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Londres, Madri, Lisboa...

Falta de transparência marca viagens, agendas e encontros de ministros do STF

STF Estátua da Justiça
Ministros do STF não esclareceram quem pagou pelas viagens a Londres (Foto: Leonardo Sá/Agência Senado)

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“Nem a pau”. Foi assim que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), respondeu a um jornalista que lhe pediu uma entrevista ao final de um evento em Londres, fechado para a imprensa. Há tempos, tornou-se notória a participação pouco transparente de magistrados das Cortes superiores em seminários, simpósios, conferências, geralmente em cidades turísticas no exterior, sem que se saiba quem pagou passagens aéreas, hospedagem e jantares. Dessa vez não foi diferente: nenhum dos ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) respondeu a questionamentos sobre a participação no “1º Fórum Jurídico – Brasil Ideias”.

O evento foi realizado pelo Grupo Voto, empresa fundada por Karim Miskulin há 20 anos em São Paulo, com atuação também em Brasília, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, na área de relações públicas e governamentais. Segundo sua página no LinkedIn, “trabalha na interlocução entre o setor público do privado através de relacionamento, comunicação e conexões de poder na construção de uma nova cultura política e empresarial”. Um dos patrocinadores, revelou o site Poder360, foi o Banco Master, que tem ações em andamento nos dois tribunais superiores. O Grupo Voto mantém sob sigilo quem são os patrocinadores.

Do STF, foram a Londres os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Do STJ, compareceram Luis Felipe Salomão, Antonio Saldanha Palheiro, Benedito Gonçalves, Mauro Campbell Marques e Raul Araújo. O Supremo informou que só paga hospedagem e passagens para ministros que viajam representando a Corte como presidentes – não foi o caso. O STJ não deu esclarecimentos se houve gasto público com a viagem de seus integrantes.

Além deles, participou do evento o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, e diversos ministros do governo Lula, entre eles, Ricardo Lewandowski (Ministério da Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), principais interlocutores do Executivo no STF.

O fórum ocorreu entre 24 e 26 de abril, dias úteis em que os tribunais funcionaram normalmente. Enquanto sessões estavam em andamento, os ministros palestravam no hotel Península, com diárias que variam de 1.200 a 7.500 libras esterlinas (R$ 7,7 mil a R$ 48,2 mil).

Na próxima sexta (3), Gilmar Mendes e Dias Toffoli ainda devem participar de outro evento na Europa, em Madri: o “Fórum Transformações — Revolução Digital e Democracia”, organizado pelo Fórum de Integração Brasil e Europa (Fibe), que se identifica como uma organização privada sem fins lucrativos e que promove debates de “caráter cultural, acadêmico e social”. A sede da entidade fica em Portugal e, em seu site, exibe como “parceiros” o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), faculdade fundada por Gilmar Mendes; a Fundação Getúlio Vargas (FGV); a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Entre os dias 6 e 8 de maio, a capital espanhola ainda sediará um curso sobre segurança jurídica e tributação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Devem participar Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ministros do STJ, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), parlamentares, professores, jornalistas e advogados.

CNJ rejeitou proposta de transparência à participação de juízes em eventos

O mistério em torno desses eventos, longe do Brasil e sem uma cobertura próxima da imprensa, é quase deliberado. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regula o Judiciário no país, aprovou uma resolução permitindo a participação de magistrados em “encontros jurídicos, esportivos ou culturais” pagos por entidades privadas, inclusive no transporte e hospedagem, bastando que eles sejam convidados na condição de “palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou organizador”. Não existe na norma obrigação de dar transparência sobre quem do setor privado participa, quanto e como paga pelos eventos.

No ano passado, o órgão rejeitou a aprovação de uma nova resolução para aumentar a transparência e coibir conflitos de interesse a partir das regalias oferecidas nesses eventos. Previa-se, por exemplo, que a participação de qualquer magistrado deveria ser previamente informada à corregedoria local e nacional da Justiça, em sistema eletrônico próprio. Empresas patrocinadoras só poderiam bancar até 20% dos gastos, ficariam proibidas de qualquer ingerência na programação e o tema não poderia coincidir com sua finalidade.

A norma ainda estabelecia que o recebimento de remuneração direta ou indireta pelo magistrado, pela participação no evento, configuraria conflito de interesse, e levaria ao seu impedimento para atuar em processos das empresas ou entidades filantrópicas responsáveis pelo evento. Ficaria proibida a participação de magistrados em “eventos acadêmicos que configurem captação por segmento econômico e cuja programação traduza representação de interesses que tenham por objetivos difundir teses dos organizadores ou financiadores”.

Por fim, presentes para ministros e juízes deveriam limitar-se ao valor de R$ 100, exceto livros; e todos, em eventos ou no gabinete, deveriam publicar agenda pública na internet, informando encontros públicos e privados com partes, advogados e representantes de interesses.

“Quem é juiz tem de ter total transparência de seus atos, ter a total accountability pela própria sociedade daquilo que produz fora do âmbito do Poder Judiciário”, disse, na época, o relator da proposta de resolução, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, que é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

A proposta, no entanto, foi rejeitada por 8 votos a 6. Prevaleceu voto do corregedor-nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, ministro do STJ, que argumentou que o CNJ não poderia criar hipóteses de suspeição e impedimento que não estão na lei.

Transparência é imposta pela Constituição

Para a ministra aposentada do STJ e ex-corregedora-nacional de Justiça Eliana Calmon, a resistência em dar transparência a esses eventos é mais um fator de descrédito do Judiciário junto à população. “Esses eventos são muito caros e fazem com que haja aproximação de julgadores com empresas que estão financiando esses convescotes”, diz.

Para ela, não haveria sequer necessidade de regulamento ou lei para obrigar os ministros a divulgarem como se deu sua participação. Ela argumenta que o artigo 37 da Constituição, segundo o qual a administração pública de qualquer dos Poderes deve obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

“Não está na lei a proibição de convescote, porque a lei não foi capaz de imaginar que isso aconteceria. Essa vedação se dá pelos próprios princípios constitucionais a que estão jungidos todos os funcionários públicos e as instituições. Além dos princípios explícitos, é uma questão de moralidade pública. Um país, como o Brasil, onde há pobreza enorme, e o governo sem dinheiro para nada, e se faz uma viagem dessa?”, diz Calmon.

Para Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceiro Corrupção, procurador de Justiça e doutor pela USP, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, deveria tomar a iniciativa de aprovar uma norma interna para dar transparência, a exemplo do que fez, no ano passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, que aprovou um Código de Ética para seus juízes.

Entre os deveres, estão o de “respeitar e cumprir a lei e agir sempre de uma forma que promova a confiança do público na integridade e imparcialidade do poder judicial”; e “não permitir que relacionamentos familiares, sociais, políticos, financeiros ou outros influenciem a conduta ou julgamento oficial”.

“Todos os Poderes precisam prestar contas. Quem é da área pública tem o dever de dar transparência e accountability. Quem é financiado por recursos públicos tem o dever da publicidade. É um princípio constitucional. Todos os ministros devem respeitar isso. Não é porque se trata da Suprema Corte que não deve ter regras. Deveria ter autorregulação. Ninguém pode ser detentor de poder sem ser controlado. O Ministério Público, o Executivo, o Legislativo, a polícia e também o STF e o STJ. Esse dever de transparência deve ser observado pelos Poderes em geral”, ressalta Livianu.

Atualmente, o site do STF tem um espaço dedicado à divulgação das agendas dos ministros, mas apenas quatro dos 11 costumam informar seus eventos, audiências e encontros: o presidente, Luís Roberto Barroso, e os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin e Cristiano Zanin.

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