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O ex-ministro da Justiça e ex-senador Flávio Dino tomou posse nesta quinta-feira (22) como ministro do Supremo Tribunal Federal. Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele ocupará a cadeira deixada por Rosa Weber, que se aposentou no ano passado. "Agora é sem volta", disse, brincando, após a assinatura, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
Dino não discursou na solenidade, como manda o protocolo de posse. Entrou no plenário acompanhado pelo decano, Gilmar Mendes, e o ministro mais novo da Corte, Cristiano Zanin. Após assinar o termo de posse, jurou “cumprir fielmente os deveres do cargo, em conformidade com a Constituição Federal e com as leis da República”.
"É recebido por todos nós com imensa alegria. É um homem público que serviu ao país nos três Poderes", disse presidente do STF, lembrando da trajetória jurídica e política de Dino.
O papel de Dino no STF
Dino levará à mais alta corte do país a experiência e trânsito no mundo político e jurídico. Antes de ser deputado federal, governador e senador pelo Maranhão, foi juiz federal e presidiu a associação nacional da classe. Foi membro e um dos formuladores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário, e assessor do ministro aposentado Nelson Jobim.
Ele chega ao STF principalmente pela relação de confiança estabelecida com Lula. Dino foi um dos políticos que permaneceu ao lado do presidente quando ele atravessou sua pior fase, processado, condenado e preso no âmbito da Lava Jato.
Por causa da ligação sólida com Lula, ele também teve apoio dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, os mais influentes atualmente no mundo político. Dado seu passado, a expectativa é que se alie a eles no desmonte da Lava Jato e na cruzada contra Jair Bolsonaro. Dino, aliás, herdará uma investigação, oriunda da CPI da Covid, que apura a conduta do ex-presidente e de seu grupo político mais próximo durante a pandemia.
Antes da sabatina no Senado, que aprovou sua indicação, Dino tentou conquistar a simpatia dos parlamentares independentes e direita dizendo que, no STF, iria vestir outra “roupa”.
“Quem vai ao Supremo ou pretende ir ao Supremo, evidentemente, ao vestir uma toga, deixa de ter lado político. Então, para mim, eu não olho se é governo ou oposição, se é partido ‘a’, ‘b’ ou ‘c’. Eu olho para o país, olho para a instituição”, afirmou, acrescentando que um ministro do STF não tem “partido”, “ideologia” ou “lado político”.
“No momento em que o presidente da República faz a indicação, evidentemente que eu mudo a roupa que eu visto. E essa roupa hoje é em busca desse apoio do Senado. A roupa que, se eu mereça essa aprovação, é a roupa que eu vestirei sempre. Independe de governo e oposição.”
Dino vai herdar 344 processos deixados por Rosa Weber. O mais importante deles é o que pode descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. Como ela já votou, a favor, ele não poderá mais votar, embora fique com a relatoria do processo. Católico, Dino já disse ser contrário ao aborto.
Com 55 anos, ele poderá ficar no cargo até abril de 2043, quando completará 75 e terá de se aposentar compulsoriamente.
O que pensa Dino sobre temas importantes
Em sua sabatina no Senado, Dino expressou seus pontos de vista sobre temas que estão na ordem do dia no STF e na política nacional atualmente.
No momento em que cresce a insatisfação do Congresso em relação à Corte, ao passo que o governo Lula busca se manter próximo e alinhado, Dino disse ter “compromisso indeclinável com a harmonia entre os Poderes”. “É nosso dever fazer com que a independência seja preservada, mas sobretudo a harmonia. Controvérsias são normais, fazem parte da vida plural da vida democrática, mas não podem ser paralisantes do bom funcionamento das instituições.”
Durante o período no Ministério da Justiça, Dino colecionou inimigos na Câmara, principalmente pelas provocações e deboches durante audiências públicas.
Uma de suas principais bandeiras na pasta, congruente com o interesse de ministros do STF, foi a regulamentação mais rígida das redes sociais. Ele defende maior responsabilização das empresas de tecnologia pelo conteúdo que trafega nas plataformas.
“Todos devem medir as palavras? Sim, claro. Essa é a diferença fundamental. Enquanto todos não medirem as palavras, é claro que haverá a perpetração de crimes em série e isso vale para as redes sociais”, disse na sabatina. Ora, se você tem uma atividade empresarial qualquer destinada ao lucro, qual não é regulada? Então é um debate de vanguarda. Considero que é o debate jurídico mais importante do século 21, porque nós estamos do limiar do perecimento das condições de realizar eleições com abuso da Inteligência Artificial”, completou depois.
No tema liberdade de expressão, Dino sempre destacou a importância de restrição para contemplar outros direitos fundamentais. “Existe um crime de calúnia, difamação, injúria, incitação à prática criminosa, apologia de fato criminoso, racismo, tudo isso está votado pelo Congresso Nacional; então, é claro que há uma fronteira da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não alberga, não protege calúnia; não protege ameaça à vida de crianças; não protege racismo”, disse no Senado, em dezembro.
Em relação às drogas, também objeto de um julgamento no STF, Dino já disse ser contra a descriminalização. “Para ditar a pauta ética da sociedade é o Parlamento. Sou contrário que o Poder Judiciário faça essa mudança. Eu concordo que temos questões de leis a serem debatidas aqui e fico entristecido para observar dificuldades em leis votadas pelo Parlamento”, afirmou na sabatina.
Sobre investigações criminais, Dino negou atuação política como ministro da Justiça, a quem se subordina a Polícia Federal, que toca os inquéritos em curso no STF. “Eu jamais aludi a pessoas e sim a fatos. Não existe inquérito para investigar pessoas e sim fatos. Então jamais eu antecipei juízo de valor, apenas encaminhei fatos. Lembro que os inquéritos não tramitam no Ministério da Justiça, tramitam em uma das polícias mais conhecidas no mundo, que é a Polícia Federal. Tramitam perante o Ministério Público e o Poder Judiciário. Jamais a PF foi por mim usada para fins políticos a não ser o que a Lei manda”, disse.
Durante o período no MJ, Dino mandou a PF investigar a suspeita de que Bolsonaro teria se apropriado indevidamente de presentes recebidos pela Presidência da República. Em vários momentos, criticou o ex-presidente e disse que o “bolsonarismo” era mais grave que crimes violentos.