O Facebook Brasil apresentou petição ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir a responsabilização de funcionários de empresas brasileiras afiliadas a americanas, como é o caso da rede social no país, pelo descumprimento de ordens judiciais que cobram o compartilhamento de comunicações entre usuários da plataforma.
O pedido foi apresentado na esteira de decisões do ministro Alexandre de Moraes nos inquéritos que miram esquema de disseminação de fake news e o financiamento de atos antidemocráticos. Um eventual entendimento de Gilmar sobre o caso pode limitar as ações do colega na condução das investigações.
Em um dos casos citados na petição, o Facebook Brasil afirmou que foi intimado pela Polícia Federal no último dia 13 sobre decisão proferida por Moraes no dia 10.
O ministro, segundo a empresa brasileira, autorizou o fornecimento de "conteúdo de contas e perfis" de investigados por "fake news" e relembrou que, em julho, advertiu o diretor da afiliada brasileira sobre a pena de responsabilização caso fosse descumprida a ordem que liberou acesso da PF à investigação da rede social que derrubou redes de perfis falsos ligados aos gabinetes da família Bolsonaro.
Em agosto, Moraes já havia intimado o presidente do Facebook Brasil, Conrado Leister, a cumprir um bloqueio global das contas de investigados em outro inquérito, que mira financiamento de atos antidemocráticos. A medida foi adotada após as redes sociais determinarem um bloqueio 'regional', no qual usuários brasileiros não conseguiam acessar os perfil do Brasil, mas eles continuavam ativos em outros países.
À época, Moraes mandou as plataformas corrigirem a brecha, ampliando a multa imposta ao Facebook Brasil em caso de descumprimento e intimou Leister a cumprir a ordem sob pena de "responsabilização penal pessoal".
Nos autos, o Facebook Brasil alega que não tem competência para cumprir as ordens decretadas pelo ministro e por outros juízes brasileiros que cobram o fornecimento de comunicações entre usuários, visto que o controle técnico e jurídico deste tipo de conteúdo fica por conta do Facebook Inc, sediado nos Estados Unidos. A empresa brasileira explica que cuida apenas da prestação de serviços voltados à comercialização de espaços publicitários e suporte de vendas.
"Diante do atual cenário e da recente decisão do dia 10.11.2020, o Facebook Brasil se encontra diante de novas ameaças concretas em razão de tema objeto da presente ADC (Ação Direta de Constitucionalidade)", apontou a empresa brasileira.
Por que recurso do Facebook foi parar com Gilmar Mendes
O pedido do Facebook Brasil foi apresentado em uma ação sob relatoria de Gilmar Mendes que discute o Acordo de Assistência Jurídica Mútua (MLAT, na sigla em inglês) em relação à requisição de dados de usuários armazenados por empresas de tecnologia no exterior.
Hoje, o acordo prevê que a solicitações devem ser enviadas pelo Ministério da Justiça ao Departament of Justice (DoJ) americano, que então fica por conta de fazer a requisição dos dados à empresa, que os envia ao DoJ e, por fim, são repassados às autoridades brasileiras.
Para o Facebook Brasil, ao fixar multas e intimar funcionários sob risco de responsabilização penal, as decisões judiciais pressionam a afiliada brasileira a cumprir ordens à margem do processo previsto pelo MLAT. Uma das teses em discussão é que as afiliadas brasileiras não podem ser responsabilizadas por descumprimento judicial caso não tenham o controle das informações solicitadas nas decisões judiciais — para o Facebook Brasil, o entendimento deve ser estendido também aos funcionários brasileiros.
"Afinal, caso vencedora a tese exposta na presente ADC, será também reconhecido que funcionários de empresas brasileiras afiliadas a controladoras de dados sujeitas à jurisdição dos EUA não podem ser responsabilizados pessoalmente por eventual impossibilidade de cumprimento de ordem judicial de fornecimento desses dados sem observância do devido processo legal previsto no MLAT", afirmou o Facebook Brasil.
Executivos já foram presos por ordem da Justiça
Em 2016, o vice-presidente do Facebook e do Instagram na América Latina, Diego Dzodan, chegou a ser preso pela Polícia Federal, acusado de descumprir ordem judicial relacionada ao WhatsApp, aplicativo de mensagens que pertence ao Facebook desde 2014.
A prisão preventiva foi feita por uma equipe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes de São Paulo e foi decretada por ordem do juiz criminal Marcel Maia Montalvão, da comarca de Lagarto, em Sergipe. Dzodan foi detido em sua casa, na capital paulista.
Segundo informou a PF na ocasião, a prisão preventiva (quando não há prazo para a soltura) foi decretada “em razão de reiterado descumprimento de ordens judiciais”. A ordem de prisão veio depois de a empresa não colaborar com investigações da PF sobre a ação de uma quadrilha de tráfico de entorpecentes. A polícia queria acesso a dados sobre localização e identificação conversas privadas dos suspeitos via WhatsApp.
Mas a companhia não divulgou as informações alegando que as conversas dos usuários não são guardadas e que criptografia do aplicativo impede que a empresa tenha acessos aos diálogos. "O WhatsApp não pode fornecer informações que não possui", disse a empresa, em nota, na ocasião.
Dzodan passou uma noite na prisão e ganhou liberdade no dia seguinte após a concessão de um habeas corpus no Tribunal de Justiça do Sergipe.
Em 2012, outro caso semelhante. O diretor-geral do Google no Brasil, Fabio José Silva Coelho, também foi detido pela Polícia Federal, em São Paulo, por não ter cumprido uma ordem do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS).
O mandado foi expedido porque o YouTube, site de vídeos do Google, não acatou decisões judiciais que determinavam a exclusão de vídeos com ataques ao candidato do PP a prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal. O executivo foi liberado no mesmo dia da prisão, após assinar um termo circunstanciado.
O histórico de prisões justifica o pedido do Facebook Brasil em tentar obter uma salva-guarda do STF aos seus executivos. O temor maior, nesse caso, é que diferentemente dos episódios anteriores, desta vez as ordens judiciais emitidas partem de um ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, o que sem dúvida tem um peso maior.
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