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Analistas de segurança consultados pela Gazeta do Povo apontaram dificuldades estruturais do sistema de inteligência no Brasil após o atentado em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de quarta-feira (13).
O autor das explosões, Francisco Wanderley Luiz, que morreu com um dos artefatos explosivos, havia postado mensagens em suas redes sociais antes do incidente que indicavam uma preparação para os atos com bombas. Ele também teve acesso, segundo a Polícia Federal, à grande quantidade de material explosivo para fabricação de bombas caseiras que foram encontradas em uma casa e em um trailer alugados por ele.
Em uma das publicações que fez em seu perfil no Facebook, Francisco Luiz chegou a se despedir e deixou recados à Polícia Federal, denominando a ação como “revolução para libertar o país” e que isso ocorreria de 13 a 16 de novembro. Para o especialista em segurança pública Marcelo Almeida, o episódio mostra a necessidade de um aprimoramento das forças de segurança que atuam com inteligência.
"Esse homem mobilizou muita coisa para chegar onde chegou. Se ele não chamou a atenção de ninguém nesse percurso todo, algo falhou e falhou gravemente”, disse. Para o especialista, não se tratava de alguém com experiência ou treinamentos para atos violentos, caso contrário, poderia ter resultado em uma tragédia ainda maior.
Além das mensagens públicas, Almeida questionou como Luiz teve acesso aos materiais explosivos para dar origem às bombas. “Mesmo que sejam fogos de artifício, não sabemos se foi apenas isso, mas existe um controle rigoroso para a venda. A quantidade não parecia pouca. Como ele comprou sem que isso chamasse a atenção?”, questiona.
Se os itens foram adquiridos no mercado legal, Almeida afirma que deve haver registro das aquisições com CPF, o que ainda será averiguado pela polícia. Mas ele avalia ser grave o fato de ter feito toda a aquisição e mobilização sem que chamasse atenção. “Isso pode representar uma falha grave à segurança”.
O especialista Sérgio Leonardo Gomes, que atuou no serviço de inteligência federal, fez a mesma ponderação. “Se ele vinha programando isso há tempos, como nunca chamou a atenção os atos preparatórios, a compra do material, a forma como isso foi adquirido? Questões que deveriam chamar atenção antecipadamente à segurança e que agora caberá à investigação responder”.
Ao comentar sobre as mensagem postadas por Luiz em suas redes sociais, Gomes destacou a importância do trabalho de prevenção. “Infelizmente coisas assim são postadas a todo momento e provavelmente menos de 1% é realmente um risco. Não digo que houve falhas especificamente nesse caso, mas o Brasil não está preparado, ou não leva a sério esse tipo de prevenção”, afirma.
Já o advogado Alex Erno Breunig, especialista em segurança pública e coronel da reserva da Polícia Militar, afirma que explosões como as registradas nessa quarta em Brasília são difíceis de se prevenir.
“Para ser iniciada uma investigação ou monitoramento, há necessidade de que alguma mensagem de rede social aberta chegue ao conhecimento das autoridades, seja via denúncia, seja por monitoramento. Outra alternativa seria a rede social conseguir identificar o risco e repassar às autoridades”. Ele salienta que nenhuma das situações ocorreu.
Secretário de Segurança do DF defende monitoramento das redes sociais
Ao tratar de possíveis falhas na segurança pública, o secretário de Segurança do Distrito Federal, Sandro Avelar, que é delegado da Polícia Federal, afirmou à CNN que não se identificou diretamente falhas na segurança, mas afirmou que as investigações ocorrem no Distrito Federal (DF) e em Santa Catarina, estado de origem de Francisco Luiz. O autor das explosões estava morando há três meses no DF. Ele chegou a visitar o STF em 24 de agosto e postou fotos e um texto dizendo que “deixaram a raposa entrar no galinheiro”.
Avelar afirmou ainda que não trata da questão isoladamente e que a Praça dos Três Poderes é uma região muito sensível por ser bastante visitada. O secretário defendeu medidas de monitoramento das redes sociais para rastrear eventuais crimes em planejamento e que isso será facilitado com a criação do departamento antiterrorismo no DF.
“As mensagens postadas [por Francisco Luiz] nas redes sociais nos preocupam, é difícil para configurar uma ameaça real ou falácia, nossa obrigação é tentar apurar o que chega ao conhecimento. Fazemos um apelo à comunidade sobre perfis dispostos a cometer um crime, que denuncie, vá ao disque denúncia sem identificação. [É preciso] criar ferramentas para que a sociedade, ao tomar conhecimento de pessoas com esse perfil, ajudem à Polícia Civil ou à Polícia Federal para que possamos nos antecipar, temos recursos de fiscalizar, mas não é fácil fazer com um número imenso de pessoas que usam as redes sociais, [separar] o que é uma ameaça real do que é uma falácia”.
Mas o problema não está apenas nas mensagem postadas na rede social. Gomes aponta que, além de "um monitoramento permanente nas redes sociais, há que se fazer o levantamento de perfis de pessoas com risco à sociedade desde o ensino médio, universidades, registros policiais, denúncias”.
Breunig também apontou que as dificuldades de monitoramento no local onde ocorreu o ato, a exiguidade de estrutura das polícias para monitorar redes sociais abertas, entre outros fatores somados, fazem com que não se possa imputar responsabilidades pelo evento somente às autoridades de segurança pública, mas às limitações de ferramentas disponibilizadas pelo próprio Estado.
“A grande dificuldade é compatibilizar segurança pública com o direito à privacidade, intimidade e livre manifestação de opiniões. O Estado tem que possibilitar melhores estruturas para monitoramento de redes sociais abertas, maior controle de explosivos, maior rigor no policiamento, tendo estrutura, com pessoal, equipamentos e programas o monitoramento de redes sociais abertas pode ser feito com muita eficiência, mas também não é imune a falhas”, reforça ao avaliar que existem inúmeras postagens similares que se tratam de blefes e que para isso seria necessário um efetivo imenso somente destinado às apurações.
O advogado avalia que há deficiências estruturais e também de execução das ações. “Mas me parece que o fator preponderante é a reduzida estrutura disponível. Há tecnologias e métodos para reduzir os riscos de ocorrer esse tipo de situação, mas não há garantias de efetividade das medidas sem que isso importe em severas restrições de direitos e de liberdades individuais”.
Investigação vai ouvir pessoas próximas a autor de explosões
A Polícia Federal (PF) instaurou inquérito para investigar o caso como um “ato terrorista” e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O secretário de Segurança do Distrito Federal, Sandro Avelar, afirmou que pessoas próximas a Francisco Luiz serão ouvidas com o intuito de entender se “tratar de um lobo solitário” ou se agiu com o auxílio de mais pessoas.
Já Gomes diz ter convicção que a explosão em Brasília foi algo isolado, praticado por uma pessoa possivelmente desequilibrada, sem qualquer conhecimento profissional de atentados e sem preparo para a ação.
O especialista ressalta a importância de se aprofundar as investigações, mas defende que é preciso ter cautela no que diz respeito às pessoas que não têm ligações com a explosão e que eventualmente venham a ser consideradas cúmplices. “Imagina quem participava de algum grupo [nas redes sociais] em que [Francisco Luiz] participava, pode ter a vida devassada e ser alvo de uma investigação. Esperamos que o governo não use o episódio isolado como pretexto para iniciar uma nova caça às bruxas".
O secretário de Segurança do DF também confirmou que foram localizados mais explosivos na casa onde o homem de 59 anos estava morando, alguns explodiram após a chegada dos policiais federais ao local, durante varredura com um robô. Também havia explosivos em um trailer usado por Luiz e no carro que explodiu no estacionamento do anexo 4 da Câmara dos Deputados, perto da Praça dos Três Poderes, tudo indicando que houve um planejamento de meses.
“Nem sempre a polícia consegue se antecipar, a Polícia Federal tem um setor específico para esse trabalho e o governador Ibaneis Rocha determinou a criação, na Polícia Civil do Distrito Federal, de uma divisão antiterrorismo que vai ajudar a PF no setor de inteligência”, disse.
Francisco Wanderley Luiz foi candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC), em 2020, mas não se elegeu. Apesar da ligação partidária, postou em suas redes sociais mensagens também contra Jair Bolsonaro (PL) dizendo que ele deveria, junto com Lula, se afastar da política para colocar fim à polarização.
Na quarta-feira, por volta das 22h, a Meta retirou do ar o perfil de Francisco Luiz no Facebook sob a justificativa de não concordar que pessoas usem a plataforma para promover ou estimular atos de violência. Foi na rede social que o chaveiro publicou uma série de indicativos que cometeria os atos na capital federal.
Inquérito por "ato terrorista e contra Estado Democrático de Direito" vai tramitar na PF sob sigilo
Em uma coletiva de imprensa nesta manhã, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o inquérito vai tramitar sob sigilo. As investigações correm em duas frentes: ato terrorista e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por essas hipóteses o inquérito foi submetido ao STF, onde está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
“Há indícios de um planejamento de longo prazo, essa pessoa esteve em outras oportunidades em Brasília e segundo relatos de familiares estava em Brasília no início do ano de 2023. Ainda é cedo para dizer se teve participação direta nos atos de 8 de janeiro, isso a investigação apontará”, descreveu, sem falar em possíveis falhas na segurança.
“Essa pessoa portava consigo um extintor de incêndio carregado com combustível que simula um lança-chamas, o que reitera a gravidade do que encontramos [...] Não sabemos ainda a motivação do crime, estamos trabalhando com ação terrorista e de abolição violenta do estado democrático de direito”.
O diretor da PF disse ainda que o caso pode ter conexão com outras apurações que estão no radar da PF, sem entrar em detalhes do que se tratam. Rodrigues defendeu a regulamentação das redes sociais para que a ação investigativa preventiva ocorra de forma mais efetiva.
Durante participação em evento realizado na manhã desta quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes, que será o relator do inquérito, também voltou a falar de regulamentação das redes sociais.
“O que ocorreu não é um fato isolado. A PF vai analisar, queira Deus que seja isolado, mas o contexto que se iniciou lá atrás com o gabinete do ódio, que começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o STF, a autonomia do judiciário, não só como instituição, mas contra os ministros e famílias de cada um dos ministros, foi se avolumando”.