Numa cerimônia para lembrar a invasão de sua sede há um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reuniu nesta segunda-feira (8) ministros e autoridades do Judiciário para abrir uma exposição de objetos depredados e fotografias das instalações e obras de arte danificadas. Em discursos, o atual presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e sua antecessora, Rosa Weber, a que liderou o trabalho de reconstrução do plenário e restauração do patrimônio, disseram que o ato servirá para lembrar do que “jamais” poderá ocorrer novamente.
Em seu discurso, Barroso disse que uma das coisas que mais o impressionou foram relatos de policiais, presentes na Corte no dia da invasão, que narraram a ele que os invasores “após arremessarem objetos, dar marretadas nas paredes e atearem fogo aos tapetes, ajoelhavam-se no chão e rezavam fervorosamente”.
“Onde, Deus do céu, se pode imaginar essa implausível mistura de ódio e religiosidade, incapaz de distinguir o bem do mal? Nenhuma gota de apreço ao próximo, como pregam as Escrituras. Falsos patriotas que não respeitam os símbolos da Pátria. Falsos religiosos que não cultivam o bem, a paz e o amor. Desmoralizaram Deus e a bandeira nacional. O que assistimos aqui foi a mais profunda e desoladora derrota do espírito”, afirmou. Ele já havia feito associação entre vandalismo e religião em uma entrevista a CNN, mas não ofereceu evidências concretas de que os autores dos atos de vandalismo foram os mesmos que foram retratados rezando. Atribuiu suas afirmações ao alegado depoimento de um suposto policial.
O discurso foi repleto de duras palavras para se referir à invasão. Barroso iniciou dizendo que o 8 de janeiro de 2023 mostrou um “país que não queremos”, “da intolerância, do desrespeito ao resultado eleitoral, da violência destrutiva contra as instituições”.
O episódio, disse, foi um “espetáculo de horror”, que deixou o STF num “cenário de barbárie”. Os invasores, acrescentou, são pessoas que “não velam pelas instituições, que não respeitam as pessoas, que não cultivam os valores da civilidade e da harmonia social. Vivem de inventar inimigos. Quixotes do mal”.
Sem citar nomes, acrescentou que os invasores foram motivados por uma “animosidade que foi artificialmente cultivada por anos a fio” e insuflados por “falsidades, teorias conspiratórias, sentimentos antidemocráticos e rancor”.
Apesar de nunca citarem publicamente o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro, Barroso e outros ministros o culpam pelo episódio, sob o argumento de que ele, durante seus quatro anos de mandato, alimentou a antipatia crescente contra o STF, não à toa, o edifício mais destruído no 8 de janeiro.
O presidente do STF disse que todos os responsáveis estão sendo processados e que “nenhum juiz fica feliz ao condenar uma pessoa”. “Mas o direito penal tem como uma de suas funções principais a ideia de prevenção geral. Pune-se para desestimular as pessoas de delinquirem. Tratar com condescendência o que aconteceu é dar um incentivo para que os derrotados da próxima eleição, sejam quem forem, também se sintam no direito de depredar os prédios das instituições públicas. Estamos aqui para evitar que isso aconteça de novo.”
Ele não comentou nenhuma das críticas sobre as penas excessivas, a falta de competência e de isenção dos ministros para julgar os casos. No final da cerimônia, afirmou que o STF está aberto às críticas, desde que não sejam “destrutivas”, e que o valor da Corte não pode ser aferido por pesquisas de opinião, porque seus julgamentos sempre vão desagradar as partes que perdem.
Na conclusão do discurso, fez um apelo pela pacificação do país. Quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade aberta, plural e democrática. A verdade não tem dono. Existem patriotas autênticos com diferentes visões de país. Ninguém tem o monopólio do amor ao Brasil. Precisamos viver a verdadeira pacificação da sociedade, em que pessoas que pensam de maneira diferente possam se sentar à mesma mesa e conversarem, com respeito e consideração, sem ofensas ou desqualificações.”
Rosa Weber, num discurso improvisado e em tom emocionado, também não poupou palavras de reprovação à invasão. Enfatizou, mais que Barroso, ter sido um ataque à democracia: “uma investida autoritária, espúria, obscurantista e ultrajante, insuflada pelo ódio”.
Depois, disse que sua indignação e desconsolo se transformou em satisfação e energia “diante da reação e resistência das instituições democráticas, numa prova de que autoridade delas não está nos prédios, mas sim no espírito que as anima”. “8 de janeiro de 2023 há de se constituir sempre no dia da infâmia, mas com uma dupla face, que é o dia da resistência da democracia constitucional, que restou inabalada. Há de se ser sempre relembrado, para que jamais se repita”, disse a ministra, que se aposentou e deixou o STF em outubro.
A cerimônia ainda contou com a exibição de um vídeo, com depoimento de alguns ministros, inclusive de alguns ausentes nesta segunda: Luiz Fux, André Mendonça, Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques, que não divulgaram o motivo de não terem aparecido. No vídeo, todos lamentaram a invasão, ressaltaram sua gravidade e disseram que isso não pode se repetir.
Também estiveram no STF o ministro da Justiça, Flávio Dino, que passará a integrar o STF em fevereiro; o advogado-geral da União, Jorge Messias, que defende o governo na Corte; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti; a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza de Assis Moura, e alguns de seus colegas.
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