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Conflitos entre facções prisionais afetam os índices de homicídio no Brasil
Presos mascarados atrás de grades de penitenciária: o que acontece dentro dos presídios tem forte influência nas ruas.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

As facções prisionais, como PCC e Comando Vermelho (CV), são um problema conhecido no sistema penitenciário brasileiro. Mas os danos causados por esses grupos criminosos extrapolam as grades das prisões e influenciam de forma determinante os índices de violência nas ruas. Guerras entre facções dentro dos presídios invariavelmente tornam as cidades mais perigosas e tendem a aumentar os índices de homicídio. Já quando há um clima de estabilidade e hegemonia de um grupo, os números costumam cair.

Com a nacionalização das facções, que deixaram os estados onde surgiram para avançar em outros territórios, os conflitos entre os grupos aumentaram. Em 2017, por exemplo, a guerra entre PCC (originalmente de São Paulo) e CV (do Rio de Janeiro) fez com que o número de homicídios nos estados do Norte e Nordeste disparasse, tornando as duas regiões as mais violentas do Brasil, segundo o Atlas da Violência.

Além disso, dentro do presídios, os massacres causados por brigas entre facções também puxam os números dos homicídios para cima. Em 2017, o ano mais violento registrado no Brasil, houve uma série de eventos desse tipo.

O primeiro massacre foi registrado em janeiro, no Compaj (Complexo Anísio Jobim), em Manaus (AM). No dia seguinte, houve mais mortes na UPP (Unidade Prisional de Puraquequara). Outra chacina deixou 33 presos mortos na Pamc (Penitenciária Agrícola de Monte Cristo), em Roraima.

Também houve mortes ligadas ao conflito entre facções prisionais na Casa de Custódia de Maceió (AL); no presídio Romero Nóbrega, em Patos (PB); na Penitenciária de Tupi Paulista (SP); no Complexo Penitenciário de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba (PR).

Ainda em janeiro, houve pelo menos 26 mortos em rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal (RN).

Ceará e a briga entre facções prisionais

O Ceará foi o estado com maior crescimento na taxa de homicídios em 2017, ano em que se atingiu recorde histórico neste índice. A taxa de assassinatos passou de 40,6, em 2016, para 60,2 por 100 mil habitantes em 2017 – um aumento de 48,2%.

Durante o ano de 2017, o estado assistiu a uma briga entre a facção local, a Guardiões do Estado (GDE), e a facção carioca Comando Vermelho. Mais de 5 mil assassinatos foram registrados no Ceará só em 2017. O motivo da briga entre as facções foi o controle do tráfico de drogas.

O Ceará chegou a separar os presos ligados à facções criminosas nos presídios do estado. Integrantes do CV, GDE e PCC ficaram em estabelecimentos separados, para evitar conflitos.

Quando o governador Camilo Santana (PT) anunciou mudanças na administração dos presídios, Fortaleza virou palco de uma série de ataques nas ruas coordenados por facções do estado. O então secretário de Segurança do estado, Luís Mauro Albuquerque, havia dito não reconhecer facções no estado e que não iria mais separar os presos de acordo com a ligação com essas organizações.

A situação só foi controlada depois que o governo federal enviou homens da Força Nacional para atuar no estado e conter a onda de violência.

Acre foi palco de guerra entre PCC e CV

O Acre, que em 2017 foi o segundo estado com maior crescimento na taxa de homicídios, foi palco de uma guerra sangrenta entre PCC e CV. O aumento no índice de violência no estado foi de 39,9%, segundo o Atlas da Violência.

Mas o estado já vinha em uma onda crescente de violência desde 2016, quando viu o índice de assassinatos subir 86% em relação ao ano anterior.

A principal explicação para a guerra das facções no Acre também é o controle do tráfico de drogas, desta vez na Amazônia. O estado faz fronteira com Bolívia e Peru, países produtores de cocaína.

O Ministério Público do estado mapeou mais de 10 rotas do tráfico, a maioria delas perto da fronteira com o Peru, onde a droga é transportada por via fluvial e depois terrestre (pela BR-364), até chegar ao Rio Branco.

A briga entre facções gerou uma onda de execuções no Acre, o que aumentou o índice de homicídios registrados em 2016 e 2017.

A paz alcançada em 2018

Já no Atlas da Violência com dados sobre 2017, o estudo avaliava que havia indícios que apontavam para uma queda no número de homicídios para 2018 e início de 2019. A previsão se confirmou e, de fato, houve uma queda nos índices de homicídio em 2018. Além disso, o ano de 2019 foi o com menos mortes da década.

Como a queda ocorreu justamente nos estados onde a guerra entre as facções prisionais foi mais intensa em 2016 e 2017, os pesquisadores não descartam a possibilidade de a redução dos homicídios esteja “intrinsecamente ligada” a um processo de acomodação da rivalidade entre as facções, “uma vez que economicamente é inviável manter uma guerra de maior intensidade durante anos a fio”.

Paz ainda é sangrenta e instável, diz pesquisador

Para o pesquisador Wellinton Caixeta Maciel, da Universidade de Brasília (UnB), a dinâmica entre as facções prisionais influencia os índices de homicídios nos estados de duas maneiras: diminuindo os índices em tempos de paz e aumentando o número de mortes em tempos de conflitos.

“Há pesquisas muito localizadas que mostram que, onde esses grupos estão, a tendência é que os índices de violência letal caiam [nos tempos de 'paz']”, explica Maciel. “Existe o interesse dessas gangues de que a polícia não chegue, de manter essa invisibilidade.”

Ainda segundo Maciel, essa aparente paz não é garantida. “É uma paz muito violenta. Na verdade é uma paz negociada; um barril de pólvora que pode explodir. Basta que haja desentendimento, uma puxada de tapete, uma invasão territorial, o descumprimento de um acordo”, diz.

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