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O Brasil não é mais um país em desenvolvimento, de acordo com o governo norte-americano de Donald Trump. Na segunda-feira (10), o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos publicou uma norma retirando 25 países, inclusive o Brasil, de uma lista de nações consideradas “em desenvolvimento”, que permitia a elas obterem benefícios comerciais na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Apesar de ter sido tratada por críticos do governo Bolsonaro como uma derrota da diplomacia brasileira, a mudança já estava no radar do Itamaraty e foi inclusive negociada com os EUA no começo de 2019. O governo brasileiro aceitou renunciar ao status de país em desenvolvimento na OMC (e perder os benefícios comerciais) em troca do apoio americano ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o clube das nações ricas.
“É a contrapartida que o Brasil estava dando para poder entrar na OCDE e ter as vantagens de passar a negociar com os países de melhor status econômico”, explica o analista político Carlo Barbieri. “O Brasil tinha acertado, quando costurou a entrada na OCDE, que abriria mão dessa condição de país em desenvolvimento. Não foi bem, como vi em algumas manchetes, que o Trump ‘tirou’ [o status]. O Brasil concordou.”
As desvantagens de ficar de fora da lista de nações com benefícios comerciais
Há algumas desvantagens para o Brasil em deixar de ser classificado como país em desenvolvimento, tanto pelos Estados Unidos como dentro da OMC.
Em relação aos Estados Unidos, a principal perda é uma menor tolerância para que o governo norte-americano investigue se o Brasil está prejudicando a indústria americana com subsídios injustos a suas exportações.
Na OMC, o status de país em desenvolvimento, que é autodeclarado, traz vantagens como períodos de transição mais longos após a adoção de alguns acordos e apoio técnico para se enquadrar nas regras do organismo.
Carlo Barbieri diz que o Brasil já não vem se utilizando das vantagens conferidas a países em desenvolvimento no comércio mundial. Desde 2013, o Brasil praticamente não faz uso dos benefícios da OMC para países em desenvolvimento. “O Brasil perde uma possibilidade que não está exercendo”, diz Barbieri.
Por isso, a troca feita com os Estados Unidos para obter o apoio à entrada na OCDE pode ser vantajosa, segundo o analista. No entanto, o país ainda está longe de usufruir das vantagens dessa troca. O processo para a entrada na OCDE é longo, podendo levar entre seis meses e alguns anos. Enquanto não se torna membro do organismo, diz Barbieri, o país poderá ficar num limbo temporário: sem os benefícios de uma nação em desenvolvimento e sem a vaga na OCDE.
Brasil não é mais país em desenvolvimento: decisão de Trump já era prevista
Desde o ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dava sinais de que queria mudar os critérios para a classificação dos países. A medida é um ataque sobretudo a nações como China e Índia, duas potências econômicas mundiais que, segundo Trump, aproveitam-se do status de “em desenvolvimento” para obter benefícios comerciais.
“A OMC está quebrada se os países mais ricos do mundo afirmam ser países em desenvolvimento para se esquivarem de suas regras e obterem tratamento especial. Isso acabou! Hoje eu ordenei que o representante comercial dos Estados Unidos tome medidas para que os países parem de enganar o sistema às custas dos Estados Unidos!”, disse Trump, via Twitter, em junho de 2019.
Em documento oficial comunicando a decisão, o governo americano disse que a mudança nos critérios para a lista era necessária porque os antigos parâmetros usados para classificar o status de desenvolvimento dos países estavam obsoletos. A atual lista é baseada em critérios estabelecidos em 1998.
Trump quer criar nova tendência: bilateralismo acima do multilateralismo
A decisão de mudar os critérios de classificação do nível de desenvolvimento dos países segue uma nova tendência mundial, que os Estados Unidos lideram: a de priorizar as parcerias bilaterais no comércio exterior, em lugar do multilateralismo vigente especialmente a partir dos anos 1990, década em que foi fundada a OMC.
“A nova tendência são as negociações diretas entre os países, digamos assim, nacionalistas populistas, que seriam Inglaterra, Brasil, Estados Unidos, México…”, diz Barbieri. “No que depender dos Estados Unidos, essa vai ser a nova regra.”
Com a medida de reavaliar a lista de países em desenvolvimento, o governo norte-americano segue a linha do mote da campanha de Trump, “America First” (América em primeiro lugar), e sinaliza à comunidade internacional que não quer mais tolerar a excessiva intervenção de organismos globais no comércio sob o pretexto de proteção das nações mais pobres. Desde a campanha para a presidência, Trump critica a concorrência assimétrica com a China que, segundo ele, esses organismos ajudam a promover.