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O presidente Jair Bolsonaro demitiu nesta terça-feira (28) o secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini, por utilizar uma aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) para se deslocar de Davos, na Suíça, até Nova Délhi, na Índia. E decidiu rever as regras de utilização de aviões da FAB.
Bolsonaro ficou incomodado com o voo "privado" do número 2 de Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, enquanto demais ministros da comitiva optaram por viajar por companhias aéreas comerciais. Um deslocamento como o de Santini não sai por menos de R$ 740 mil. Com o governo pregando austeridade para toda a população, a viagem do secretário-executivo não caiu bem para o presidente. "O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral. Ministros antigos foram de avião comercial, classe econômica", disse Bolsonaro.
De acordo com o Decreto 4.244/2002, que regulamenta o uso de aeronaves da FAB por autoridades, Santini não agiu fora da lei. O decreto permite que ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado possam realizar voos em viagens a serviço do governo. Como o número 2 da Casa Civil estava substituindo Lorenzoni durante suas férias, na prática Santini era o ministro em exercício. E o deslocamento entre a Suíça e a Índia fazia parte de uma viagem oficial – o que permitia a Santini requisitar uma aeronave oficial.
Bolsonaro ficou tão irritado com o caso que disse a interlocutores que quer saber como funcionam as regras de uso de aviões da FAB para modificá-las, a fim de evitar "abusos".
Regras para uso de aviões da FAB
As regras de uso das aeronaves da Força Aérea são determinadas por quatro decretos presidenciais: 4.244/2002, 6.911/2009, 7.961/2013 e 8.432/2015.
A regulamentação autoriza o uso de avião da FAB pelo vice-presidente; presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF); ministros de Estados e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado; comandantes das Forças Armadas; e Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
Além disso, o ministro da Defesa pode autorizar o transporte aéreo de outras autoridades, nacionais e estrangeiras, sendo-lhe permitida a delegação dessa prerrogativa ao comandante da Aeronáutica.
Os decretos não apresentam restrições quanto a acompanhantes no avião da FAB.
As autoridades podem solicitar viagens pelos seguintes motivos, na respectiva ordem de prioridade: de segurança e emergência médica; em viagens a serviço; e deslocamentos para o local de residência permanente.
O Decreto de 2002 determina que o transporte de autoridades civis em desrespeito ao estabelecido nas regras configura infração administrativa grave, ficando o responsável sujeito às penalidades administrativas, civis e penais.
MPF já se manifestou contra uso indevido de aviões da FAB
O Ministério Público Federal em Brasília (MPF-DF) pediu de forma extrajudicial ao então presidente Michel Temer, em 2017, tornar as regras do transporte de autoridades mais específicas para garantir transparência. O órgão enviou uma recomendação com o objetivo de impedir o uso indevido de aviões da FAB por parte de ministros e integrantes do governo. Em setembro de 2019, o MPF ingressou com uma ação civil pedindo o aperfeiçoamento das regras para solicitação de voos da FAB. A ação ainda está em andamento.
Uma investigação do MPF em 2017 mostrou um número elevado de voos realizados por autoridades de ida e volta de Brasília para suas cidades de origem, além do transporte de parentes e amigos lobistas. Segundo levantamento do MPF, as viagens teriam custado R$ 34 milhões ao cofres públicos naquele ano.
Os gastos com o uso de aviões da FAB não são transparentes. A Força Aérea informa que não divulga os custos “das missões” porque estão classificados no grau de sigilo “reservado”, por serem considerados estratégicos e envolverem aviões militares. FAB tampouco verifica se as requisições de suas aeronaves por autoridades obedece aos requisitos legais. A Força Aérea entende que essa não é uma competência que lhe cabe.
O que o MPF recomenda para ser mudado no uso de aviões da FAB
O MPF recomenda regras mais rígidas para o uso de aeronaves oficiais por autoridades. Uma delas seria a obrigatoriedade de o solicitante do avião justificar em quais circunstâncias dão “caronas” para terceiros. Além disso, para o MPF seria necessário definir objetivamente “viagens a serviço” e “compromissos oficiais”, especificando os eventos de que vai participar ou participou, além de comprovar que não são de importância reduzida e não são de interesse particular da autoridade.
O Ministério Público Federal também defende que apenas o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência ou a Polícia Federal tenham o poder de justificar o uso da aeronave como uma questão de “segurança” da autoridade. Hoje, o próprio solicitante do avião da FAB pode solicitar o transporte usando esse argumento.
O MPF argumenta ainda que as viagens para compromissos oficiais deveriam constar previamente na agenda pública do ministro, com o indicativo de uso da aeronave oficial.
A regulamentação também deveria, segundo o MPF, incluir a previsão de ressarcimento aos cofres públicos em caso de uso indevido do transporte da FAB.
Decreto de Temer sobre transporte de órgãos para transplante
Quando ainda era presidente, Michel Temer editou um decreto permitindo o uso de aviões da FAB para transportar órgãos para transplantes. A regulamentação veio após uma série de reportagens do jornal O Globo mostrando que a FAB recusou, entre 2013 e 2015, a fazer o transporte de 153 órgãos que seriam destinados a transplantes. Enquanto isso, no mesmo período a Aeronáutica atendeu a 716 requisições de transportes de autoridades.
Na época, a legislação brasileira não obrigava a FAB a fazer o transporte de órgãos para transplantes, mas garantia o direito das autoridades de utilizarem os aviões. Após a repercussão causada pela reportagem, Michel Temer assinou um decreto e determinou que sempre haja um avião da FAB à disposição para transporte de órgãos.
Substituto de Santini no governo já foi escolhido
Fernando Moura, que ocupava o cargo de secretário-adjunto da Casa Civil, vai ficar à frente da secretaria-executiva da pasta. A decisão partiu de Onyx Lorenzoni que está de férias nos Estados Unidos. Santini viajou no dia 21 do Brasil para Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial. De lá, seguiu para a Índia, onde se juntou à comitiva presidencial. Todos os deslocamentos foram feitos em um jato Legacy, da Aeronáutica. Santini viajou acompanhado de mais duas servidoras. A secretária do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier e a assessora internacional do PPI, a diplomata Bertha Gadelha.