Filmes brasileiros na Netflix: cena de “3%”, série original brasileira filmada nos Lençóis Maranhenses.| Foto: Pedro Saad/Netflix

Um projeto de lei que tramita no Senado (PLS 57/2018) propõe a criação de cotas para conteúdo nacional em serviços de streaming de vídeo sob demanda, estipulando que 20% da duração total do acervo sejam de obras brasileiras. Na prática, obriga a disponibilização de seriados e filmes brasileiros na Netflix, na Amazon Prime e HBO Go.

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De autoria do senador reeleito Humberto Costa (PT-PE), o texto do PLS também sugere a adoção de uma taxa para reverter parte do valor arrecadado por esses serviços à indústria cinematográfica brasileira. Com votação prevista para o começo de 2020, o projeto quer privilegiar produções nacionais nos mecanismos de busca dos aplicativos de streaming.

A proposição está avançando no Senado e poderá ser votada no início de 2020. Já foi tema de duas audiências públicas em outubro de 2019, com a presença de representantes da Netflix, de associações brasileiras de produtores de audiovisuais e da Motion Picture Association of America. O relator da proposição é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF).

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4% da receita da Netflix fomentaria o cinema nacional

O texto do projeto é de 2018 e sugere que a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica), tributo cobrado pelo governo de empresas do mercado audiovisual, passe a incidir sobre provedores de serviços de vídeo sob demanda e responsáveis por plataformas de compartilhamento de conteúdos.

Serviços de vídeo sob demanda que tenham receita anual bruta de até R$ 3,6 milhões estariam isentos da Condecine. Já aqueles com receita entre esse valor e R$ 30,4 milhões pagariam taxa de 1% do total da receita. A contribuição aumentaria progressivamente de acordo com a receita, e chegaria a 4% para serviços com receita anual bruta superior a R$ 70 milhões, como deve ser o caso da Netflix (que não divulga sua receita).

As empresas de vídeo sob demanda poderiam ganhar isenção parcial dessa taxa se ajudassem a produzir filmes no Brasil. Até 30% do valor da Condecine poderiam ser descontados por meio da participação na produção de obras audiovisuais brasileiras.

O não pagamento da taxa poderia ocasionar multas de até R$ 50 milhões, de acordo com o projeto.

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Filmes brasileiros na Netflix: produções independentes ocupariam 10% do acervo

Uma das principais propostas é exigir que 20% da duração do conteúdo de serviços de vídeo sob demanda sejam dedicados a obras audiovisuais brasileiras. Dessas obras, metade seria obrigatoriamente de produtoras nacionais independentes. Ou seja, no mínimo 10% do catálogo do Netflix seria ocupado por produções independentes brasileiras e o restante de seriados e filmes brasileiros produtos por produtoras tradicionais.

A lei também exigiria que esses serviços dessem maior proeminência às produções nacionais em suas interfaces – o que significa, por exemplo, que a tela inicial do Netflix seria obrigada a dar mais destaque a conteúdos brasileiros. O projeto não traz detalhes sobre como a relevância do conteúdo na interface seria medida.

Para garantir a fiscalização, a lei propõe que os serviços de streaming sejam obrigados a fornecer ao governo os algoritmos que usam para recomendar conteúdo aos clientes. Segundo o projeto, “os algoritmos de busca, de seleção e de catalogação utilizados pelas provedoras de conteúdo audiovisual por demanda devem ser fornecidos ao Poder Executivo, quando solicitados”.

Justificativas para obrigar a exibição de filmes brasileiros na Neflix

Entre as motivações apontadas para o projeto, as principais são a falta de um marco regulatório para os serviços de vídeo sob demanda, a necessidade de fomentar a indústria audiovisual nacional – especialmente o cinema independente – e a garantia de uma competição equilibrada com outros tipos de serviço de conteúdo audiovisual.

Autor do projeto, o senador Humberto Costa diz que seu objetivo é “prover um marco regulatório que garanta previsibilidade e estabilidade jurídica à atividade”. Segundo ele, as propostas vão assegurar “um mercado dinâmico, com equilíbrio competitivo entre as várias modalidades de serviço, sem onerar desnecessariamente” os serviços de vídeo sob demanda com “obrigações administrativas ou burocráticas”.

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Costa diz que o projeto busca superar “uma distorção de tratamento que vem gerando assimetrias comerciais e de veiculação de publicidade entre os vários segmentos da oferta de conteúdo por assinatura”.

Netflix é contra cotas para produção nacional, mas está aberta a negociar taxa

Principal provedora de streaming de vídeos sob demanda no Brasil e no mundo, a Netflix tem considerado excessivas as propostas regulatórias do PLS 57/2018. A empresa se mostra especialmente contrária à adoção de cotas de duração temporal para produções nacionais.

Como o critério escolhido pela lei para garantir maior presença de conteúdo nacional é baseado no tempo de duração das obras audiovisuais, a simples remoção de conteúdo internacional já ajudaria as empresas de serviços de vídeos sob demanda a cumprir as normas.

Paula Pinha, diretora de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Netflix, representou a empresa em uma audiência pública no Senado em outubro. "[O atual projeto de lei] prejudicaria especialmente o consumidor, levando a uma reformulação no catálogo de ofertas de obras”, disse ela, sem especificar como poderia se dar essa reformulação.

Ela destacou os benefícios trazidos à indústria cinematográfica brasileira pelas produções originais que a Netflix já realizou no país. “Geraram mais de 40 mil empregos diretos e indiretos desde 2016 no Brasil”, afirmou. Ela comenta ainda que os conteúdos foram vistos por 29% dos clientes da empresa fora do Brasil. Disse ainda que a empresa tem “planos de investir mais de R$ 350 milhões em conteúdos brasileiros” em 2020.

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Para a executiva, em vez de estipular cotas, o correto seria discutir “medidas alternativas de fomento e incentivo ao investimento no audiovisual brasileiro”.

Quanto à tributação pela Condecine, a Netflix se mostra aberta à negociação. “Entendemos que uma empresa que está atuando no país e auferindo receitas precisa contribuir com o desenvolvimento do país. Estamos abertos a contribuir com as discussões sobre o modelo ideal de tributação do setor de vídeo sob demanda”, afirmou Paula Pinha.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]