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O Comando do Exército publicou nesta quarta-feira (27) uma portaria que finaliza a regulamentação do novo decreto de armas do governo Lula, publicado em julho deste ano. O texto promove regras sobre níveis e habitualidade dos Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), validade de laudos psicológicos, limites de armas para clubes de tiro, entre outros pontos.
A portaria ainda estabelece os critérios para a compra de armas e mantém a emissão de autorizações de compra de armas pelo Sistema de Gestão Corporativo (SisGCorp) do Exército. Especialista ouvido pela reportagem apontou que novo texto "traz mais restrições, mais burocracias e mais custos". Além de "tornar o tiro esportivo realmente algo de elite".
De acordo com a regulamentação, os Certificados de Registro (CRs) já concedidos ou novos terão três anos de validade. Para os CRs que saíram antes do novo decreto de armas, publicado em julho, a data-base fica como a da publicação do decreto. Ou seja, fica como se o CR tenha sido emitido em 21 de julho, vencendo apenas em 21 de julho de 2026. Para os novos registros, que ainda serão emitidos, a data passa a ser a partir do dia da concessão do documento.
O laudo de avaliação psicológica terá dois anos de validade, a partir de sua data de emissão. E segundo o texto, a validade “será de, no máximo, dois anos, a contar da data de emissão do laudo, de acordo com a Resolução nº 01 do Conselho Federal de Psicologia, de 21 de janeiro de 2022”.
Níveis do CACs
A portaria estabelece, assim como no decreto, que os CACs passam a ter três níveis de atirador. Eis as exigências e as diferenças entre os níveis:
- nível 1: oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, a cada 12 meses; podendo ter no máximo quatro armas de uso permitido;
- nível 2: 12 treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, distrital, regional ou nacional, a cada doze meses; podendo ter até oito armas de uso permitido;
- nível 3: 20 treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de 12 meses; podendo ter até 16 armas, sendo quatro de uso restrito.
A validade dos níveis é de 12 meses, ou seja, cada atirador deverá comprovar sua habitualidades e competições junto ao Exército a cada 12 meses.
No caso dos atiradores que já possuíam CR antes da publicação da portaria, “serão classificados também no nível 1, os atiradores desportivos registrados junto ao SIGMA (…) que não comprovarem oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, durante o período de 12 meses”.
Caso não seja comprovada a habitualidade do CAC, ele estará estarão sujeito à não-revalidação do CR. Com isso, deverão “adequar seu acervo, à quantidade permitida para o referido nível, ressalvadas as armas de uso restrito adquiridas anteriormente” ao decreto de armas.
"Havendo desacordo quanto à quantidade e/ou quanto ao uso (permitido ou restrito) estabelecido para o nível comprovado, conforme o §11, as armas deverão ser transferidas ou entregues à Polícia Federal para destruição, no prazo de 90 (noventa) dias do recebimento da notificação de indeferimento do processo de revalidação do CR”, explica o Exército na portaria.
Habitualidade por calibre e aquisição de armas
Um dos pontos de maior divergência entre o governo e os atiradores é o que trata das “habitualidades por calibre”. Na nova regulamentação, ficou definido que a habitualidade dos atiradores deverá ser feita por calibre registrado, o que traz uma dificuldade maior aos atiradores que possuem vários calibres.
Se um atirador nível 1 tem quatro calibres, deverá ter oito habitualidades para cada. Se for nível 2, precisará de 12 habitualidades para cada calibre diferente, e se for nível 3, 16 treinamentos por calibre.
Em relação à aquisição de armas de fogo, o texto estabelece a obrigatoriedade de anexar os mesmos documentos que são necessários para obtenção do CAC: comprovante de ocupação, certidões negativas de antecedentes criminais, endereço e habitualidade (menos para novos CACs ou para quem não tenha arma no acervo).
Os acessórios considerados como PCE (Produtos Controlados pelo Exército) também poderão ser adquiridos apenas mediante autorização do Exército, com apostilamento no CR.
Também ficou estabelecido que as máquinas de recarga estão permitidas a atiradores. No entanto, “poderão ser adquiridos unicamente os equipamentos de recarga não pneumáticos, para a execução da atividade exclusivamente de forma artesanal”.
A quantidade de insumos varia de acordo com o nível de atirador:
- nível 1: 3kg de pólvora;
- nível 2: 6kg de pólvora;
- nível 3: 12kg de pólvora.
Outra mudança com a regulamentação é que as entidades de tiro terão um limite para aquisição de armas, de acordo com sua classificação perante o Exército:
“I – entidades de prática de tiro (clubes): até 20 (vinte) armas;
II – entidades de administração de tiro (regional): até 40 (quarenta) armas; e
III – entidades de administração nacional de tiro: até 60 (sessenta) armas”.
Avaliação de um especialista em armas
Para o escritor, analista de segurança pública e especialista em armas e munições Benedito Barbosa, que é autor do livro "Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento", a nova portaria vai ao encontro dos últimos decretos da "vingança" do atual governo. "Não houve uma base técnica nas alterações, mas sim uma vingança contra o governo anterior e contra os próprios CACs, que majoritariamente apoiaram o governo anterior", disse Barbosa.
O especialista aponta que o novo texto "traz mais restrições, mais burocracias e mais custos". Além, de "tornar o tiro esportivo realmente algo de elite". "O governo que se diz tão preocupado com o popular com o mais pobre, são exatamente esses que serão os mais prejudicados, ao ponto de muitos não conseguirem continuar sendo atiradores esportivos, devido aos custos envolvidos e as habitualidades de quantidades", explicou.
Entre os pontos mais preocupantes, Barbosa cita a questão da localização dos clubes de tiro, que não poderão funcionar a menos de mil metros de nenhum tipo de escola. "Isso inviabiliza praticamente todos os clubes de tiro que ficam na área urbana, e grande parte de clubes que estão em áreas afastadas. Se for mantido assim e se isso for cobrado não restará alternativas para esses clubes fecharem as portas e ter mais demissões", disse.
Barbosa também cita que alguns pontos ultrapassaram "o poder regulatório da União e adentrou no poder regulatório que é do município. "Isso em determinado momento vai ter que ser discutido e possivelmente deve chegar ao STF, mas a gente não sabe exatamente ou até sabe qual seria uma decisão do STF nesse sentido", apontou o especialista.