Ouça este conteúdo
O Facebook anunciou nesta quarta-feira (8) que removeu uma rede de contas e páginas falsas no Brasil supostamente ligadas a pessoas próximas do presidente Jair Bolsonaro e à legenda política pelo qual ele se elegeu, o Partido Social Liberal (PSL).
De acordo com a plataforma, as conexões envolvem funcionários dos gabinetes do próprio Bolsonaro e de dois dos filhos dele — o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —, além dos deputados estaduais pelo PSL do Rio de Janeiro Anderson Moraes e Alana Passos.
Os detalhes da investigação que resultou no bloqueio das contas foram postados no site do Atlantic Council Digital Forensic Research Lab, instituição que realiza análise independente de remoções do Facebook. A Atlantic Council informou não ter conseguido confirmar a participação de funcionários de Flávio Bolsonaro, conforme anunciou o Facebook. Contudo, identificou servidores dos gabinetes do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) no Rio de Janeiro e do deputado estadual do PSL de São Paulo Coronel Nishikawa.
Entenda a seguir o que motivou a rede social a tomar a decisão de derrubar as contas:
Quantas contas foram bloqueadas e qual era o alcance delas?
Foram removidas 35 contas, 14 páginas e um grupo no Facebook, além de 38 contas no Instagram. As páginas no Facebook tinham 883 mil seguidores, enquanto as contas no Instagram tinham 917 mil seguidores. Havia 350 pessoas no grupo. Ou seja, quase 2 milhões de pessoas eram alcançadas com as publicações.
Segundo a plataforma, essa rede agia de forma conectada por meio de uma combinação de contas duplicadas e contas falsas. No material postado estavam conteúdos relacionados às eleições, memes políticos, críticas à oposição, empresas de mídia e jornalistas, além de material relacionado ao coronavírus.
Por que o conteúdo foi removido?
Segundo o Facebook, a justificativa para a remoção da rede foi violação aos padrões da comunidade, com a divulgação de conteúdos com discurso de ódio. O Facebook chama isso de "comportamento inautêntico coordenado".
Além do Brasil, foram derrubadas redes também nos EUA, na Ucrânia e em outros países da América Latina, como El Salvador, Argentina, Uruguai, Venezuela, Equador e Chile. No caso brasileiro, as investigações e remoções ocorreram a partir de notícias na imprensa brasileira e referências feitas ao assunto no Congresso durante a CPMI das Fake News.
Bolsonaro e seus filhos sabiam da ação da rede que foi removida pelo Facebook?
Nathaniel Gleicher, diretor de Cibersegurança do Facebook, foi cauteloso em apontar o envolvimento direto ou o conhecimento do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos na campanha de desinformação promovida pela rede removida nesta quarta-feira, inclusive na coordenação das postagens.
"Não podemos afirmar a ligação direta das pessoas citadas, mas podemos afirmar que pessoas associadas a eles e a seus escritórios se envolveram em comportamento inautêntico na plataforma", disse. Nenhuma dos políticos citados teve suas contas pessoais removidas.
Alguma empresa opera por trás da suposta rede bolsonarista?
Segundo Nathaniel Gleicher, não há indícios de que uma empresa foi contratada para realizar o trabalho, como aconteceu com a operação nos outros países latinos. A operação brasileira, porém gastou US$ 1,5 mil em anúncios no Facebook e foram pagos em reais (cerca de R$ 8,03 mil na cotação desta quarta).
Segundo a Atlantic Council, muitas postagens feitas por funcionários de gabinetes públicos ligados à família Bolsonaro e ao PSL ocorreram durante o horário de trabalho. Embora a Atlantic Council não afirme isso, é possível que dinheiro público tenha sido usado para financiar indiretamente a campanha de ódio, por meio do uso de equipamentos e estrutura física de repartições públicas.
Quem são os acusados de operar as contas removidas do Facebook?
Segundo a Atlantic Council, os funcionários que supostamente operavam a rede banida nesta quarta pelo Facebook estavam baseados em três cidades: Brasília, Rio de Janeiro e São Bernardo do Campo.
Um dos operadores citados é Tercio Arnaud Tomaz, assessor da Presidência da República e suposto membro do "gabinete do ódio", acusado de disseminar notícias falsas na internet. Tomaz trabalha ao lado dos também assessores José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz.
Arnaud Tomaz é responsável pela página “Bolsonaro Oppressor 2.0”, uma página pró-Bolsonaro no Facebook que tinha cerca de 1 milhão de seguidores, mas está atualmente offline.
O Atlantic Council diz ainda ter detectado a relação de um funcionário do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas não divulgou o nome. Há a também participação do servidor Jonathan William Benetti, empregado no gabinete do deputado estadual de São Paulo Coronel Nishikawa (PSL)
Também são citados como operadores pelo Atlantic Council Paulo Eduardo Lopes (conhecido como Paulo Chuchu), funcionário do gabinete de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na Câmara Federal e que fica lotado em São Bernardo do Campo. Ligados aos deputados estaduais do Rio de Janeiro estão Leonardo Rodrigues de Barros e sua namorada Vanessa Navarro. O primeiro é funcionário do gabinete de Alana Passos e a segunda do gabinete de Anderson Moraes.
O que os políticos citados dizem sobre a acusação?
A direção nacional do PSL divulgou nota negando envolvimento do partido na rede de perfis falsos e de divulgação de fake news pelo Facebook. “Não é verdadeira a informação de que sejam contas relacionadas a assessores do PSL, e sim de assessores parlamentares dos respectivos gabinetes, sob responsabilidade direta de cada parlamentar, não havendo qualquer relação com o partido”, diz o partido.
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro afirmou que “julgamentos que não permitem o contraditório e a ampla defesa não condizem com a nossa democracia, são armas que podem destruir reputações e vidas”. “Pelo relatório do Facebook, é impossível avaliar que tipo de perfil foi banido e se a plataforma ultrapassou ou não os limites da censura”, diz.
Flávio afirma ainda que o governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio popular nas ruas e nas redes sociais. “Por isso, é possível encontrar milhares de perfis de apoio. Até onde se sabe, todos eles são livres e independentes”, afirma.
A reportagem ligou e enviou mensagens para Paulo Eduardo Lopes e Eduardo Guimarães, mas eles não retornaram até a publicação desta notícia. O deputado Eduardo Bolsonaro também não respondeu.
Procurado, Tercio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência, não quis comentar o conteúdo do relatório. O Palácio do Planalto e o presidente Jair Bolsonaro também não se manifestaram.
A reportagem entrou em contato com deputado paulista Coronel Nishikawa e com o secretário especial parlamentar Jonathan William Benetti, mas não obteve resposta ainda.
O deputado estadual fluminense Anderson Moraes (PSL) classificou como “absurda e arbitrária” a ação do Facebook. “O governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio nas redes sociais, perfis livres. Querem tolher a principal ferramenta da direita de fazer política”, disse.
A deputada Alana Passos (PSL) disse que ela e seus funcionários não tiveram nenhum tipo de bloqueio. Ela fez questão, contudo, de dizer que não pode responder por eventuais conteúdos publicados por seus assessores. “Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio", disse a parlamentar.
Leia a íntegra do comunicado do Facebook relativo ao Brasil
"Hoje, removemos 35 contas, 14 Páginas e 1 Grupo no Facebook e 38 contas no Instagram que estavam envolvidas em comportamento inautêntico coordenado no Brasil. Essa rede era direcionada a audiências domésticas.
Identificamos vários grupos com atividade conectada que utilizavam uma combinação de contas duplicadas e contas falsas — algumas das quais tinham sido detectadas e removidas por nossos sistemas automatizados - para evitar a aplicação de nossas políticas.
A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de Páginas fingindo ser veículos de notícias. Os conteúdos publicados eram sobre notícias e eventos locais, incluindo política e eleições, memes políticos, críticas à oposição política, organizações de mídia e jornalistas, e mais recentemente sobre a pandemia do coronavírus.
Alguns conteúdos publicados por essa rede já tinham sido removidos por violação de nossos Padrões da Comunidade, incluindo por discurso de ódio. Identificamos essa atividade como parte de nossas investigações sobre comportamento inautêntico coordenado no Brasil a partir de notícias na imprensa e referências durante audiência no Congresso brasileiro.
Ainda que as pessoas por trás dessa atividade tentassem ocultar suas identidades e coordenação, nossa investigação encontrou ligações a pessoas associadas ao Partido Social Liberal (PSL) e a alguns dos funcionários nos gabinetes de Anderson Moraes, Alana Passos, Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro."