O Senado deve votar nesta quinta-feira (25) o projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como lei de combate às fake news. A proposta tem como objetivo, segundo os autores, o ataque à disseminação de notícias falsas por redes sociais e por aplicativos de mensagens instantâneas. O texto que será votado pelos parlamentares é um substitutivo de autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), produzido sobre o documento original, elaborado por Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e está sendo criticado pela grande velocidade de tramitação e pela falta de debate com a sociedade.
O projeto será votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões do Senado, por decisão do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A realização da votação sem o cumprimento dos procedimentos legislativos habituais é outra das controvérsias que marca a discussão em torno da proposta.
O tema de maior debate em torno do projeto, entretanto, é se a necessidade alegada de se combater a desinformação na rede não colocaria em o perigo a liberdade de expressão. A proposta de Coronel cria normas para a identificação dos usuários de redes sociais e determina que aplicativos de mensagens devem ter dispositivos para inibir o disparo de mensagens em massa, entre outros elementos.
A discussão está em pauta no Congresso desde o ano passado, por causa da CPMI das Fake News, que envolve Câmara e Senado, e é contestada por várias entidades e políticos. "Trata-se de uma matéria polêmica que envolve diretamente os gigantes digitais, que não têm boa vontade em fazer mudanças na sua engenharia digital. A expectativa é que a maioria dos senadores fique do lado da sociedade, que vem tendo sua honra atacada anonimamente por covardes que se escondem por trás de perfis e CPFs falsos", defende Coronel, que além de relator do substitutivo do projeto que será votado na quinta, é o presidente da CPMI das Fake News.
O que diz a nova proposta de combate às fake news
O projeto de Coronel centra fogo principalmente nos seguintes aspectos:
- A presença de contas não identificadas nas redes sociais;
- A existência de ações publicitárias sem que haja a transparência adequada;
- Os disparos de mensagens em massa por vias artificiais;
- A cobrança para que as empresas de redes sociais produzam e divulguem relatórios com informações sobre o número de usuários e as punições aplicadas aos que violarem os termos de conduta.
As disposições valem, segundo a proposta, apenas para serviços que tenham mais de 2 milhões de usuários, o que inclui praticamente as principais redes sociais.
No texto, Coronel não endossou a ideia de "desinformação" que constava do projeto de Vieira. Enquanto o texto original conceituava desinformação como "conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos", o relatório de Coronel expõe que a determinação do que seria uma desinformação é algo que ainda precisaria ser tema de mais análises, e não caberia no escopo do projeto.
Para inibir os perfis falsos, Coronel propõe a obrigatoriedade da identificação de todos os usuários que queiram se registrar em redes sociais. "O cadastro de contas em redes sociais e nos serviços de mensageria privada deverá exigir do usuário documento de identidade válido, número de celular registrado no Brasil e, em caso de número de celular estrangeiro, o passaporte", cita o texto.
A proposta indica ainda que os provedores e as empresas de telefonia precisam estabelecer diálogo constante para a verificação do cadastro de clientes – se a pessoa se desvincula da linha telefônica, deve perder a conta na rede social, segundo o projeto.
Em relação às empresas de mensagens instantâneas, o substitutivo determina que os próprios aplicativos criem políticas para restrições de disparos em massa. O texto não estabelece, entretanto, números para envios ou para composição de grupos – a proposta original limitava os grupos a 256 membros, atual limite do WhatsApp. Também determina que todas as mensagens devem ser resguardadas por um período de três meses.
O texto fala também na necessidade de uma autorregulação do setor, e na criação do "Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet", que seria formado por poder público, sociedade civil e representantes das empresas, para fiscalizar o disposto na lei.
Quanto às punições, a proposta resume as sanções a advertências e multas "de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício". Nisso, o projeto é bem mais brando do que o texto de Alessandro Vieira, que indicava a possibilidade de suspensão ou mesmo proibição de atividade das empresas em território nacional.
"Não se nega que os provedores devem viabilizar meios, ferramentas ou funcionalidades para que seja possível a criação de um ambiente de razoável transparência e de combate a ilícitos na internet. Mas julgamos inadequado atribuir a eles o papel de protetores da sociedade, principalmente quanto à classificação do que seja desinformação", diz um trecho do relatório de Coronel.
Novo projeto é necessário?
A criação de uma nova legislação para o combate às fake news é tema que divide opiniões entre os especialistas. A advogada Marina Dias, do escritório Damiani Sociedade de Advogados, que é especialista em compliance digital, avalia que as normas que já existem no Brasil seriam suficientes para a punição a crimes na internet. "Existe um arcabouço legal que pode fazer frente a esse problema. A Lei Geral de Proteção de Dados, o Código de Defesa de Consumidor, somados a outras legislações, seriam suficientes", disse.
Já o também advogado Sandro Caldeira, professor de Direito Penal, avalia como positiva a criação da legislação. "É importante, sim, criarmos uma lei que fale sobre isso. A legislação precisa se adequar a novas realidades, como essa. E o projeto tem também a preocupação de alterar outras legislações, trazer mais rigor a outros elementos", declarou.
Marina e Caldeira têm também opiniões distintas em relação à ideia de se exigir identificação prévia dos usuários das redes sociais. "Sou favorável. Precisamos saber quem está fazendo o que na internet. Desde que, claro, o detentor da informação garanta o sigilo dos dados dos usuários, que não os divulgue", afirmou o advogado. Já Marina disse considerar "delicado condicionar a prestação de um serviço privado à identificação do usuário". "Os riscos à violação de privacidade são grandes", disse.
Os advogados concordam, entretanto, na crítica à "velocidade" que a tramitação do projeto registrou no Senado. A proposta foi originalmente apresentada por Alessandro Vieira em 13 de maio e, se a votação for efetivamente executada no dia 25, terá uma apreciação atípica dentro do Congresso – onde, não raro, projetos aguardam anos antes de irem à votação. E não teve a tramitação habitual nas comissões.
O quadro levou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) a apresentar um requerimento para pedir a retirada da proposta do plenário e a convocação de uma audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) sobre o assunto. "A deliberação açodada, e sem a devida oitiva do colegiado responsável da Casa, pode gerar prejuízos irreparáveis para o arcabouço jurídico e para toda a sociedade", aponta o documento do parlamentar.
Em pronunciamento nesta quarta-feira (24), o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) manifestou opinião semelhante: "que isso seja mais discutido com a sociedade, não pode ser feito às pressas. Até passa a ideia para a população de que o Senado está reagindo, porque alguns senadores foram vítimas de notícias falsas. Então, tudo o que é feito no ímpeto, na emoção, não é salutar e pode gerar injustiças".
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