante o primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) para elaborar estudos sobre o projeto do Trem de Alta-Velocidade, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) ganhou sobrevida no governo Bolsonaro e quer deixar de ser conhecida como a estatal do trem-bala. A empresa foi mantida para ajudar nos estudos e projetos de concessões de infraestrutura e na construção do Plano Nacional de Logística. Ela, porém, depende de dinheiro da União para funcionar e não tem perspectiva de atingir sua independência financeira.
O presidente Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral, disse que a “estatal do trem-bala” seria uma das “50” empresas criadas pelos governos petistas que seriam extintas ou privatizadas se eleito. A ideia tem o apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar. Mas Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura, pasta responsável pela EPL, resolveu manter a empresa.
Freitas, inclusive, não gosta que a EPL seja chamada de estatal do trem-bala. “A EPL já abandonou esse projeto há tempo (...) não sei porque insistem em chamá-la assim”, disse em coletiva do Programa de Parceiras e Investimentos (PPI), ao ser questionado sobre a não privatização ou liquidação da companhia. A ideia do ministro é desconstruir essa imagem negativa da EPL e mostrar que ela é útil na modelagem das novas concessões de infraestrutura.
A missão está a cargo de Arthur Luis Pinho de Lima, nomeado diretor-presidente da estatal. Lima, ao contrário do ministro, diz que a EPL se “orgulha muito” de ter sido criada para fazer os estudos de viabilidade econômico-financeira do trem de alta velocidade (TAV), nome técnico para o projeto do trem-bala.
“Naquele momento se entendia necessário estudar a viabilidade de um trem de alta velocidade que ligasse São Paulo ao Rio de Janeiro. Mas nós vimos nos estudos que seria inviável economicamente [tirar o projeto o papel]. A tarifa poderia ser demasiadamente cara, o que inviabilizaria o projeto. Aí fomos caminhando e mudando o foco da empresa”, explicou Lima, que recebeu à reportagem em seu escritório.
O que faz a EPL
A EPL é uma prestadora de serviço para o governo. Ela faz os estudos para as concessões de rodovias e presta apoio técnico nas concessões de ferrovias e terminais portuários. Também é responsável pelo Plano Nacional de Logística (PNL), que traz um diagnóstico da logística brasileira e prevê os empreendimentos necessários para melhorar a malha de infraestrutura.
O governo federal, assim que uma concessão de infraestrutura é aprovada no Conselho do Programa de Parcerias e Investimento (PPI), pode contratar a EPL para realizar os estudos de viabilidade econômico-financeira do empreendimento. A contratação é feita via dispensa de licitação.
Os estudos de concessão feitos pela EPL compreendem 19 etapas, dividas, principalmente, na caracterização de demanda; no mapeamento e levantamento das condições do ativo a ser concedido; nas soluções de engenharia; na orçamentação dos investimentos que serão necessários; e na precificação. Essas etapas incluem analisar desde o volume de tráfego local e de onde vem e para onde vai a carga até gargalos logísticos e entrevistas com a população que será afetada.
Concluído os estudos, a EPL envia os documentos para o Ministério de Infraestrutura e para a agência reguladora, que vão analisar os resultados e, posteriormente, fazer a publicação do edital para leilão daquele ativo.
Já sobre o Plano Nacional de Logística (PNL), a EPL atua em todas as etapas, identificando desde o cenário atual e os problemas da nossa infraestrutura até propondo soluções.
A estatal tem uma carteira de concessões que, se de fato leiloadas, preveem investimentos na ordem de R$ 203 bilhões ao longo do tempo. São 21 terminais portuários, dois portos, 16,5 mil quilômetros de rodovia, incluindo a Dutra e a CRT, e 1,4 mil quilômetros de novas ferrovias.
Atividades da EPL não poderiam ser incorporadas pelo governo?
Questionado se as atividades prestadas pela EPL não poderiam ser incorporadas pelo Ministério da Infraestrutura, o presidente da estatal diz que a companhia é mais ágil na prestação dos serviços do que uma pasta ministerial.
“Por sermos empresas, temos característica de sermos mais ágeis. Dentro de uma estrutura do governo federal, existem as amarras como a 8.666 [lei das licitações], que exige uma metodologia de contratação diferente, enquanto nós aqui como empresa nós não temos tanta rigidez para contratar”, diz Arthur Luis Pinho de Lima.
“E como o estudo [de infraestrutura] demanda contratação de empresas capacitadas e especialistas nas áreas que fazem, nós entendemos que essa metodologia do governo ao criar uma empresa possibilita aumentar sua capacidade de entregas para o cidadão”, completa, ao se referir sobre a necessidade de a EPL precisar contratar outras empresas para ajudá-la nos projetos de concessão.
A estatal tem um quadro aprovado de 143 funcionários, entre pessoas cedidas pela administração direta e comissionados. Atualmente, 125 pessoas trabalham na empresa. Ela aluga um escritório na área central de Brasília para manter suas instalações.
Estatal depende de recursos do governo para se manter
A EPL é uma das 18 estatais que dependem de recursos da União para se manter, por isso classificadas como estatais dependentes. Ela não gera receita suficiente para bancar suas despesas e depende de subsídios do Tesouro para funcionar. Isso desde a sua criação.
No ano passado, a União enviou R$ 64,73 milhões à companhia, que tem um grau de dependência (percentual das despesas não cobertas com as receitas geradas pela empresa), de 98%. O secretário Salim Mattar, responsável pelas privatizações, já afirmou ser contra a manutenção de estatais dependentes que prestam serviços que poderiam ser feitos pela iniciativa privada.
O presidente da EPL, por outro lado, não considera ruim o custo que o governo tem para manter a empresa. “Nós consideramos como um investimento. Por exemplo, nós somos a grande empresa que estrutura logística no país. isso não tem preço para o governo federal”, defende-se. “Ouso a dizer que não existe uma empresa no Brasil que entenda tanto de concessões rodoviárias como a EPL.”
Lima admite que não há perspectiva para que a EPL alcance a sustentabilidade econômica financeira e deixe de ser uma empresa dependente de recursos da União. A estatal chegou até dar lucro (o seu primeiro) em 2018, mas o valor (R$ 1,7 milhão no positivo) foi alcançado contando o dinheiro que a empresa recebeu do Tesouro. Sem isso, ela fecharia no vermelho no ano passado em R$ 70,6 milhões.
"Estamos trabalhando fortemente para diminuir dependência do governo, acredito que com aumento dos estudos nós vamos ampliar a lucratividade, mas nós temos um pedaço que tem que ser subvencionado pelo Estado”, diz Lima. Ele completa: “A parte de planejamento não tem como ser precificada. É característica do estado estudar”.
Questionado se há algo na lei de criação da empresa que impede a EPL de prestar serviço para iniciativa privada, com o objetivo de aumentar sua receita, Lima diz que não. Contudo, o presidente afirma que o foco da estatal, segundo seu planejamento estratégico, é prestar serviço para o governo e não há planos para trabalhar com a iniciativa privada.
Ele afirma que a única ampliação será feita no sentido de prestar serviço também aos governos estaduais. Alguns contratos já estariam sendo negociados.
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