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O perito em crimes cibernéticos Eduardo Tagliaferro, ex-servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que houve um direcionamento ideológico nas investigações comandadas pelo ministro Alexandre de Moraes nos inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele disse que a direita era mais investigada do que a esquerda.
Mensagens reveladas pela Folha de S. Paulo mostram que Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), era responsável pela apuração, investigação e elaboração de relatórios encomendados pelo então presidente do TSE.
“Posso afirmar que a direita foi mais investigada sim. Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições”, disse Tagliaferro em entrevista ao blog do Fausto Macedo, do Estadão.
Indagado sobre qual seria a orientação de Moraes acerca das investigações, Tagliaferro voltou a dizer que a ordem era cumprir o trabalho de forma rápida e que não havia alternativa em não cumprir o que era ordenado.
“Cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto. Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado. Várias vezes trabalhávamos de fim de semana, precisávamos voltar em emergência para trabalho presencial em Brasília”, disse na mesma entrevista.
Ele também negou que tenha sido o responsável por vazar as conversas com Airton Vieira, juiz auxiliar de Moraes no STF. Na quinta-feira (22), ele prestou depoimento na Polícia Federal sobre o caso.
“Não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo sim”, afirmou ao veículo paulista.
Entenda o caso
Trocas de mensagens entre servidores do STF e do TSE, obtidas pela Folha de S. Paulo, mostraram que o gabinete de Alexandre de Moraes teria ordenado informalmente à Justiça Eleitoral a produção de relatórios contra apoiadores de Bolsonaro e comentaristas de direita para embasar decisões do ministro em inquéritos em andamento na Corte.
A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas. Todos os pedidos para investigação e produção de relatórios eram feitos via WhatsApp, sem registros formais.
As conversas vazadas envolveram Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), órgão que era subordinado a Moraes na corte eleitoral.
As mensagens e áudios ocorreram entre agosto de 2022 e maio de 2023 e mostram perseguição aos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, à Revista Oeste, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), entre outros nomes de direita.
O que Moraes disse sobre as mensagens
A reportagem solicitou no sábado (24) e neste domingo (25) ao STF os posicionamentos do ministro Alexandre de Moraes sobre as afirmações feitas por Eduardo Tagliaferro. Se o retorno for enviado, esse texto será atualizado.
Antes disso, Moraes se manifestou no início da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 14 de agosto para se defender das revelações de que seu gabinete teria pedido à Justiça Eleitoral para elaborar relatórios para embasar decisões em inquéritos que tramitavam na Suprema Corte sob sua relatoria. Moraes disse que seria "esquizofrênico" se auto-oficiar ao justificar pedidos de informações ao Tribunal Superior Eleitoral.
"Obviamente o caminho mais eficiente era solicitar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já que a Polícia Federal, num determinado momento, pouco colaborava com investigações", alegou Moraes. "Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE me auto-oficiar, até porque como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder de determinar a feitura dos relatórios", explicou.
O ministro disse ainda lamentar que "interpretações falsas" acabem produzindo o que se pretende combater no Brasil, que são notícias fraudulentas, e assim desacreditar o Judiciário e a democracia brasileira.
Além disso, em nota enviada à Gazeta do Povo em 13 de agosto, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes negou quaisquer irregularidades nas requisições dos relatórios. Moraes argumentou que o TSE, "no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas".
"Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais", diz o comunicado.
O gabinete do ministro reforçou que "todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República".
A Gazeta do Povo pediu ao STF e ao TSE esclarecimentos dos juízes e auxiliares de Moraes, mas não obteve retorno naquela oportunidade.