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Perseguição judicial

Fechados com Moraes: como o Brasil virou refém da elite jurídica

fechados com Moraes
O presidente do Senado Rodrigo Pacheco, os ministros do STF Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, o AGU Jorge Messias e o PGR Paulo Gonet: fechados com Moraes. (Foto: Montagem com fotos do STF e do Senado)

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A reação foi rápida e categórica: menos de 24 horas depois da reportagem da Folha de S.Paulo que denunciou o esquema do gabinete paralelo criado pelo ministro Alexandre de Moraes na estrutura do Judiciário brasileiro, colegas seus do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República e o advogado-geral da União já haviam manifestado solidariedade sem ressalvas ao ministro.

O apoio intransigente dado a Moraes por vários dos principais personagens que poderiam ajudar a conter suas ilegalidades causou exasperação em parte da população, especialmente da direita.

A blindagem corporativista da elite jurídica brasileira é um fenômeno antigo, que remonta à "República dos Bacharéis", como costuma ser apelidada a conjuntura de domínio dos bacharéis em Direito na política e nos cargos públicos no início do século 20. Mas, nos últimos dias, o compadrio promíscuo ganhou um novo marco com as declarações pró-Moraes:

Essas afirmações, como já mostrou a Gazeta do Povo, contrariam a avaliação feita por muitos juristas de diferentes matizes ideológicos não comprometidos com o poder.

A chancela a Moraes pela casta que domina a política brasileira também ganha força com o silêncio, até agora, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Seria ele o responsável por pautar ou não pedidos de impeachment contra o ministro. Pacheco, jurista de formação e amigo da elite jurídica, não pensa em comprar essa briga contra o STF, de acordo com informações da CNN e do Poder 360.

Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, a "blindagem da alta burocracia judicial a Moraes" tem a ver, em primeiro lugar, com o fato de que "o enfraquecimento do ministro pode significar o enfraquecimento de todos". "Há vários atores institucionais que estão no mesmo barco, manifestando apoio irrestrito às ações de Moraes, mesmo às mais controversas, há muito tempo", ressalta.

Além disso, segundo Moreira, há um fator "mais brasileiro": "o corporativismo e o bacharelismo" típicos de nossa cultura. "No meio jurídico, adulamos mais que vigiamos; fingimos mais do que deveríamos. Negar apoio ao ministro pode ser, nesse sentido, simplesmente arriscado", diz.

E não se pode descartar, segundo ele, o fato de que algumas pessoas realmente acreditam que o Supremo evitou um golpe de Estado e que Moraes liderou isso. "Para essas pessoas, abandoná-lo pode não ser uma opção. Pessoalmente, acho que essas pessoas não estão no mundo político, que não é dado a ilusões", afirma.

Vivemos o ápice de uma "República dos Bacharéis", diz analista

Luiz Ramiro, ex-presidente da Biblioteca Nacional e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), alerta para "o modo como os diversos poderes da República se estabeleceram para defender esse status quo, com os abusos do Alexandre de Moraes".

Para ele, o corporativismo da elite jurídica chegou a um ponto no Brasil em que já se verificam "todos os elementos para um regime ditatorial, inclusive os constrangimentos e as dificuldades de se expressar isso francamente". Segundo Ramiro, vivemos "o ápice de uma 'República dos Bacharéis' composta por membros do Estado, concursados e tudo mais".

"Um aspecto importante é a força e a estabilidade que o sistema judiciário adquiriu, inclusive como uma expressão de poder. Há vários capítulos dessa história. A ascensão do poder dos ministros é uma das coisas mais importantes. Lá pelo final dos anos 2000, começam a emplacar nas capas dos jornais os ministros do Supremo. Foi um momento de virada para a aquisição de um poder muito especial, que hoje se expressa nessa magistocracia", observa.

Eduardo Matos de Alencar, doutor em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também considera que "as instâncias superiores do Poder Judiciário se acostumaram a atuar como agentes políticos". "Isso significa que disputam recursos financeiros e de poder encastelados no Estado brasileiro. Existem facções nessas corporações, que mantém controle sobre esses nichos", afirma.

Ramiro observa que a elite jurídica se aproveita de "uma crise, sobretudo moral, em relação à decisão" na classe política. "Ninguém consegue bancar direito as suas decisões. O sistema judiciário acaba trazendo para si a responsabilidade de conduzir a vida política, porque conhece os limites daquilo que pode e não pode", diz.

Outro problema, na visão dele, é a negligência do Legislativo em relação a reformas necessárias à Constituição de 1988, que abre espaço para o Judiciário tomar as rédeas de transformações sociais.

"A gente tem ciclos constitucionais muito bem cronometrados ao longo da história brasileira. Pela temporalidade e pelo desgaste, o ciclo constitucional de 1988 já se foi. E quem acaba modulando essa Constituição que já não é mais estável, que não estabiliza o país, é o próprio Judiciário", comenta.

O governo Bolsonaro, segundo Matos de Alencar, foi um curto período em que as elites jurídicas temeram perder as rédeas da política brasileira, porque "não se viram contempladas nas suas indicações para Procuradoria-Geral da República, vagas no Supremo, entre outros enclaves de poder".

"Esse desequilíbrio parece ter colaborado para que se criasse um consenso entre esses grupos e o petismo, em torno do retorno da figura de Lula para a Presidência", diz. "É como uma tentativa de colocar o presidencialismo de coalizão nos mesmos eixos de negociata de antes. Não é à toa que a defesa do STF vem na mesma hora que o ministro Flávio Dino tenta acabar com o desequilíbrio de poder entre Legislativo e Executivo, eliminando as emendas impositivas na base da canetada", acrescenta.

As denúncias contra Moraes são, para ele, "um pequeno racha nesse arranjo, mas que começa a provocar um imenso desconforto". "Não creio que o seu enfraquecimento será rápido. Vai depender do que as reportagens ainda têm para revelar, da mobilização popular e, sobretudo, do tempo", conclui.

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