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A eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos – com respaldo da maioria republicana no Congresso e da Suprema Corte, além das sinalizações com os principais indicados para a sua equipe – projeta desafios para a segunda metade do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A vitória de Trump galvanizou a direita brasileira e a expectativa de pressões extras sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), sobretudo contra o ministro Alexandre de Moraes. O quadro que se configura a partir de 2025 também coloca o Brasil no meio de uma nova e tensa fase da disputa comercial entre EUA e China.
A tendência é de que os principais nomeados para a nova administração americana – o bilionário Elon Musk, que protagonizou embate público com Moraes em 2024, e o futuro condutor da política externa, Marco Rubio, crítico do STF e de Lula – direcionem a atenção de Trump para o petista. Espera-se também que projetos de parlamentares americanos para retaliar ações do judiciário brasileiro prejudiciais aos interesses de cidadãos dos EUA e à liberdade de expressão ganhem mais desenvoltura em 2025.
Prova da perspectiva de escalada de tensões está no incidente diplomático causado pela ofensa disparada pela primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, no último fim de semana contra Musk, que alcançou repercussão internacional. Na ocasião, ela também enalteceu Moraes como “grande parceiro” do governo no controle do comportamento de rivais políticos nas redes sociais. O xingamento de Janja a Musk foi endossado por Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário.
A resposta do magnata, dono do X, de que o grupo político de Lula perderá nas próximas eleições, indica com clareza uma indisposição para um diálogo próximo e a percepção de que o Judiciário deverá ser considerado parte da resistência à pregação americana por mais liberdade nas plataformas digitais. Segundo informações de bastidores, a polêmica irritou diplomatas brasileiros. Também não por acaso, ministros do STF têm expressado preocupação com o avanço da direita no mundo e nos EUA, em particular.
Executivo, Judiciário e esquerda no Congresso buscam regular redes sociais
Os ex-presidentes Trump e Bolsonaro são parceiros, com conexões entre seus familiares e políticos aliados, o que instiga o Palácio do Planalto e o Judiciário a reavaliarem o cenário. Uma das reações conjuntas dos ministros do STF e Executivo percebidas nas últimas semanas trata da defesa pela aprovação de medidas para regulamentar as postagens do público nas plataformas digitais, algo visto pela oposição como avanço definitivo da censura no país, sobretudo contra grupos e políticos conservadores.
O STF julgará em 27 de novembro ações sobre regras para redes sociais e responsabilidades por conteúdos online, com relatorias de Dias Toffoli, Luiz Fux e Edson Fachin. As ações analisam dispositivos do Marco Civil da Internet, especialmente o artigo 19, que trata da responsabilidade das plataformas, hoje limitada ao descumprimento de ordens judiciais para remover conteúdos.
Os casos envolvem temas como a ampliação da responsabilidade das plataformas por conteúdos de teor golpista, discurso de ódio ou ataques à democracia, além da possibilidade de bloquear o WhatsApp por decisão judicial. A discussão ocorre após adiamentos, enquanto o Congresso não avança no chamado Projeto de Lei das Fake News. Empresas como Meta e Google são diretamente impactadas, e o governo defende maior responsabilidade das plataformas, independentemente de decisões judiciais.
Em mais um exemplo de entrosamento e constante intercâmbio entre Lula e membros do STF, o presidente se reuniu com os ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, além do o diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, no Palácio da Alvorada na quarta-feira (13), pouco depois das explosões na Praça dos Três Poderes. O encontro fora da agenda serviria para discutir questões de segurança, segundo o Planalto.
Lula e Xi Jinping prometem estreitar relações em comércio e investimentos
A eleição de Donald Trump impulsiona o presidente Lula a estreitar ainda mais os laços com a China, liderada por Xi Jinping. Durante a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Xi aproveitou a ocasião para iniciar um diálogo bilateral renovado, destacando que Brasil e China deveriam “navegar juntos” diante de seus interesses comuns, conforme anotou em aritgo publicado no último sábado (16), na Folha de São Paulo.
A vitória de Trump e a interrupção da agenda de Joe Biden frustraram avanços esperados na reunião das maiores economias do mundo. Temas importantes, como acordos para combater a fome global, a discussão sobre a taxação dos super-ricos e novas metas ambientais perderam força.
Espera-se que a parceria entre Brasil e China ganhe ainda mais relevância com a visita de Estado de Xi Jinping a Brasília, realizada na quarta-feira (20), logo após o encerramento do G20. No encontro, Lula recebeu o líder chinês, quando foram firmados dezenas de acordos bilaterais, com destaque para iniciativas no setor industrial.
Em 2023, o Brasil registrou um recorde histórico de exportações para a China, alcançando US$ 104,3 bilhões, valor que supera a soma das vendas para os Estados Unidos e a União Europeia. Enquanto Trump busca reforçar as relações econômicas com a Argentina, Xi Jinping enxerga no Brasil uma oportunidade estratégica para expandir a integração da América do Sul à Nova Rota da Seda, por meio de pesados investimentos em infraestrutura. A adesão do Brasil à iniciativa chinesa, porém, não está confirmada.
Virada no cenário externo anima os defensores de maior pareceria no BRICS
O consultor eleitoral e cientista Paulo Kramer ressalta que a articulação chinesa para ampliar a sua influência no Brasil e América Latina tem ocorrido em paralelo com esforços de colaboradores próximos de Lula em favor de uma aliança maior entre os países do chamado Sul Global, formado pelas economias emergentes que querem se tornar menos dependentes do comércio com os EUA e das transações em dólar.
“Figuras como o ex-ministro José Dirceu e o diplomata Celso Amorim, que se porta como chanceler informal, anseiam por alinhar o Brasil com China, Rússia e Irã na sua guerra ideológica contra os EUA e outras democracias ocidentais”, pontua. Desta forma, a vitória de Trump apena impulsionaria um processo já existente de maior concertação entre os membros do BRICS.
Para o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, o desejo da China em dar novo impulso à parceria com o Brasil traz forte significado estratégico. A perspectiva de novas e pesadas tarifas de Trump sobre o comércio, além de tirar suporte político e financeiro americano de organismos multilaterais, vem junto de mais pressão sobre a China.
“Antecipando a virada que ocorrerá a partir de 20 de janeiro de 2025, com a efetivação de Trump na sua posse, os chineses já colocam em prática sua estratégia global: sinalizar que o país asiático é um parceiro mais previsível e seguro do que os EUA e, assim, rivalizar com os americanos por influência”, disse.
Para Barreto, considerando que Trump deve trazer muitas ações unilaterais no seu “America First”, a mensagem de Xi mostra que, como a China tentará se colocar em um plano moralmente superior, em favor da cooperação mundial e ganhos compartilhados. “Essas mensagens, se vierem acompanhadas de bilhões em investimento, têm muito apelo”, destaca.