Certificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para treinar militares de alto escalão de outros países que vão atuar em missões de paz, o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil passou a receber, neste ano, militares de diversos países do mundo para prepará-los para atuação em forças de paz.
Criado em 2005, para treinar os brasileiros deslocados para a missão de paz no Haiti, o Centro vem sendo procurado pelas Forças Armadas de diversos países em busca do conhecimento brasileiro para ações em operações pacificadoras. Militares da Alemanha, Bolívia, Canadá, China, Espanha, Japão, Reino Unido, e, até, dos Estados Unidos, maior potência bélica do mundo, vieram atrás da expertise brasileira.
Além da experiência, considerada bem sucedida, no Haiti, onde liderou a missão de paz por 15 anos, o Brasil lidera, desde 2011, a força-tarefa marítima de paz no Líbano, para impedir a entrada ilegal de armas por via marítima no território libanês e para apoiar o treinamento das Forças Navais e de Segurança do Líbano, até que elas possam executar as tarefas por conta própria.
Neste ano, o Brasil também enviou 13 militares para a República Democrática do Congo, para atuarem como instrutores de atuação na selva na Missão das Nações Unidas. O Centro oferece também um curso internacional de operações na selva.
Como as Forças Armadas brasileiras vêm atuando exclusivamente em missões de paz, enquanto as forças americanas, por exemplo, têm atuação mais destacada em áreas de guerra, o país vem tornando-se referência para operações pacíficas.
Santos Cruz questiona real interesse dos EUA
Comandante das forças de paz da ONU no Haiti, o general da reserva e ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Alberto dos Santos Cruz, tem dúvidas sobre o real interesse dos Estados Unidos e questiona se os americanos submeteriam suas tropas às condições da ONU. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele lembra que os Estados Unidos não participam de nenhuma missão da ONU com tropas, apenas com elementos isolados, ocupando funções de observador militar ou de estado-maior.
O general cita que as experiências brasileiras mais recentes com emprego de tropas, que podemos considerar, são o Haiti (encerrada em 2017) e o Líbano, onde ainda há um contingente da Marinha em operação. “Essas missões que o Brasil participa são missões clássicas. Completamente diferente dos Estados Unidos que participa de missões de combate, no conjunto de ações com seus aliados em alguns locais do mundo, tais como Afeganistão e Iraque”, compara.
“Para participarem em missões de paz da ONU, os Estados Unidos terão que mudar completamente o seu padrão de conduta e de condições materiais das suas bases”, acrescenta.
Segundo ele, não existem indicações evidentes de que os Estados Unidos querem participar, com tropas, em missões de paz da ONU. “Inclusive, a atual administração Trump é bastante crítica do desempenho da ONU em missões de paz estabelecidas pelo Conselho de Segurança.” Santos Cruz afirma ser difícil comparar o desempenho do Brasil em missões de paz com as campanhas militares dos Estados Unidos, que são ações de guerra.
“Por exemplo, a participação do Brasil no contexto haitiano não tem nada a ver com a participação dos Estados Unidos no Afeganistão. Podem ser estudados os princípios utilizados e verificado o que é possível transferir de experiência, por exemplo, no trato com as diversas comunidades, o respeito cultural, os ganhos possíveis em integração com as comunidades (apesar das comunidades, etnias, nível de violência de grupos, religião, terrorismo, etc, serem completamente diferentes nos dois países). Isso é possível de estudar, analisar e aproveitar o que for possível desse estudo. Pode ser que esse seja o interesse norte-americano”, pondera.
O general ainda lembra que, logo após a invasão do Iraque (sem aval da ONU) pelos Estados Unidos e aliados, a ONU se deslocou para o Iraque, o que causou interpretação equivocada de que teria apoiado a invasão americana, e, por isso, sofreu um atentado em que morreu o chefe da missão. Mais recentemente, conta, a ONU aprovou o emprego da OTAN, representando a ONU na proteção de civis na Líbia, “sendo uma amarga experiência para a ONU, pois os Estados Unidos e seus aliados europeus atacaram as tropas líbias, o país foi destruído e até hoje não se encontrou, além de o terrorismo ter se espalhado para o sul da África a partir da Líbia”.
Para ele, esses são exemplos de empregos de tropas norte-americanas que fogem completamente da experiência brasileira.