A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, uma das bandeiras da oposição na Câmara para tentar frear a intromissão do Supremo Tribunal Federal (STF) no poder Legislativo, pode acabar ficando mais uma vez para depois e não ser instalada no começo deste ano, como querem os deputados da direita. A decisão, mais uma vez, dependerá do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O atraso pode acontecer porque há uma fila de sete CPIs esperando para serem instaladas e o regimento interno da Câmara só permite o funcionamento de cinco CPIs ao mesmo tempo. A instalação só ocorre após o despacho de Lira e leitura do requerimento em plenário e, embora seja praxe dar preferência para as que foram apresentadas primeiro, esta não é uma regra formalizada.
A consultora legislativa Deborah Wajngarten explica que cabe à mesa diretora da Câmara, após a leitura do requerimento em plenário, a instalação da CPI, mas não há uma regra específica disciplinando a ordem de instituição. Somente depois de lido o requerimento a comissão temporária é instalada, com a indicação pelos partidos dos membros e escolha do presidente e designação de relator.
As regras em vigor para criação das comissões de investigação determinam que a CPI tenha o apoio de no mínimo 171 deputados; fato determinado, ou seja, acontecimento de relevante interesse; e um prazo para ocorrer, podendo ser de no máximo 120 dias, prorrogáveis por mais 60.
Novo pressiona por CPI, mas Lira não quer bater de frente com STF
Autor do pedido de instalação da comissão que quer apurar atos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) batalha por essa comissão desde 2022, quando conseguiu as assinaturas necessárias já próximo ao fim da legislatura anterior. Na época, Lira achou melhor deixá-la para o ano seguinte.
Em 2023 van Hattem iniciou nova luta em busca de apoio, mas encontrou resistência por parte de muitos colegas, inclusive de alguns que tinham assinado o pedido para criação da CPI em 2022 e retiraram a assinatura posteriormente, muitos por medo de represálias.
Mas a morte de Clériston Pereira da Cunha durante o banho de sol no presídio da Papuda, em Brasília – onde estava preso por suposta participação nos atos de 8 de janeiro – deu novo fôlego à CPI. Os parlamentares reagiram contra a morte de Cleriston, que tinha pedido de soltura pelo Ministério Público, e, numa reação contra mais um ato que consideraram questionável pela justiça, conseguiram as 171 assinaturas necessárias para protocolar o requerimento de instituição da CPI, o equivalente a 1/3 dos deputados, como exige o regimento interno da Câmara.
Para o presidente do Novo, a instalação é urgente e necessária. "Faz dois meses que Marcel conseguiu todas as assinaturas e a cada dia que passa vemos mais abusos sendo cometidos pelo STF. Por isso, não pode haver mais demora para a instalação da CPI de Abuso de Autoridade quando voltarem as atividades da Câmara, caso contrário, correremos o risco de termos um Legislativo completamente submisso ao Judiciário".
As recentes operações da Polícia Federal, autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, contra os deputados do PL Carlos Jordy e Alexandre Ramagem fizeram a oposição reforçar o pedido pela instalação da comissão. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) defendeu a investigação de atos que "exorbitam" o poder do Judiciário, criticando a decisão judicial que autorizou as buscas e apreensões em domicílios de membros da oposição.
Além disso, a deputada defendeu a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata do fim das decisões monocráticas nos tribunais superiores e cobrou um posicionamento público dos presidentes da Câmara, Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre as "violações constitucionais" a que o Congresso vem sendo submetido.
Embora grande parte dos parlamentares defenda a apuração dos supostos excessos do Judiciário, até mesmo da base aliada ao governo, há quem tema que Lira não queira "bater de frente" com o STF e, por isso, pode acabar não instalando a CPI.
Um deputado ouvido pela Gazeta do Povo, que preferiu não se identificar, acredita que o silêncio do presidente da Câmara dos Deputados, mesmo após as operações determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes contra o líder da oposição, Carlos Jordy, pode ser um indício de que a CPI não terá para Lira a mesma prioridade que tem para os que estão incomodados com a interferência do Judiciário.
As outras CPIs que estão na fila
Dentre os sete requerimentos de instalação de CPI que aguardam despacho de Lira estão pedidos para investigar a distribuição de energia elétrica por empresas e contratos firmados para instalação de termelétricas na Baía de Sepetiba, no litoral do Rio de Janeiro, por suposto descumprimento de regras do leilão para fornecimento de energia e impactos ao meio ambiente.
Ainda na área de energia, uma outra comissão quer apurar o motivo do atraso ou negativa de conexões de MMGD (Micro e Minigeração Distribuída - popularmente conhecida por energia solar) pelas distribuidoras de energia no país. Hoje, há um embate entre os pequenos geradores de energia solar e as concessionárias de energia elétrica em torno da grande demanda por conexão aos fios elétricos. Um dos argumentos apresentados pelas distribuidoras para as negativas é a inversão de fluxo de potência na rede, o que prejudicaria o sistema. Muitos casos acabam sendo judicializados.
Na área da segurança pública, deputados querem uma CPI para investigar a relação entre o crime organizado no Brasil e o crescimento no número de homicídios e atos de violência em todo o país. A CPI conta com apoio da bancada da segurança pública da Câmara, deputados principalmente ligados às polícia, e que costumam criticar veementemente o estado da segurança pública no país, que no ano passado, por exemplo, levou o horror a cidades como Rio de Janeiro e Salvador, grandes cidades que têm enfrentado um agravamento dos problemas com a criminalidade e presença de facções.
Ainda no mesmo setor, existe o pedido de outra CPI para tratar de casos de tráfico infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes. O requerimento de criação da CPI destaca que 50 mil crianças são levadas pelo tráfico infantil anualmente, e que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo no ranking de exploração sexual. E mais: uma outra Comissão Parlamentar de Inquérito pode ser instalada em 2024 para investigar o aumento do uso de crack, tráfico de drogas e crimes conexos no país desde o ano de 2016.
Por fim, os parlamentares querem ouvir explicações e entender como funciona o mercado de venda de passagens, hospedagens e similares, e irregularidades cometidas por empresas, como cancelamento de reservas, falta de repasse e outros problemas. No final do ano passado, a empresa 123milhas entrou com pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, depois de acumular dívidas de mais de R$ 2 bilhões e suspender a emissão de passagens e pacotes comprados por consumidores de todo o país.
Contratos do governo com influencers também pode motivar CPI na Câmara
Deputados da oposição também querem reforçar a coleta de assinaturas para protocolar o requerimento de criação de uma CPI da Máfia Digital, que ainda durante as férias conseguiu o apoio de 123 parlamentares. A oposição quer apurar a relação de contratos firmados entre o governo Lula e influencers da Agência Mynd, que gerencia páginas como a "Choquei", que noticia fofocas sobre famosos e recentemente foi acusada de envolvimento no caso que terminou com o suicídio de uma jovem, vítima de uma notícia falsa espalhada pelo perfil.
Além disso, a oposição quer instalar a CPI da Máfia Digital para investigar se houve pagamento aos influencers que o presidente Lula diz que o apoiavam de forma gratuita, segundo apontou o deputado Maurício Marcon (PL-RS), vice-líder da bancada oposicionista na Câmara.
No Senado, CPI da Braskem foi instalada no final de 2023 mas deve começar efetivamente na volta do recesso
Já no Senado Federal, uma Comissão de Inquérito que promete movimentar a Casa é a da Braskem, instalada ainda no final de 2023, depois que um terreno onde a empresa explorava sal-gema na capital alagoana, Maceió, cedeu, com risco de desabamento na área, o que provocou a retirada de moradores e mobilizou autoridades de defesa no Estado, além de envolver políticos renomados e rivais como o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que disputam votos em Alagoas.
O afundamento de bairros da capital alagoana é considerado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) como o maior desastre ambiental urbano do país. Em 2018 foram registrados os primeiros tremores de terra na área onde antes a empresa operava 35 poços de sal-gema, antes de ter a atividade suspensa em função dos abalos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), mais de 14 mil imóveis foram afetados e mais de 60 mil pessoas foram retiradas de suas casas.
Os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Jorge Kajuru (PSB-GO) foram eleitos presidente e vice-presidente da comissão, e o relator será escolhido após o recesso parlamentar.
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