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A recente polêmica envolvendo o deputado Zé do Trovão (PL-SC) mostrou que a fidelidade para com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ser um dilema ainda em aberto na sigla comandada por Valdemar Costa Neto. Em áudio divulgado pelo portal Metrópoles, o parlamentar afirmou que Bolsonaro é um “mau exemplo”.
O caso viralizou nas redes sociais e causou constrangimento interno no partido. Trovão chegou a publicar um vídeo alegando que o áudio foi “tirado de contexto”. “Essa parte do áudio, para mim, está esquisita. Eu nunca disse que era mau exemplo para ninguém. Eu disse que ele cometeu erros. Não concordo com tudo o que ele fez, mas concordo com 99%. Na minha plena convicção e consciência, eu jamais diria que Bolsonaro é um mau exemplo”, afirmou o congressista.
No entanto, o estrago, na visão de membros do partido, já estava feito. De acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, o argumento do parlamentar não convenceu. Por outro lado, integrantes da sigla tentam colocar panos quentes na situação para evitar excesso de exploração do episódio pela esquerda.
Não é a primeira vez que um aliado de Bolsonaro afirma ter sido mal interpretado em suas declarações acerca do ex-presidente. Em janeiro, Costa Neto elogiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmando que o petista tem "prestígio" e Bolsonaro, "carisma". Ele acrescentou que não há “comparação” entre o petista e o ex-presidente. Segundo ele, Bolsonaro é "mil vezes" mais difícil de lidar porque ele "não é uma pessoa igual a nós".
A declaração foi considerada “fogo amigo” por aliados de Bolsonaro, que cobraram de Costa Neto uma retratação. "Estão me atacando usando uma fala minha sobre o Lula que está fora de contexto", disse o dirigente nas suas redes sociais.
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, docente no Ibmec de Belo Horizonte, a forma como os partidos lidam com a transparência de declarações e informações está intimamente ligada às crenças políticas e ideológicas daquela legenda.
“O PT, como partido marxista, por exemplo, segue a linha diretiva do centralismo democrático. Pode até ter um debate, mas uma vez tomada a decisão, todos têm que abraçar aquela ideia. Eles estão muito preocupados em não mostrar nenhum tipo de divisão interna, por mais que ela exista. Esse controle da informação, essa exigência da disciplina com relação às decisões tomadas, são comuns, aos regimes políticos de esquerda”, disse Cerqueira.
Ele acrescentou ponderando que no lado liberal e conservador a lógica é diferente. “Já os partidos que não são de esquerda - em especial os partidos que se dizem mais liberais, conservadores ou de direita - o debate é aberto e acontece de isso não ser visto como fragilidade. Pelo contrário, é entendido como algo natural e há maior tolerância para um debate mais franco. Claro, muitas das vezes isso pode mostrar um certo enfraquecimento ou bagunça, mas é assim que eles são organizados”, afirmou o especialista.
Disciplina partidária é essencial para novas legendas
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), as críticas a Bolsonaro, seja no público ou privado, mostram que o Partido Liberal carece da disciplina partidária, que é observada em legendas como MDB e PT.
“Todo mundo que criticou o Lula abertamente saiu do partido ou foi ostracizado de alguma maneira. No caso de Bolsonaro, ele não tem o que o Lula tem. O Lula é o fundador do PT. Ele é, entre aspas, o "dono do PT". O Bolsonaro não é dono do PL. Não há o mesmo nível de disciplina partidária da esquerda. E mesmo de partidos de centro-esquerda ou centro-direita mais tradicionais possuem certa manutenção de compostura”, disse o professor.
Ele também avaliou que o crescimento repentino do PL pode explicar a falta de disciplina de seus membros. A sigla elegeu 33 deputados federais em 2018 e viu o número subir para 76 antes das eleições de 2022. Após o pleito, o PL formou a maior bancada da Câmara dos Deputados, chegando a 99 parlamentares.
“O PL cresceu bastante. Nesse contexto, ocorre uma situação que chamamos de estrutura de acomodação. Ou seja, ele cresceu muito. Era uma força pequena que representava um pouco do eleitorado. Agora é a maior força congressual representada no Brasil. Isso tem um peso enorme e demanda muita coordenação e muita capacidade de mando, habilidade negocial. São coisas que não se desenvolvem do dia para a noite”, afirmou Gomes.
Votações da Reforma Tributária foram teste de fidelidade
As votações da Reforma Tributária no Congresso Nacional são exemplos da avaliação feita por Gomes acerca do partido. Tanto na Câmara quanto no Senado o PL conseguiu barrar a proposta apoiada pelo Palácio do Planalto. Parte disso ocorreu porque a própria legenda cedeu 20 votos para a aprovação do projeto durante a tramitação na Câmara.
No primeiro turno da votação, os deputados deram 382 votos favoráveis e 118 contrários ao texto. Desses, 16 deputados do PL votaram com o governo Lula mesmo depois de Bolsonaro se mobilizar para derrubar o projeto. Já no 2º turno, o projeto foi aprovado por 375 a 113, com 15 votos favoráveis do PL. Na época, Costa Neto decidiu por não punir os deputados infiéis. O movimento gerou consternação entre os parlamentares mais próximos de Bolsonaro.
Quando a proposta foi para o Senado, o partido também contribuiu para a aprovação. O senador Eduardo Gomes (PL-TO) foi o único da bancada que votou a favor do texto. Ele já foi líder do governo no Congresso durante a gestão de Bolsonaro na Presidência. No entanto, a legenda também não aplicou nenhuma punição ao parlamentar.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo semanas após a aprovação da proposta na Câmara, Costa Neto afirmou que Bolsonaro errou “na comunicação” e que não havia “se explicado bem” sobre a sua oposição ao texto. O dirigente disse que todos os deputados da sigla eram favoráveis a uma reforma tributária, mas não da forma como o texto foi redigido na Casa.
Bolsonaro opta por fidelidade na hora de filiar novos membros
Desde o ano passado, Costa Neto tenta filiar mais seis senadores dentro da estratégia do partido de fortalecer a legenda no Senado contra o governo Lula e tentar conter abusos do STF. Mas Bolsonaro tem barrado a iniciativa, argumentando que os objetivos da sigla não podem ser obtidos a qualquer custo, e que os possíveis afiliados não foram fiéis a ele em anos anteriores.
Em troca das filiações, os seis senadores pedem que o ex-presidente dê seu apoio a eles na próxima eleição geral, em 2026.
Por outro lado, Bolsonaro prefere fortalecer a identidade ideológica do partido ao focar em filiações que defendam sua gestão à frente do governo federal e as pautas referentes ao conservadorismo. Ele está mais criterioso em fornecer seu apoio após as traições de candidatos que se elegeram com seu prestígio em 2018 e depois mudaram de lado, como Joice Hasselmann, Alexandre Frota e Janaina Paschoal.