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Cerca de dois meses após a publicação da portaria que regulamentou a retomada da emissão de licenças para CACs (sigla para Caçador, Atirador e Colecionador), o número de pedidos de novos Certificados de Registro, que é o documento que habilita o cidadão para, entre outras coisas, adquirir armas e munições junto ao Exército, está crescendo. Foram 8.393 novos requerimentos em todo o Brasil, dos quais 2.303 foram atendidos, segundo dados do Exército
A emissão de Cenrtificados de Registro pelo Exército ficou travada por um ano porque na sua primeira semana de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu revogar as normas que haviam tornado mais fácil a aquisição de armas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A Polícia Federal vinha emitindo quantidades limitadas de autorizações para compra de armas para serem mantidas em residências e comércios, mas a paralização da emissão de Certificados de Registro (que permite a prática do tiro esportivo) fez muitos clubes de tiro falirem em 2023.
De acordo com o Exército, de 22 de dezembro do ano passado até a última semana de fevereiro, 8.393 pessoas deram entrada em pedidos de Certificados de Registro de CAC. Deste número, 2.303 pedidos foram deferidos, 663 foram devolvidos por algum tipo de inadequação ou por falta de documentos e 1.428 foram negados, pelo candidato não se adequar às normas para ser um atirador, como, por exemplo, ter antecedentes criminais ou não comprovar uma ocupação lícita. Segundo o Exército, outros 3.999 pedidos seguem em análise.
A emissão de novos registros foi destravada pela Portaria 166, publicada em 22 de dezembro do ano passado, prevê um prazo de até 60 dias para que o Exército responda a cada pedido de certificação. Ela foi estabelecida com base em um decreto do governo de julho de 2023.
O Exército mobilizou recursos para tentar normalizar o mais rápido possível a demanda dos atiradores que havia sido represada pelo decreto de Lula e agora a diferença é que há um prazo máximo estabelecido para que o cidadão receba uma resposta.
Por outro lado, o Exército está apostando no rigor da seleção de quem está realmente apto para se tornar um atirador. A ideia é filtrar quem não está habilitado ou que tenta obter o Certificado de Registro somente para poder adquirir armas mais potentes sem participar de competições, caçadas ou para investir em coleções.
Para Demétrius Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Importação de Armas e Materiais Bélicos (ABIAMBI), apesar de mais de 8 mil pedidos terem sido protocolados, o número ainda está muito abaixo do esperado, porque há uma demanda represada. Isso seria um sinal de que o cidadão ainda observa com muita desconfiança as medidas de regulação do acesso a armas de fogo impostas pelo governo do presidente Lula. “Até parece de propósito. As legislações são confusas. Acredito que os interessados ainda estão tentando entender como tudo isso vai funcionar. Acredito que ao longo do ano essa demanda aumente muito”, afirmou.
Oliveira disse ainda que o fluxo de pedidos ainda pode demorar para ser normalizado. Isso porque mais de 140 mil processos protocolados antes do decreto 11.615/23 tiveram que ser restituídos aos interessados para adequação as novas regras e inclusão de mais documentos, como os comprovantes de residência referentes aos últimos cinco anos de domicílio dos atiradores.
Clubes e lojistas comemoram possibilidade de saírem do vermelho
Apesar da insegurança e das incertezas, lojas e clubes de tiro de todo o país comemoram a possibilidade de finalmente sair do vermelho. Ao longo de todo 2023, o setor armamentista ficou praticamente parado, com uma queda de até 85% na arrecadação em alguns clubes de tiro. Muitos estabelecimentos fecharam as portas nos últimos 12 meses, resultando em um total de quase 79 mil demissões no seguimento, segundo estimativa da Associação Brasileira de Importação de Armas e Materiais Bélicos.
Lindemberg Melo é proprietário de um clube de tiro em Brasília, no Distrito Federal. Segundo ele, desde a publicação do primeiro decreto do atual mandato do presidente Lula, em janeiro do ano passado, as atividades nos clubes e lojas despencaram. O faturamento também caiu significativamente. “No clube somos três sócios-proprietários. Desde que começamos a apertar o cinto, paramos de retirar dinheiro do clube. O pouco que entrava era para pagar as contas e garantir que nenhum colaborador fosse demitido. Graças a Deus, conseguimos sobreviver a 2023. Infelizmente vários outros clubes não tiveram a mesma sorte”, desabafou.
Atiradores se uniram para tentar evitar falência de clubes
Uma das formas encontradas pelos estandes de tiro para enfrentar o bloqueio de emissões de certificados novos em 2023 foi a criação de diversas novas modalidades de tiro esportivo, atraindo os atletas já licenciados para o estande e apostando na união entre os que defendem o direito de acesso às armas de fogo. “Muitos dos atletas vinham participar das competições apenas para ajudar o clube. Faziam quatro, cinco inscrições. Competiam em vários clubes no mesmo dia, só para ajudar na arrecadação e, claro, reencontrar amigos que dividem os mesmos ideais de liberdade de escolha”, explicou Lidembergue.
Apesar da portaria ter sido publicada no dia 22 de dezembro do ano passado, a recomendação do Comando Logístico do Exército (Colog) foi para que os novos processos só fossem protocolados a partir do dia 12 de janeiro, para que o Colog tivesse tempo para adequar a plataforma eletrônica utilizada para gerir toda a demanda dos CACs, à alta demanda esperada para a retomada dos trabalhos.
Além disso, o Exército precisou devolver aos clubes, lojas e aos próprios atiradores mais de 140 mil processos que haviam sido protocolados antes da entrada em vigor das novas regras, para que os responsáveis incluíssem os novos documentos que passaram a ser cobrados pelo governo, como comprovantes de residência dos últimos cinco anos. Até o final do ano passado, era necessário apresentar apenas um comprovante recente.
Mesmo com toda a burocracia, o setor está animado. Janderson Batista trabalha em uma loja de armas e munições na capital federal. “Fechamos o segundo semestre de 2022 com uma média de R$ 150 mil em vendas por mês. Já o ano passado foi terrível. Tivemos meses em que não entrou nem R$ 10 mil em caixa. Eu vinha trabalhar todos os dias esperando a notícia da demissão”, explicou.
Entre as mudanças regulamentadas pela nova portaria está a volta dos níveis para os atiradores esportivos. Essa classificação serve, entre outros pontos, para diferenciar a quantidade de armas e munições que cada atleta pode adquirir ou manter nos seus acervos de acordo com sua experiência.
No nível 1, o CAC deve comprovar, a cada 12 meses, ao menos oito treinamentos ou competições em estandes. Essa categoria permite a aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido, além da autorização para a aquisição de até quatro mil cartuchos por atirador.
Já no nível 2, o atleta precisa comprovar junto ao Exército ao menos doze treinamentos e mais quatro competições – para cada calibre que ele possuir. Os atiradores de nível 2 podem adquirir até oito armas de fogo de uso permitido e até dez mil cartuchos por ano.
O nível 3 já dá aos atiradores o direito de possuir armas de uso restrito, aquelas com maior potência, como pistolas nos calibres 9mm, 40 e 45, espingardas, carabinas e fuzis semiautomáticos. São 16 armas no total, além de 20 mil cartuchos por atleta. Para chegar ou manter esse nível, o CAC precisa comprovar no mínimo 20 treinamentos a cada 12 meses, e mais seis competições, sendo ao menos duas delas de caráter nacional ou internacional.
Para Lidemberg Mello, o momento pede paciência. “Antes de ser dono de clube de tiro eu já era atleta. Passei por vários momentos delicados na nossa política e mesmo assim continuo aqui. Governos passam, mas, o tiro esportivo é eterno. A primeira coisa que aprendemos quando abraçamos este esporte é a ter paciência. É isso que eu peço a todos amam o tiro esportivo, que amam o direito de escolha: tenham paciência!”