O Conselho Federal de Farmácia (CFF) afirma que “a resolução apenas organiza uma atribuição que já é dos farmacêuticos há mais de uma década”.| Foto: Arquivo/Elza Fiúza/Agência Brasil
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O Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou uma resolução autorizando a prescrição de medicamentos por farmacêuticos. De acordo com o CFF, a prescrição de medicamentos que exigem receita médica está restrita a farmacêuticos que possuem Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica.

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O registro foi instituído pelo CFF este ano e será concedido a farmacêuticos que fizerem cursos de qualificação em áreas específicas. A resolução sobre a prescrição de medicamentos por farmacêuticos foi publicada no Diário Oficial da União de segunda-feira (17) e passa a valer a partir de abril.

Ano passado, o CFF publicou uma medida para autorizar a prescrição de medicamentos por farmacêuticos, mas a norma foi derrubada por uma decisão da primeira instância da Justiça Federal no Distrito Federal.

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A nova resolução, publicada esta semana, foi emitida pelo CFF antes da continuidade do julgamento da medida do ano passado em outras instâncias da Justiça.

Na resolução, o CFF permite que o farmacêutico realize um atendimento parecido com uma consulta médica, incluindo coleta de dados por meio da anamnese farmacêutica e exame físico com a verificação dos sinais e sintomas.

Além disso, a resolução permite que o farmacêutico realize, solicite e interprete exames para avaliação da efetividade do tratamento.

Entidades médicas questionam resolução do CFF

Ao reagir à resolução do CFF, o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse, em nota, que a "prescrição exige investigação, diagnóstico e definição de tratamento, competências exclusivas dos médicos, conforme o artigo 48, inciso X, da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), as Diretrizes Curriculares Nacionais do MEC e jurisprudências consolidadas. A norma do CFF é um atentado à legalidade e à segurança da população".

De acordo com o conselheiro do CFM, Francisco Eduardo Cardoso, a resolução é "absolutamente ilegal".

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“Deveriam ter vergonha de publicar uma resolução como essa. Eles vão ter que responder na Justiça por editarem uma resolução ilegal e que coloca em risco a saúde da população", disse Cardoso ao G1.

"O farmacêutico não tem competência legal e técnica para isso. É um ato de prevaricação. Eles já tentaram isso no passado e a Justiça negou. E isso será levado novamente à Justiça. O argumento de que eles entendem de remédios é insuficiente. São competências complementares”, completou.

Já a Associação Paulista de Medicina (APM) disse que a resolução do CFF trata-se de "silenciosa invasão de profissionais não habilitados no ato médico". 

Em nota, a APM destacou que a prescrição de medicamentos é essencial para a segurança e eficácia dos tratamentos e que o médico cursa a faculdade por 6 anos e depois faz de 3 a 6 anos de residência para ter condições de dar diagnósticos e prescrever tratamentos com segurança.

“Esta segurança vem com a história clínica inicial seguida de um minucioso exame físico. Mesmo assim, muitas vezes é necessário a solicitação de exames complementares para que a prescrição possa ser feita após um diagnóstico adequado. O farmacêutico não tem esta formação e, portanto, não tem a competência exigida para prescrever qualquer medicamento. Pode sim e deve indicar substituto para determinada droga, alertar sobre eventuais efeitos colaterais e interações medicamentosas”, disse o presidente da APM, Antônio José Gonçalves.

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O que diz o CFF

Nesta sexta-feira (21), a Gazeta do Povo entrou em contato com o Conselho Federal de Farmácia (CFF) para comentar sobre o assunto e recebeu uma nota em que a entidade afirma que "a resolução apenas organiza uma atribuição que já é dos farmacêuticos há mais de uma década".

"A prescrição farmacêutica é respaldada pela Lei Federal nº 13.021 de 2014, que determina que o farmacêutico tem a obrigação de estabelecer o perfil farmacoterapêutico dos pacientes, além do próprio acompanhamento farmacoterapêutico", diz um trecho da nota.

"Além disso, o Ministério da Educação estabeleceu por meio da Resolução CES/CNE nº 6/2017 (Art. 5º, § 2º, VII e VIII ) que  todo farmacêutico deve sair da graduação apto a prescrever terapias farmacológicas, ou seja, os medicamentos. A mesma determinação do MEC garante que o farmacêutico saia da graduação com competências para a realização de anamnese, solicitação e interpretação de exames laboratoriais, entre outras diversas atividades clínicas", continua a nota.

Na nota, o CFF também destaca que os vetos à chamada Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013) estabelecem que a prescrição terapêutica não figura como atividade privativa dos médicos, “pois restringir a prescrição a estes colocaria em risco políticas públicas essenciais para o Brasil, incluindo o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

“Também foi vetada da Lei do Ato Médico a exclusividade no atendimento a pessoas em risco de morte iminente. Este veto foi crucial. Em caso de reações alérgicas graves e rápidas, por exemplo, não é possível aguardar a chegada de uma ambulância. A farmácia é o estabelecimento de saúde mais próximo, onde o paciente normalmente busca auxílio. Impedir o farmacêutico de prestar o primeiro atendimento colocaria vidas em risco", afirma o CFF.

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O conselho ainda cita a resolução de 2022 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que estabelece novas regras para a rotulagem de medicamentos, determinando que as embalagens de medicamentos contenham a frase "venda sob prescrição" no lugar de "venda sob prescrição médica".

Na visão do CFF, a mudança mostra que a Anvisa “reconhece que medicamentos não são apenas de prescrição médica”.

Lei que regulamenta profissão de farmacêutico não faz referência à prescrição de medicamentos

A lei nº 13.021 de 8 de agosto de 2014, que regulamenta a profissão do farmacêutico, não contém nenhuma referência direta à permissão para prescrição de medicamentos. 

A CFF argumenta que a nova resolução foi emitida justamente para regulamentar pontos específicos da legislação de 2014.

A lei de 2014 diz que o farmacêutico deve "estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas".

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Na resolução desta semana, o CFF diz que a medida busca "regulamentar o ato de estabelecer o perfil farmacoterapêutico". 

“Entende-se por estabelecer o perfil farmacoterapêutico o ato de definir, designar, determinar, criar, constituir, fundar, instituir, pôr em vigor, pôr em prática ou formalizar planos farmacoterapêuticos, de forma dinâmica e contínua, de acordo com as necessidades e as variações no estado de saúde do paciente, assegurando a aplicação das melhores práticas fundamentadas em evidências científicas”, diz um trecho da resolução.

Após a repercussão da resolução, farmacêuticos têm atribuído a reação das entidades médicas contra a medida a uma disputa mercadológica.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]