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A partir desta quarta-feira (1º), o Google proibirá a veiculação de anúncios eleitorais em suas plataformas. A decisão, comunicada na semana passada, reflete a pressão das novas regulações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as Eleições 2024, em especial um trecho da resolução sobre propagandas eleitorais que dispõe sobre o serviço de impulsionamento de conteúdos "político-eleitorais", cuja conceituação é considerada ampla por analistas consultados pela Gazeta do Povo.
A nova regra da big tech vale para todos os anúncios gerenciados no Google Ads, que incluem anúncios na ferramenta de busca e no YouTube, além de aplicativos e sites da rede de Display, que são aqueles nos quais a empresa veicula seus anúncios. Segundo a empresa de análise de mídia digital Comscore, a rede de Display do Google alcança 90% dos usuários de internet em todo o mundo.
Ao anunciar a supressão dos anúncios políticos-eleitorais, o Google afirmou que as eleições são importantes e que, ao longo dos últimos anos, trabalhou para “lançar novos produtos e serviços para apoiar candidatos e eleitores”. A empresa ainda disse que “tem o compromisso global de apoiar a integridade das eleições” e que seguirá o diálogo com “autoridades em relação a este assunto”.
O Google não justificou o que levou a empresa a cancelar os anúncios eleitorais. No entanto, a decisão da rede de inviabilizar anúncios políticos acaba por explicitar a inadequação com as novas exigências do TSE.
Uma nota no site de suporte da empresa diz que a partir de maio será proibido o anúncio de "conteúdo político-eleitoral" e cita parte da resolução do TSE nº 23.732/2024 que define o que está enquadrado nesse tipo de conteúdo: "Anúncios promovendo eleições, partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral".
Esta designação consta no artigo 27-A da resolução, que, além de descrever o que são os conteúdos "político-eleitorais", prevê uma série de obrigações para as big techs que prestam serviços de impulsionamento deste tipo de conteúdo, como manter um repositório de dados dos anúncios e disponibilizar uma ferramenta "de fácil manejo" que permita realizar buscas por palavras-chaves e nomes de anunciantes, além de informar valores gastos, pessoas atingidas pelo anúncio e perfilamento.
Essas exigências foram aprovadas no fim de fevereiro, mas passaram a vigorar só agora, 60 dias após a publicação. Elas também são de cumprimento permanente, inclusive em anos não eleitorais e períodos pré e pós-eleições.
Tanto o Google quanto a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) mantêm "bibliotecas de anúncios", por meio das quais é possível fazer pesquisas restritas à publicidade eleitoral e por palavras-chave. Há pequenas diferenças entre ambas as plataformas, já que o Google possui a opção de pesquisa em "Propaganda política" e a Meta disponibiliza o tópico "Temas sociais, eleições ou políticas". A partir desta quarta, porém, o Google não atualizará mais essa aba específica de publicidade eleitoral, embora os resultados anteriores sigam disponíveis para consultas.
Em outros trechos da resolução sobre propaganda eleitoral (artigo 28), o TSE determina que o impulsionamento de conteúdos nas redes sociais "somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar uma candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa".
No caso dos mecanismos de buscas, o TSE proibiu ainda a "priorização paga" de conteúdos que promovam propaganda negativa e que difundam "dados falsos, notícias fraudulentas ou fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados". Quem violar essas disposições poderá ser investigado por abuso de poder.
A decisão de vetar anúncios eleitorais foi apenas do Google. Outras big techs não se pronunciaram sobre as novas regras do TSE, nem fizeram comunicados sobre o impulsionamento de conteúdos político-eleitorais até o momento.
Definição ampla para "conteúdos político-eleitorais"
Para os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o problema da resolução, no que se refere aos anúncios nas redes sociais, está na ampla conceituação dos "conteúdos político-eleitorais".
O advogado e consultor jurídico em liberdade de expressão e digital André Marsiglia avalia que o artigo 27 da nova resolução não é claro a respeito do que é propaganda eleitoral e, quando caracteriza entre os conteúdos político-eleitorais “propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral”, pode fazer com que haja confusão, por exemplo, com conteúdos editoriais, de jornais e revistas que, porventura, sejam impulsionados.
“O último parágrafo [do artigo 27] sai do ambiente da publicidade e entra no ambiente editorial. Passa a dialogar de muito perto com o conteúdo informativo, com conteúdo jornalístico, entrevistas, discursos parlamentares, e tudo isso pode entrar dentro desse balaio que é o regramento de publicidade eleitoral”, afirma.
Para o advogado Antonio Carlos de Freitas Jr., mestre em Direito Constitucional pela USP e especialista em Direito Eleitoral , quando o texto da resolução trata de candidaturas ou cargos eletivos, há algum tipo de concretude, mas quando se refere a programas de governo e projetos de lei, qualquer tipo de manifestação política pode ser abarcada.
“Toda questão política, toda ideia política brasileira possível está submetida ao regramento desse artigo”, disse. “Não consigo enquadrar um discurso que seja político fora do rol tão extenso, tão extensivo, tão analítico que foi colocado pelo Tribunal Superior Eleitoral”, opinou.
Os analistas também citam como exemplo que qualquer publicidade governamental poderia ser enquadrada nesse conceito, embora ponderem que alguma baliza possa ser estabelecida pelo TSE.
Na opinião de Marsiglia, em vez de consolidar entendimentos a fim de harmonizar as práticas para o período eleitoral, a nova resolução do TSE acabou por implementar pontos controversos de forma imprecisa, o que, segundo ele, pode acarretar inúmeros problemas durante o pleito – sendo a decisão do Google apenas um deles.
Ele lembra, por exemplo, do artigo 9º da mesma resolução sobre propaganda eleitoral, que, prevê que as plataformas são responsáveis por decidir, por conta própria, pela suspensão imediata de conteúdos e contas que veiculem mensagens com “atos antidemocráticos”, com “fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”, de “comportamento ou discurso de ódio”, entre outros.
Marsiglia alega que a resolução não deixa claro o que é desinformação e que as decisões da Corte Eleitoral, tampouco fornecem às redes e plataformas subsídios para que decidam a esse respeito.
“As plataformas não têm um material jurisprudencial suficiente em termos de pacificação de pontos do que é ou não desinformação”, explica o advogado. “O artigo 9º-E, ao colocar sob a responsabilidade das redes a moderação de conteúdo, faz com que elas, por precaução, retirem qualquer conteúdo que possa ser ou que vislumbrem que seja interpretado como 'desinformação', o que vai levar à suspensão de inúmeras publicações. Isso é a semente da censura”, conclui.
Em 2022, candidaturas de Bolsonaro e Lula investiram mais de R$ 50 milhões em anúncios do Google
Embora 2024 seja ano de eleições municipais, os gastos das campanhas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022 dão uma ideia do impacto da decisão do Google. As duas candidaturas, somadas, gastaram R$ 51 milhões em publicidade na plataforma durante aquele ano.
De acordo com a biblioteca de anúncios do Google, a campanha de Bolsonaro gastou R$ 28.658.500 com 1.067 anúncios naquele período. No caso do ex-presidente, chama a atenção o fato de grande parte dos anúncios ter sido removida "devido a uma violação de política" – o Google, porém, não informa quais políticas foram violadas ou o porquê da remoção dessas publicidades, nem quando elas foram removidas.
Lula, por sua vez, fez 2.659 anúncios na plataforma ao custo de R$ 22.789.000 naquela campanha.
Candidatos estreantes podem ser mais prejudicados
Embora outras redes sociais, como o Facebook, continuem disponibilizando serviços de anúncios eleitorais, os anúncios no Youtube e no buscador do Google são importantes ferramentas para estratégias de marketing, por isso é esperado um impacto negativo especialmente sobre candidatos iniciantes, sem tantos recursos partidários, e que tenham suas campanhas baseadas no ambiente digital – em comparação com campanhas tradicionais, com santinhos e visitas a comunidades e eventos, por exemplo.
“A inexistência de impulsionamento favorece candidaturas que eu vou chamar de clássicas ou tradicionais. Não acho que seja um prejuízo específico no sentido da capacidade econômica das candidaturas. Acho que tem uma influência sobre a estratégia digital versus tradicional, ou mídias sociais versus clássico”, comenta.
Redes participaram de audiências públicas sobre minutas de resolução
Em resposta a questionamentos da Gazeta do Povo, o TSE afirmou que as medidas da resolução foram discutidas com partidos políticos, pessoas físicas e instituições durante as audiências públicas realizadas nos dias 23, 24 e 25 de janeiro deste ano.
De acordo com o site da Corte, alguns dos temas referentes à resolução 23.732 foram debatidos no dia 25 de janeiro, tais como normas sobre o uso da inteligência artificial (IA) nas eleições, impulsionamento de conteúdo, uso de dados pessoais e a regulamentação das lives eleitorais, assim como a responsabilidade pela publicação de materiais fabricados, manipulados ou desinformativos.
Na ocasião, a representante do Google, Tais Cristina Tesser, solicitou que, em relação ao uso de Inteligência Artificial em anúncios, a responsabilidade sobre informações e conteúdos fosse designada aos próprios anunciantes. A empresa ainda solicitou ajustes para reforçar que o desligamento da propaganda coubesse igualmente aos anunciantes, incluindo a responsabilidade de não impulsionar conteúdos com desinformação.
Já a Meta, representada por Rodrigo Ruf Martins, apresentou quatro proposições. Dentre elas, a plataforma solicitou que fosse mencionado o precedente do TSE que servisse de base para a decisão judicial que determinasse a remoção de conteúdos repetitivos ou idênticos, nos casos de propaganda eleitoral que veiculasse desinformação. A empresa também propôs que fosse obrigatória a indicação de URL para a retirada desse tipo de conteúdo, bem como a notificação de que se tratava de uma ordem judicial, entre outras propostas.
O Google e a Meta não se manifestaram sobre o TSE ter ou não acatado suas sugestões na resolução. A leitura do documento final mostra que, dentre as várias sugestões feitas pelas redes, as que foram citadas acima não estão contempladas.
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