Com pouco mais de 50 dias de governo, integrantes do Palácio do Planalto já avaliam que o período de "lua de mel" do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabou e os embates dentro do Executivo já atrasam as entregas das promessas de campanha.
O caso mais recente expôs o racha dentro do próprio PT, especificamente entre a ala política e a equipe econômica, comandada por Fernando Haddad na questão dos impostos sobre os combustíveis. Mas também há outros embates com potencial de ampliar os desgastes do governo Lula, como a tramitação de reforma tributária e o reajuste para os servidores federais.
A "fritura" do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, começou ainda na última semana, depois que a presidente do PT, deputada federal pelo Paraná Gleisi Hoffmann, encampou um movimento contra a volta dos tributos federais no álcool e na gasolina. A equipe econômica vinha defendendo a tributação como forma de garantir o pagamento de programas sociais para os mais pobres, uma das principais bandeiras dos governos petistas.
“Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, disse Hoffmann.
O líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PR), endossou a mensagem da presidente do partido. “A prorrogação da desoneração deve seguir, na busca de não afetar o bolso da população”. O deputado Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de comunicação no PT, emendou, no Twitter, contra “o fim imediato da desoneração dos combustíveis”.
Interlocutores da Fazenda temiam que uma prorrogação da desoneração provocasse, além de uma nova derrota para Haddad, uma reação negativa do mercado. A avaliação era de que essa decisão sinalizaria que a influência da ala política teria mais peso que as decisões da equipe econômica, o que poderia inviabilizar qualquer proposta encampada pelo ministro da Fazenda ao longo do governo.
Planalto vai investir em críticas a Bolsonaro para amenizar desgastes com o aumento dos combustíveis
Para tentar contornar a situação, Lula optou pela volta dos impostos de forma progressiva, com uma taxação gradual para o etanol e para a gasolina. A partir de de 1º março, o governo voltará a cobrar R$ 0,47 de imposto na gasolina e R$ 0,02 no etanol.
Paralelamente, o Planalto vai investir em críticas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para tentar amenizar os desgastes por conta do aumento do preço dos combustíveis. Durante o anúncio sobre o reajuste, Haddad disse que a redução dos impostos federais foi uma medida eleitoreira do governo Bolsonaro, que só foi estendida por Lula porque havia rumores de um golpe de Estado e a reoneração poderia inflar atos considerados antidemocráticos.
A avaliação é de que Lula precisa encampar o discurso de que a desoneração dos combustíveis foi uma "armadilha eleitoreira" do governo anterior. A redução dos impostos federais sobre combustíveis foi aprovada durante o governo Bolsonaro, no ano passado, em meio à alta nos preços do petróleo no mercado internacional, em decorrência da guerra na Ucrânia.
Ao assumir o governo, no entanto, Lula optou por manter a desoneração por dois meses, temendo um desgaste logo no início de mandato. Àquela altura, o presidente manteve a redução de impostos mesmo contra a orientação de Haddad.
Agora, integrantes do Planalto afirmam que a solução intermediária foi definida por Lula para contemplar necessidades técnicas da equipe econômica e também os argumentos políticos do PT.
Reajuste de servidores pode impor novo desgaste para o governo Lula
Outro ponto que acendeu o alerta em integrantes do governo é a resistência dos servidores federais em acatar o reajuste salarial de 7,8%. A proposta inclui ainda um aumento de R$ 200 no vale-alimentação dos funcionários públicos federais, de acordo com o Ministério da Gestão.
O governo espera enviar a proposta de reajuste ao Congresso Nacional por medida provisória para que ela passe a valer imediatamente. De acordo com técnicos do Executivo, o impacto será de R$ 11,2 bilhões, valor já previsto no Orçamento deste ano para reajuste salarial.
Na contramão da proposta do governo, o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) tem defendido um reajuste de 13,5%. Em ofício endereçado ao secretário de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho do Ministério da Gestão, Sérgio Mendonça, o Fonacate argumenta que o reajuste de 7,8% fica muito aquém das perdas salariais acumuladas nos últimos anos, em que o funcionalismo federal teve o salário congelado.
O fórum ainda propõe que o governo inclua no acordo com os servidores o compromisso de equiparar todos os benefícios com os demais Poderes até o fim de 2026, “sem deixar de reconhecer o esforço feito para reajustar o auxílio-alimentação pela variação do IPCA desde 2016”. Em outra frente, sindicatos não descartam um movimento de paralisação.
Para tentar contornar a crise, a ministra da Gestão, Esther Dweck, pretende realizar uma nova rodada de negociações. Aos servidores, o governo vai se comprometer a articular, junto ao Congresso Nacional, a retirada da proposta de reforma administrativa encaminhada pelo governo Bolsonaro da pauta de discussões no Legislativo.
A proposta do governo Bolsonaro muda regras como estabilidade e o regime jurídico para servidores. Pelo texto, a estabilidade fica restrita a carreiras típicas de Estado, como diplomatas. Recentemente, em um jantar com empresário, o ministro Fernando Haddad sinalizou que a reforma administrativa não será uma das prioridades do governo Lula.
Disputas sobre a reforma tributária no Congresso podem atrasar os planos do governo
Paralelamente, aliados de Lula já temem que as disputas do Congresso Nacional sobre pontos da reforma tributária possam atrasar a aprovação da medida ainda neste ano. A Câmara dos Deputados instalou o grupo de trabalho para discutir a proposta, o qual é presidido pelo deputado Reginaldo Lopes (PT/MG) e tem como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB).
O colegiado se reuniu pela primeira vez nesta semana, mas diante de divergências e, dadas as polêmicas, líderes partidários não descartam a possibilidade de criação de uma comissão especial. Nos cálculos do governo, esse movimento pode travar as discussões e acabar desidratando a proposta.
"É preciso ouvir a parte técnica, mas ninguém aprova nada aqui sem a parte política. Uma reforma tributária não se faz sem entendimento da Câmara e do Senado e com o Executivo apoiando. Embora a gente saiba que sempre haverá divergência, com essa disposição, teremos a reforma tributária que a gente precisa", disse Aguinaldo Ribeiro.
Aliado do Planalto, Reginaldo Lopes já defendeu que as discussões não podem ultrapassar o ano de 2023. "Nós precisamos aprová-la ainda este ano. Qualquer reforma estruturante, tanto para a Câmara quanto para o Senado ou para o Poder Executivo, só terá sucesso se for realizada ainda no primeiro ano de mandato. Então, esse é o nosso limite para conseguir mudar tanto o sistema tributário para os impostos diretos quanto para os impostos indiretos”, explicou o deputado.
Prefeitos querem manutenção do ISS na reforma tributária
Neste caso, o governo vai precisar driblar os diferentes interesses sobre a proposta. Já há um embate público entre os prefeitos e o secretário especial, Bernardo Appy, em torno do Imposto Sobre Serviços (ISS). A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) já se movimenta contra a proposta de Appy para acabar com o tributo.
Recentemente, Appy disse que o ISS é um imposto “atrasado” e que os prefeitos “terão que aceitar o fim” do tributo. Na contramão, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), disse que “nada pode ser pior no mundo do que o técnico autoritário”. "Se [Appy] acha que vai avançar com a reforma tributária assim, certamente teremos mais uma proposta fracassada à frente”, declarou Paes, na ocasião.
Um grupo de parlamentares ligados ao Centrão, já adianta, porém, que a reforma, se sair, será em muito desidratada. Além disso, os líderes partidários sinalizam que possivelmente a discussão será fatiada dados os diversos e polêmicos interesses envolvidos no tema.
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