A 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) vai julgar nesta quinta-feira (25) um habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para que o juiz Flávio Itabaiana seja considerado incompetente para conduzir o caso das investigações de rachadinha no gabinete do então deputado estadual. O pedido foi feito em março pela advogada de Flávio Bolsonaro, Luciana Pires. Ela sustenta que, como ele era deputado estadual na época dos fatos analisados, deveria ser investigado e processado pelo Órgão Especial do TJ por causa de sua prerrogativa de foro.
Flávio Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) por obrigar os funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) a devolver parte dos salários recebidos oficialmente, prática conhecida como rachadinha. As investigações levaram, na semana passada, à prisão do ex-motorista de Flávio, Fabrício Queiroz, apontado pelo MP como operador do esquema.
Na Justiça, quem conduz o caso e autoriza pedidos de quebra de sigilo e outras diligências, como a prisão de Queiroz, é o juiz da 27.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Flávio Itabaiana. Desde abril do ano passado, o magistrado já autorizou quebra de sigilos bancários e fiscais de Flávio e outras 103 pessoas e empresas. Ele também foi responsável por assinar mandados de busca e apreensão ao longo das investigações. Itabaiana também determinou a prisão de Queiroz, preso na última quinta-feira (18) e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, que segue foragida.
Flávio Bolsonaro alega ter prerrogativa de foro
A defesa de Flávio Bolsonaro quer anular os atos processuais realizados por Itabaiana. O argumento é que, como os fatos investigados pelo MP ocorreram entre 2007 e 2018, período em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual, ele tem prerrogativa de foro no órgão Especial do TJ-RJ.
No ano passado, o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) do MP-RJ, que investiga o esquema de rachadinha, emitiu um parecer sobre o caso. Os procuradores defendem que “há pelo menos duas décadas os deputados estaduais não são mais julgados originariamente pelos Tribunais de Justiça depois de cessado o exercício da função”.
O Gaecc também ressaltou a decisão de 2018 do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a prerrogativa de foro vale apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. O precedente do STF tem servido para mandar diversas investigações da Lava Jato para a primeira instância em diversos estados do país.
Para o advogado João Rafael Oliveira, professor de Direito Processual Penal no curso de pós-graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), o senador Flávio Bolsonaro perdeu a prerrogativa de ser julgado no Órgão Especial do TJ-RJ ao deixar o cargo de deputado estadual. “Nesse caso, como o senador não mais ocupa o cargo de deputado estadual, não teria mais razão da competência ser do TJ-RJ”, avalia.
Já para o advogado criminalista Andrew Fernandes, sócio do Bayma & Fernandes Advogados, é possível que a 3.ª Câmara Criminal tenha outra interpretação. “Há uma interpretação possível, uma vez que o fato aconteceu durante o exercício da função e é relativo, sim, com o exercício funcional”, diz. “Entendo que é razoável que o julgamento seja por um tribunal que seja destinatário da prerrogativa por função. Você traz mais estabilidade e evitaria que o processo penal possa ser utilizado para qualquer tipo de perseguição”, completa o advogado.
Fernandes ressalta, ainda, a função da prerrogativa de foro, que está prevista na Constituição. “O foro em tribunal superior não é privilégio da pessoa, é uma prerrogativa do cargo para evitar que o processo penal fosse utilizado com instrumento de perseguição política e condutas congêneres”, explica.
O que pode acontecer se o TJ acatar o argumento de Flávio
Três desembargadores vão julgar o HC de Flávio Bolsonaro. Caso eles atendam ao pedido da defesa, as decisões de Itabaiana podem ser consideradas nulas – inclusive os mandados de prisão contra Queiroz e sua mulher.
O HC foi apresentado no TJ-RJ em março deste ano. A procuradora Soraya Gaya, que atua em casos na segunda instância no TJ-RJ, deu parecer favorável ao argumento de Flávio Bolsonaro. "O Paciente (Flávio), hoje Senador da República, na época dos fatos investigados ocupava a cadeira de Deputado Estadual, tendo portanto, foro por prerrogativa de função", disse a procuradora.
A desembargadora Suimei Cavalieri, que faz parte da 2.ª Câmara Criminal, chegou a conceder uma liminar para suspender as investigações em março, mas reconsiderou a decisão poucos dias depois.
Caso o argumento de Flávio seja aceito, a investigação sobre o esquema de rachadinha pode ter de recomeçar praticamente do zero em outra instância da Justiça.
“A investigação perderia todos os elementos arrecadados com decisão de juiz incompetente”, explica Oliveira. Segundo o advogado, decisões de quebra de sigilo, por exemplo, poderiam ser refeitas por um novo juiz. Mas documentos obtidos em buscas e apreensões determinadas por Itabaiana não poderiam mais ser utilizados nas investigações.
Já para Fernandes, há dois caminhos possíveis caso os desembargadores entendam que Flávio tem prerrogativa de foro. “O que se responderia de imediato é que como as decisões ocorreram sob égide de um juiz incompetente, essas provas são inválidas, ilícitas e devem ser desentranhadas dos autos. É uma interpretação”, explica o advogado.
“Outra interpretação, você pode modular os efeitos”, explica Fernandes. Segundo o criminalista, o TJ-RJ pode determinar no julgamento quais são os atos de Itabaiana que devem ou não ser anulados em caso de decisão favorável ao senador Flávio Bolsonaro.
Entenda o esquema da rachadinha
Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), foram identificados 483 depósitos em dinheiro em espécie, feitos por 13 assessores ligados ao gabinete de Flávio, nas contas de Queiroz. O valor chega a R$ 2 milhões.
A investigação envolvendo o filho do presidente começou quando o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou movimentações atípicas nas contas de Queiroz. Uma das operações envolvia um cheque de R$ 24 mil depositado na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o depósito era a devolução de um empréstimo feito a Queiroz.
O MP-RJ investiga se parte do dinheiro desviado dos salários dos assessores chegava a Flávio por meio de lavagem de dinheiro a partir de uma loja de chocolates do senador no Rio de Janeiro.
No pedido de prisão, o MP-RJ destaca, ainda, que de 2007 a 2018, Queiroz sacou de sua conta R$ 2,9 milhões, o que indica que o volume repassado a ele pode ter sido maior do que os 483 depósitos identificados até agora indicam.
O Jornal Nacional mostrou que parte do dinheiro desviado no esquema teria sido usado para o pagamento de mensalidades na escola das filhas de Flávio Bolsonaro e de despesas com plano de saúde da família do senador, entre outros pagamentos.
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