O presidente Jair Bolsonaro enviou um novo projeto ao Congresso Nacional que prevê excludente de ilicitude para agentes de segurança. Desta vez, o projeto tem o objetivo de proteger servidores envolvidos em operações de Garantia de Lei e de Ordem (GLO), decretadas pelo presidente a pedido dos estados para controlar situações críticas de segurança pública. O projeto enviado por Bolsonaro, porém, encontra resistências no Congresso e pode esbarrar em ilegalidades.
Para quem vale o novo texto
O novo texto vale apenas para agentes de segurança que participam de GLOs e traz situações que podem ser classificadas como legítima defesa caso um desses agentes mate um civil durante as operações. As ações de Garantia da Lei e da Ordem foram acionadas, por exemplo, no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, para o recebimento de refugiados em Roraima e durante a crise penitenciária em Rondônia e no Rio Grande do Norte. O decreto também pode ser assinado durante grandes eventos internacionais.
O texto enviado por Bolsonaro ao Congresso classifica como legítima defesa quando um agente de segurança reprimir a prática de atos de terrorismo e condutas capazes de gerar morte ou lesão corporal, como restrição de liberdade de vítimas e o porte de armas de fogo.
O presidente defendeu o projeto em uma transmissão ao vivo realizada na última quinta-feira (28). “Nosso projeto de lei de excludente de ilicitude, botamos ali, que se o lado de lá tiver um comportamento hostil ele pode receber tiro do lado de cá”, disse o presidente. “O que nós queremos é que em GLO, que todo mundo vai saber que aquele estado está em situação de emergência, o pessoal da força de segurança vai para lá e se encontrar, por exemplo, alguém portando uma arma de forma ostensiva, ameaçando vítimas, tá com a arma na cabeça de uma pessoa, pode o sniper atirar e ele vai ser condecorado”, completou Bolsonaro.
Projeto encontra resistência no Congresso
O projeto enviado pelo governo deve encontrar resistência no Congresso Nacional. A bancada do PSOL na Câmara chegou a protocolar um ofício pedindo que o presidente da Casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), devolva o projeto enviado pelo presidente. O partido argumenta que o projeto “cria uma verdadeira licença para matar, estimula a violência e viola princípios sensíveis da Constituição Federal”.
O PSOL também argumentou, no documento, que a proposta visa impedir “o aumento das mobilizações de rua no país”, além de ferir princípios constitucionais, como liberdade de manifestação e associação.
"É um total desrespeito à Constituição Federal e aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Compete, portanto, ao Presidente da Casa chamar o feito à ordem para, nos termos do que determinam a Constituição Federal e o Regimento Interno, comunicar ao Presidente da República a imediata devolução do texto por sua manifesta inconstitucionalidade e, em juízo prévio de admissibilidade, zelar pelo respeito às cláusulas pétreas da Constituição Federal, evitando a consolidação de atos autoritários e antidemocráticos", diz o ofício.
Bolsonaro nega que objetivo seja reprimir manifestações
Na transmissão ao vivo realizada na semana passada, Bolsonaro rebateu a acusação de que tenha o objetivo de reprimir manifestações. “O pessoal está levando para um lado de manifestação. Pessoal que está em Copacabana ali, fazendo manifestação, tá na Lagoa Rodrigo de Freitas soltando pombinhos. Não é nada disso, é GLO. Não tem GLO, não vale nosso projeto de excludente de ilicitude”, disse o presidente.
Em 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) chegou a decretar uma GLO em Brasília para conter manifestações. A medida foi tomada contra um ato de violência realizado durante os atos na capital federal. As manifestações eram contra as reformas trabalhista e da previdência e pediam a saída de Temer do cargo.
“A questão ali, eles estão receosos que haja manifestação violenta nas ruas a exemplo do Chile”, defendeu a constitucionalista e mestre em direito público pela FGV, Vera Chemin. “Ai demandaria intervenção das polícias, das forças armadas. Todo direito fundamental não é absoluto, eles têm limites constitucionais ou legais”, ressalta.
Excessos serão punidos
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo ressaltam que já há previsão de excludentes de ilicitude que podem ser aplicados em casos de agentes de segurança. Chemin ressalta, ainda, que mesmo que o projeto seja aprovado pelo Congresso, ainda haverá mecanismos para punir policiais que cometem abusos.
“De um lado há que se proteger o policial, assim como que se há de proteger a sociedade, agora, nenhum direito é absoluto. A depender da situação que o policial se envolva, não teremos que considerar nenhum tipo de excludente de ilicitude”, disse a constitucionalista. “Nesse sentido, temos legislação suficiente para proteger a sociedade em casos de policiais extrapolarem suas funções. A lei de abuso de autoridade está prestes a entrar em vigor. O policial que abusar da função dele ele já está sabendo que poderá até ser preso”, completa.
Quem pode se enquadrar no novo projeto de excludente de ilicitude
O projeto do governo enquadra nas novas hipóteses de excludente policiais federais, policiais rodoviários e ferroviários federais, policiais civis, policiais militares e bombeiros militares. Membros das Forças Armadas e da Força Nacional de Segurança também estão contemplados no projeto.
O texto ainda proíbe a prisão em flagrante desses agentes de segurança pública quando estiverem enquadrados nas hipóteses definidas de legítima defesa.
Em caso de inquéritos ou abertura de processos criminais contra agentes de segurança que atuaram em GLOs, o governo prevê que a defesa será feita pela Advocacia Geral da União (AGU).
Para o advogado criminalista, com atuação na área de Direito Penal Militar, Eduardo Miléo, a atuação da AGU é incompatível com a defesa de agentes de segurança. “A AGU se presta a uma advocacia institucional, da União, talvez isso seja incompatível com a natureza da AGU”, avalia. “Pode existir incompatibilidade entre o que a União tem de interesse em uma causa e o que o agente possa ter”, alerta.
“A AGU se manifestaria se fosse o conjunto de policiais federais como um todo [respondendo a um processo]. Se for um único policial federal, sozinho, teria que pegar advogado comum”, opina Chemin. “AGU entraria no máximo como parte interessada”, completa.
Código Penal já prevê excludente de ilicitude
O Código Penal brasileiro já traz previsões de excludente de ilicitude em três situações: quando o crime é praticado em estado de necessidade; em legítima defesa; ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. O texto prevê punição apenas em casos de excessos.
O Código Penal considera estado de necessidade quando alguém “pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
Já a legítima defesa é entendida quando alguém “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Outro projeto de excludente de ilicitude ainda está parado na Câmara
Esse é o segundo projeto envolvendo excludente de ilicitude que o governo envia para o Congresso neste ano. Em fevereiro, ao enviar o pacote anticrime para análise dos parlamentares, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, propôs alterações no Código Penal neste ponto.
O excludente de ilicitude foi retirado do pacote pelo grupo de trabalho que analisou a proposta na Câmara, mas apoiadores de Moro ainda afirmam que vão tentar retomar esse ponto na votação em plenário.