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Três ex-integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) expuseram, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o movimento, uma série de relatos sobre o funcionamento de acampamentos no sul da Bahia. Permeados por relatos de ameaças e agressões, as declarações detalharam a vida dos acampados e a relação com as lideranças do movimento. O relato de Vanuza dos Santos de Souza, ex-integrante do Acampamento Fábio Henrique (chamado também de “São João”), localizado no município de Prado, apontou inclusive a participação do deputado Valmir Assunção (PT-BA) em ações do movimento.
Elivaldo Costa, presidente do Projeto de Assentamento Rosa do Prado, e Benevaldo da Silva Gomes também são ex-integrantes do MST e relataram que, ao contrariar as lideranças dos assentamentos ao qual pertenciam, buscando obter os documentos das terras que ocupavam, eles foram ameaçados de expulsão do assentamento, além de sofrer constantes ameaças contra às suas integridades físicas. “Quem ousa não obedecer a ordem deles, desce o barranco, como eles dizem”, afirmou Costa, que explicou que a expressão é utilizada para indicar que a pessoa é expulsa do acampamento ou assentamento.
Em nota publicada em seu site oficial, o MST classificou os depoimentos como “uma série de acusações infundadas”. Ainda, de acordo com a nota, Costa seria um “militante bolsonarista” que fazia parte de um grupo que apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Tal grupo, durante a gestão Bolsonaro, valia-se da promessa de titulação dos lotes nos assentamentos para cooptar famílias e tensionar a relação delas com o MST”, acrescenta a nota. A nota na íntegra pode ser conferida no site oficial do MST (link).
MST faz falsas promessas, diz ex-integrante do MST
A “metodologia para captar pessoas na zona urbana” usada pelo MST foi denunciada no depoimento de Costa, também conhecido como Liva do Rosa. “Há uma falsa promessa de que eles vão dar a terra se a gente cumprir com o que eles [lideranças do MST] pedem que a gente faça”, disse o ex-integrante do movimento. Ele teria participado do MST durante pelo menos 9 anos e neste período teria participado de inúmeras invasões. A afirmação foi reforçada pelos outros ex-integrantes do MST que prestaram depoimento à CPI na tarde desta terça-feira (8).
Interrogado pelo relator da CPI, deputado Ricardo Salles (PL-SP), se o MST busca um perfil específico de pessoas com conhecimento sobre produção agrícola para participar do movimento, o ex-militante afirmou que “isso não importa para o MST”. "O MST quer um RG, um CPF e um título de eleitor e a partir dali começa a doutrinação”, disse Liva do Rosa, que mostrou cadernos que teriam sido usados por ele durante as “aulas de doutrinação”.
Ao descrever sua vivência durante o tempo que participou do movimento, o depoente afirmou que sofreu ameaças, retaliações e também expôs o funcionamento interno do MST no sul da Bahia, incluindo a atuação das lideranças durante as invasões de terras. “Os assentados são utilizados como instrumento para pressão, recebiam motivos diferentes do que seria o real propósito, e eram forçados a participar dos conflitos”, disse Liva do Rosa.
Em seu depoimento, ele ainda destacou ainda que os assentados são obrigados a trabalhar de um a dois dias por semana para as lideranças dos assentamentos. “Tínhamos que limpar os fundos das casas das lideranças, cuidar da guarita ou cuidar das áreas coletivas, de acordo com o que os militantes nos mandavam”, afirmou.
Vanuza foi agredida por discordar do MST
Vanuza contou que foi agredida em abril de 2021, junto dos filhos de 8 e 18 anos, e expulsa de sua casa que foi vandalizada e parcialmente destruída. Antes disso, diante das constantes ameaças, ela diz que solicitou às autoridades locais e estaduais que os assentados fossem protegidos pelas forças de segurança do estado. De acordo com a agricultora, a agressão que ela sofreu aconteceu após manifestar discordância com ações do MST.
A ex-integrante do movimento relatou à CPI do MST que ocupou sedes e fazendas da Suzano, enfatizando que as mesmas eram produtivas e tinham funcionários trabalhando no local no momento das invasões.
“Nós éramos orientados a derrubar o eucalipto nas fazendas da Suzano. Os militantes se apropriavam das coisas da fazenda, como maquinário, equipamentos e ferramentas”, disse a agricultora. Vanuza também relatou que eram designados para as invasões sem saber ao certo o que fariam ou qual seria o destino. “Éramos convencidos a participar de invasões. Eles [militantes do MST] diziam que as terras nos pertenciam”, acrescentou a ex-integrante do MST.
Em vários momentos de seu depoimento, Vanuza mencionou a participação do deputado Valmir Assunção no movimento, se referindo a ele como um dos principais líderes do MST no sul da Bahia. “Ele comparecia com frequência no assentamento”, disse Vanuza, que em meio a um relato emocionado confessou estar envergonhada por ter votado no deputado por diversas vezes, na esperança de assim conseguir o lote para morar e trabalhar.
O deputado Valmir Assunção foi procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, mas não retornou até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Dinheiro e voto era cobrados de assentados
Os ex-integrantes do MST relataram ainda que os militantes do MST cobravam pelo menos 5% de todos os recursos obtidos pelos assentados. “Era dinheiro para a manutenção do movimento, para uma questão política. Também tínhamos que dar uma mesada de R$ 10 que era a contribuição para a [coordenação] nacional”, explicou Liva do Rosa.
Em casos de discordância ou não pagamento dos valores, os ex-integrantes relataram que os assentados eram ameaçados de expulsão. “Uma ou duas vezes até passava, mas depois eles mandavam embora”, disse Gomes, que relatou ainda que foi obrigado a participar de uma “atividade” de expulsão contra Liva do Rosa.
Vanuza, por sua vez, destacou que nos assentamentos, apenas uma parte da área invadida era usada pelos assentados. “Nós tínhamos os nossos lotes, mas a maior parte era arrendado para fazendeiros. No meu assentamento tiravam R$ 40 mil”, afirmou a agricultora.
A pressão pelo voto também foi destacada pelos três assentados. “Dentro do assentamento tem uma urna e ali eles controlavam os votos”, disse Liva do Rosa.